Progresso e sustentabilidade podem caminhar lado a lado

A possibilidade de um futuro mais sustentável ainda é real

Pedro Fabriz
Revista Brado
7 min readJul 9, 2020

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Foto: piro4d/pixabay

Será que os humanos serão dominados pelas máquinas? Teremos que aceitar o nosso futuro como “espécie inferior” subordinada à “inteligência superior”, que está nos nossos bolsos e com a qual este texto foi redigido? Precisamos ter tanto medo assim a ponto de atrasar a evolução tecnológica?

O futuro da espécie humana é incerto, mas o impacto que novas tecnologias como Inteligência Artificial (IA) e Internet das Coisas (IoT) estão causando em nossa realidade é notável, e toda preocupação ou expectativa que temos com o futuro depende intrinsecamente dessas tecnologias.

O ser humano, em períodos recentes da história, conseguiu criar sistemas e aparatos tecnológicos em revoluções industriais que confortam e melhoram o dia a dia da sociedade. No entanto, uma série de “dívidas” estão batendo em nossa porta por essas ações passadas, principalmente quando o tema é meio ambiente.

Segundo pesquisas do Our World in Data, em 2017 chegamos ao nível de 5 toneladas (gráfico abaixo) de CO₂ per capita no mundo. Se voltarmos um pouco no tempo, desde 1751, o mundo emitiu mais de 1,5 trilhão de toneladas do mesmo composto.

Emissão de CO₂ per capita — Fonte: https://ourworldindata.org/grapher/co-emissions-per-capita?tab=chart&country=AUS~CAN~USA~OWID_WRL

Analisando a variação da temperatura do mundo à medida que continuamos emitindo quantidades enormes desses gases na atmosfera, como o mensurado em 2017, o cenário fica um pouco mais preocupante. Se o mundo chegasse no próximo século mantendo a mesma emissão de gases de efeito estufa atual, a temperatura global aumentaria no mínimo 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, e no pior cenário, 4°C ou mais. Isso iria provocar uma série de consequências, incluindo ondas de calor mais frequentes e mais intensas, aumento do nível do mar, desequilíbrio climático variando de região para região e mais uma corrente de problemas que estão ligados indiretamente. E todos esses danos são amplificados com o aumento do desmatamento e queimadas de áreas naturais. Para conseguir atingir 2°C de aumento, ou até menos, até o fim do século, precisaríamos reduzir muito a emissão de gases e pensar em novas soluções para as demandas da humanidade.

Ao mesmo tempo em que estamos tendo que enfrentar essas “dívidas” que vêm em forma de níveis crescentes de emissão de gases estufa, aquecimento global e destruição de ambientes naturais, a humanidade também está passando por outra transformação no campo das tecnologias digitais e na automação inteligente. Entre as características dessa nova transformação, que podemos ligar à Indústria 4.0, estão o maior processamento simultâneo de cálculos, conectividade, velocidade de execução de tarefas e capacidade de armazenamento de dados aumentada.

Fonte: AmbienteAmbienti.

Podemos traçar objetivos para um futuro mais sustentável e em harmonia com o meio ambiente se soubermos administrar as características dessas novas tecnologias e aplicá-las da forma correta. Não é que apenas temos outra chance em mãos porque estamos com novas tecnologias. O que temos é uma oportunidade única que abre portas que nunca pensamos que seriam abertas antes, portas que fornecem acesso à solução de muitas “dívidas” com o meio ambiente que acumulamos no decorrer da história.

Para entender como a transformação digital estará (e deve estar) ligada à resolução de problemas enfrentados pela humanidade, principalmente no quesito meio ambiente, é necessário entender o que são essas tecnologias e desmistificá-las.

Algo que está crescendo muito nos últimos anos é o aperfeiçoamento na criação de máquinas inteligentes. Pode-se dizer que o intuito de se obter um computador cada vez mais inteligente é chegar próximo dos processos que ocorrem no nosso cérebro, focando em cálculos matemáticos, processamento de informações e tomadas de decisão. Essa capacidade dos seres humanos de observar o universo à sua volta, ter ideias e realizar tarefas específicas para cada problema pode se juntar ao mundo eletrônico e proporcionar resultados interessantes.

