Precisa-se de mediadores

“É preciso estudar volapuque,
é preciso estar sempre bêbedo,
é preciso ler Baudelaire,
é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores”. (Poema da necessidade — Drummond).

Gabriel do Nascimento Barbosa
Revista Brado
3 min readSep 19, 2021

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Inauguración Joseph Beuys (Museo de Arte Contemporáneo — Santiago de Chile / creativecommons.org)

A principal angústia dos tempos contemporâneos, como se esse tipo de sentimento fosse escasso ou nos faltasse, talvez seja a sensação esmagadora de que nunca poderemos dar conta de tanto. Se até a modernidade a figura do erudito era no mínimo existente, hoje é impossível imaginar alguém que consiga transitar, com competência exemplar, em todos os campos da produção humana.

O fluxo atual de informações e de produção de representações, essa nossa cultura que nos absorve incansavelmente com sua ética do consumo, nos atravessa de tal modo que nos vemos como integrantes de um fluxo contínuo, inesgotável e atordoante do qual somos meros passageiros. Fica a impressão de que não há tempo a perder e, mesmo que não se perca um segundo, algo sempre está perdido. É um momento de embriaguez, tontura e vertigem de nos sabermos tão pequenos diante de um mundo infinito.

Cada um, ao seu modo, tem que lidar com essa situação. Pode encará-la e topar o desafio de organizar a torrente das produções de romances, performances, espetáculos cênicos, apresentações folclóricas que, por serem manifestações da cultura, são o que temos de mais humano e dão sentido à nossa existência. Ou pode simplesmente ignorar e viver alheio às possibilidades de invenção, destruição e construção da realidade através da arte.

Quem escolhe a segunda opção, talvez não o faça conscientemente. Não se trata, aqui, de escolher um lado moral ou ético, mas de oferecer a consciência do que se está abrindo mão. Entrar no fluxo, topar o caminho da torrente, é, no mínimo, estar disponível para toda a diversidade que significa o humano. É se oferecer para ser questionado em faces que nem sabíamos que tínhamos. Ninguém se aprofunda sobre entender as relações de diálogo sobre si, sobre o outro e sobre o mundo e sai ileso. De qualquer forma, também a alienação tem seu conforto e seu preço.

É nesse sentido, de oferecer a consciência, que precisamos de mediadores. Precisamos de pessoas que nos apresentem a possibilidade de ao menos negar com propriedade. O mediador é aquele que possui o domínio da apresentação, de oferecer os direcionamentos possíveis. E, ao dizer isso, não quer dizer que ele terá uma função ditatorial no processo de fruição do objeto mediado, mas ele é quem desmistifica o caminho da autonomia. Mediar é dar acesso amplo e democrático aos que as barreiras sociais e simbólicas, mais sólidas, às vezes, que as econômicas, mantém afastados. O mediador é aquele que sabe ser absurda a fala de um ministro da Educação que diz que nem todos devem estar no ensino superior, porque, enquanto mediador, ele sabe a força que tem o conhecimento.

As diversas manifestações culturais podem parecer complexas, difíceis, ininteligíveis, distantes. Manter esse estigma é fortalecer um fosso entre pessoas e o contato com o que há de mais autêntico em qualquer comunidade, que é a criação. Oferecer o acesso para a fruição e entendimento de manifestações artísticas e sua devida valorização é um direito. É de todos porque a cultura está em todo lugar, não pode ser um privilégio. Mediar é estar atento e se colocar como ponte, como portal, que retira a áurea excludente e diz que a magia que cobre as produções culturais da humanidade é o que temos de identificador comum em todas as línguas e todos os povos.

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Gabriel do Nascimento Barbosa
Revista Brado

Historiador de formação e produtor cultural na área de literatura. É colaborador da Revista Brado e acha estranho apresentar a si mesmo.