Por que você come carne?

Rodolfo Nascimento
Revista Brado
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6 min readSep 24, 2020
Foto: Reprodução/Pexels

Podemos compreender o consumismo como um estilo de vida voltado para um exagero da exploração de bens, produtos e serviços — em sua grande parte dispensável e movido por grandes publicidades de incentivo. Existe um apelo quase emocional voltado ao prazer, à saciedade e à vontade, e ,com isso, os desejos da sociedade vão sendo moldados e expandidos em razão desse consumo desenfreado.

Como consequência, a quantidade de resíduos que são descartados no meio ambiente atinge níveis preocupantes de desperdício e rejeito em um curto espaço de tempo. Grande parte dessa produção é de utilidade única, de uso limitado e sem real necessidade para o ser humano.

O impacto dos hábitos pessoais de consumo. Imagem: Gilmar/Humor Político

Esse consumismo também atinge a alimentação da sociedade. Não há um real consumo baseado nas necessidades para sobrevivência e saciedade; em seu lugar existe uma nova realidade moldada pelo estímulo mercadológico que afeta negativamente a saúde e o meio ambiente. Entre a produção de alimentos tidos como mais impactantes, a carne tem um grande destaque. Desde sua produção até os efeitos sobre o consumidor final, esse “produto” representa uma série de malefícios.

Foto: Reprodução/SVB

Embora o movimento que busca reduzir ou retirar a carne da alimentação tenha crescido em média 75% em quatro anos, a produção de animais para alimentação permanece em níveis elevados.

Entre 2019 e 2020, houve um aumento de quase 4,5% na produção de carne no Brasil. A expectativa é que sejam produzidos 10,5 milhões de toneladas de carne bovina e 4,2 milhões de toneladas de carne suína.

O impacto ambiental é um dos motivos para que uma pessoa repense seu consumo de carne, seja para retirar totalmente da alimentação ou para diminuir seu consumo. Saber a origem do que é produzido e os impactos do que comemos é uma necessidade aos dias atuais. Outros motivos também levam ao entendimento de consumir ou não carnes, seja por uma questão moral, religiosa, política ou até relacionada à saúde.

De acordo com um relatório publicado pela IARC (International Agency for Resarch on Cancer), o consumo excessivo de carne pode afetar negativamente a saúde da população e do planeta. Pelos dados apresentados, o consumo de carnes processadas e embutidas possuem classificação como carcinogênica, e sugere que a carne vermelha também possa ser. O informativo encontra uma possível relação “dose-dependente” entre o consumo de carne e o desenvolvimento de câncer, ou seja, quanto mais carne vermelha se consome, maior a chance de desenvolvimento de câncer.

“Carne e câncer. Quão forte é a evidência?”. Imagem: Reprodução/Cancer Research UK

O encontro realizado na IARC contou com a presença de 22 cientistas de dez países. Pelos resultados, a carne vermelha foi descrita como “provavelmente carcinogênico em humanos” (grupo 2A) e o consumo de carnes processadas como “carcinogênico em humanos” (grupo 1). De acordo com o grupo de trabalho considerou mais de 800 estudos que investigaram a associação de mais de uma dúzia de tipos de câncer com o consumo de carne vermelha ou carne processada em diversos países e populações com diferentes dietas. Os especialistas avaliaram que em uma porção de 50 gramas de carne processada aumenta em 18% o risco de desenvolver câncer colorretal.

Em relação à carne vermelha, a classificação é baseada em evidências de estudos epidemiológicos que mostram associações positivas entre comer carne vermelha e desenvolver câncer colorretal, bem como fortes evidências mecanísticas. Essa evidência significa que uma associação positiva foi observada entre a exposição ao agente e câncer, entretanto que outras explicações podem ser observadas.

Já no meio ambiente o impacto é devastador. A área utilizada para pastagem altera a qualidade do solo em suas propriedades físicas e químicas, e a mata nativa transformada em pastagem aumenta estoques de carbono nas camadas superficiais dessa região. De acordo com a ONU, a pecuária é a maior responsável por erosões no solo e contaminação de mananciais em todo o mundo. Cerca de 14,5% das emissões de gases do efeito estufa são resultado desse tipo de atividade. Conhecer os impactos que determinado produto gera é importante para uma autoavaliação, reconhecendo assim o seu papel de consumidor e como suas demandas podem influenciar negativamente o meio ambiente.

Em relação à água, em um quilo de carne produzido são necessários cerca de 15 a 17 mil litros. Enquanto diversas cidades necessitam realizar racionamentos de água durante certos períodos no ano e campanhas para diminuir o desperdício são frequentemente divulgadas, outros setores (como a pecuária) permanecem com um abuso excessivo desse bem cada vez mais escasso.

Imagem: Reprodução/Sociedade Vegetariana Brasileira

A ONU também alerta sobre a poluição da água, sendo a pecuária considerada a maior fonte setorial de poluição, trazendo um impacto negativo que acarreta o crescimento excessivo de plantas aquáticas, em níveis acima dos normais e desejáveis em ecossistemas aquáticos.

Todo esse desgaste é resultado do consumo excessivo e desnecessário, que exige uma produção em larga escala para atender às demandas induzidas pelo mercado.

Por que você come carne?

Esse questionamento deve estar presente, mesmo que ainda exista o consumo, já que as questões ambientais permanecem. Entender a relação da alimentação com a natureza é um movimento que deveria estar em maior discussão: pensar sobre suas reais necessidades de consumo; os produtores e fornecedores; além de entender como um prato vai parar em sua mesa.

Foto: Carlos Lopes/Agromove

Na cadeia produtiva da carne que ocorre no Brasil, cerca de 90% da produção bovina ocorre em pastos. Os bezerros podem ser suplementados com minerais e proteínas para que os músculos cresçam rapidamente, e geralmente após oito meses de idade ocorre o desmame. Quando o animal está “pronto” para o abate, idealmente próximo aos três anos, há um maior cuidado no seu transporte para evitar estresse, visto que pode ocasionar rigidez da carne, ou em lesão nos caminhões que tornam a área afetada imprópria para o consumo.

Essa atividade pecuária possui direta relação com o desmatamento da região denominada Amazônia Legal. A necessidade de produção de rebanho bovino acarreta em terras desmatadas para os pastos e cultivo de ração.

Foto: Dino/Portal Terra

Por trás de um material pronto e embalado no supermercado existe muito mais do que um produto industrializado: houve vida, trabalho, esforço e um processo complexo de produção. Ter consciência do que ingerimos é um ato extremamente necessário para o presente, e a negligência pode suscitar em diversos problemas em um futuro próximo.

Seja na alimentação ou na compra de quaisquer produtos e serviços, nosso consumo deve ser sempre consciente. De quem é a culpa pela poluição ambiental? Quem responde pela devastação em massa? Não há como se eximir da responsabilidade por nossas escolhas. Apenas estar preocupado com o futuro do meio ambiente é insustentável, precisamos estar dispostos a repensar o estilo de vida e o impacto de nossas ações.

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Rodolfo Nascimento
Revista Brado

Capixaba. Estudante de Direito. Diretor de Pesquisa da Associação Atitude Ubuntu. Editor e Colunista da Revista Brado.