Por má gestão, Carmélia está na corda bamba

Proposta da União queria transformar teatro Carmélia em depósito de café, mas a má repercussão criou incertezas

Maria Fernanda Conti
Revista Brado
3 min readSep 1, 2020

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Centro Carmélia, localizada no bairro Mario Cypreste, em Vitória. Imagem: Dayana Souza/A Tribuna

A julgar pela sua história recente, muitos imaginavam que o Centro Cultural Carmélia, em Vitória, daria os últimos suspiros de vida após ser transformado em depósito do Instituto Brasileiro de Café (IBC). Sem forças para aguentar mais esse baque, acabaria deixando os artistas capixabas órfãos (como já foi explicado por esta jornalista e pela colunista Samara Elisa), além de descrentes quanto ao futuro da cultura no Espírito Santo.

Algo que viraria motivo de contestação da própria Carmélia Maria de Souza, caso ainda estivesse viva. Escritora capixaba que dá nome ao centro, ela ficou conhecida como “cronista do povo”, trazendo textos sobre a vida boêmia e sobre as tristezas e alegrias de morar na capital. Foi Carmélia, inclusive, que abriu as portas para a escrita crítica feita pelas mulheres no estado, em meados dos anos 1960.

Coincidência ou não, uma das coisas que o complexo fez com expertise foi levar alegria (e conhecimento!) para as pessoas, tal como a sua musa inspiradora.

Mas apesar de que tenham sido necessários inúmeros protestos para o governo federal recuar da decisão, parece que esses fantasmas ficaram para trás. Se as previsões da senadora Rose de Freitas (Podemos) estiverem certas, o Carmélia deve ser cedido em concessão entre 10 e 20 anos para o Estado e o IBC ter a instalação de um polo tecnológico do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) em parte de seu espaço. Pelo menos por enquanto.

Alguns pontos dessa história não merecem detalhes, pois não vale dar palanque para joguinhos burocráticos, mas é importante lembrar que a manutenção do Carmélia estava sob a responsabilidade da prefeitura de Vitória. Isso basta para provar mais uma política de abandono, que não se restringe à administração municipal, mas também à estadual e federal. Cada uma tentou passar a responsabilidade do espaço para quem estivesse dando sopa, aquela famosa “batata quente”, e acabou por acontecer o que aconteceu.

Salas do teatro Carmélia já estão caindo aos pedaços. Imagem: Fernando Madeira/A Gazeta

E só depois dessas manifestações contra a ocupação que a real situação do centro foi revelada: desde 2017, o local tem mato no chão, infiltrações, vazamentos e falta de água nos banheiros, além de mesas com cadeiras trancadas em auditórios imundos. É impossível tentar visualizar como tudo era lá atrás, quando relatos davam conta de um lugar deslumbrante e moderno para a época.

Todo esse cenário “macabro” tornou inviável o trabalho de quem mais precisava dele no momento. Alguns profissionais da TV Educativa, que cumprem suas funções no espaço desde o início dos anos 2000, chegaram a ser dispensados por causa das más condições do prédio. Um ofício foi até protocolado pelos sindicatos que representam a categoria dos jornalistas, orientando os gestores da emissora a só retornar às atividades quando a situação estiver normalizada.

“Manter o trabalhador em condições inadequadas de higiene, saúde e segurança geram responsabilidades ao dirigente público”, diz o ofício.

Dessa forma, além dos prejuízos que o próprio esvaziamento do centro acarreta, agora também é preciso lidar com a paralisação de um dos principais veículos de educação e cultura do estado. A programação não vai mais contemplar os diferentes efeitos da pandemia no Espírito Santo, que são de interesse geral, e também fica desatualizada e longe da realidade dos capixabas neste momento.

O fato é: antes de toda essa confusão, algo poderia ter sido feito. Aliás, já era negociada a transformação do Carmélia na Cidade do Samba, onde ficariam estacionados os carros alegóricos das escolas de samba de Vitória, pela proximidade com o Sambão do Povo, no bairro Mario Cypreste. Mas essa ideia foi descartada pelo secretário de Cultura de Vitória, Francisco Grijó, segundo informações do jornal A Gazeta.

E para jogar toda a poeira embaixo do tapete, foi proposto o tombamento provisório do local, que passará a ser reconhecido pelo seu valor arquitetônico, histórico e cultural. Engraçado que esse projeto apareceu em um momento muito oportuno, né?

Que isso sirva de lição para nosso povo tão desatento à cultura. Carmelita, estamos esperando pela sua volta!

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Maria Fernanda Conti
Revista Brado

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Espírito Santo. Colunista de Cultura da Revista Brado.