Tendo isso em mente, podemos exemplificar algumas habilidades que são desencadeadas e como a Inteligência Artificial, junto com tecnologias como a Internet das Coisas, visão computacional, entre outras, podem ajudar nas soluções de nossos problemas.

A primeira é a capacidade de processar muitos dados ao mesmo tempo e entender quais são, para determinado problema, as informações que mais influenciam em uma tomada de decisão. Isto é, para achar a melhor solução da questão, o que eu tenho que levar em conta? Qual tem de ser meu comportamento diante da natureza para não prejudicá-la?. A redução da emissão de gases estufa pode estar ligada a essa característica, uma vez que algoritmos podem trabalhar no planejamento de centrais elétricas mais eficientes, encontrando formas de produzir a mesma quantidade de eletricidade com menor uso de combustíveis fósseis, diminuindo a demanda. Além disso, outra área de aplicação é a otimização do uso de energia por parte da população e outros setores, a exemplo de sistemas de análise em tempo real do consumo de energia em residências, ajudando a utilizar a eletricidade de forma mais eficiente e econômica, sem tirar o conforto. (Para exemplo: GreenAnt).

Para não ficar só no uso de combustíveis fósseis, novas tecnologias como essas podem desencadear transformações em outras áreas. Um exemplo é a Energia Nuclear, uma forma de se obter energia a partir de recursos que estão disponíveis 24 horas por dia e deixa uma pegada de carbono menor comparada às outras formas. Tal processo de obtenção pode ser potencializado por sistemas inteligentes que ajudam a prevenir acidentes catastróficos e monitorar cada processo envolvido.

Usinas nucleares Angra 1 (à direita) e Angra 2 (à esquerda) — Foto: Eletronuclear

Outra característica está na conectividade e na capacidade de atualização. Uma vez que se tem mais de uma inteligência trabalhando em uma mesma atividade, a comunicação e atualização de um erro ou acerto, por exemplo, nessa atividade é quase que instantânea, aprimorando as técnicas e melhorando a calibragem com uma velocidade maior. Drones, com unidades de processamento e armazenamento de dados, armados de câmeras com algoritmos de processamento de imagem, conseguem sobrevoar plantações extensas e monitorar condições das mesmas, calcular probabilidade de haver pestes em certas áreas, ao mesmo tempo que manda essas informações para tratores autônomos no solo, indicando a hora certa de colher, ou até se comunicando com outros robôs que são responsáveis pela irrigação (estes conseguem otimizar o uso da água nessa tarefa). As mesmas tecnologias podem ser usadas para decisões e tarefas diferentes, como monitoramento de florestas e espaços naturais, buscando por indícios de queimadas que destruiriam hectares extensos de fauna e flora.

Ademais, robôs que possuem a habilidade de processar muitos dados têm o luxo de poder entender o passado, aprender com ele e fazer uma previsão mais precisa do futuro. Os erros e acertos dos humanos, assim como os resultados obtidos nos últimos anos em atividades como agricultura, proteção ambiental e geração de energia, são uma parte de toda a memória que pode abastecer nosso sistema robótico, que aprende em questão de dias ou até horas. Previsão da quantidade exigida de água para determinada atividade e monitoramento em tempo real para evitar desperdícios é outro exemplo de como podemos nos beneficiar das vantagens de uma máquina inteligente.

Drones sendo usados para identificação de falhas em lavouras — Fonte: G1 Globo — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

Segundo pesquisas realizadas pela Microsoft e PwC (PricewaterhouseCoopers), estabelecendo a meta em 2°C até o fim deste século (determinado no Acordo de Paris), a aplicação da Inteligência Artificial (unida com outras tecnologias) em setores que envolvem água, agricultura, transporte e energia poderia ajudar de 7,9% a 15,7% na conquista desse objetivo. Quando analisada a emissão global de gases de efeito estufa, poderia reduzir em até 4% até 2030 — isso seria aproximadamente 2,4 gigatoneladas de CO₂ que deixariam de ser lançados para a atmosfera.

Portanto, o que as novas tecnologias trazem de novidade não é a produtividade em si. Isso não é novo. Há séculos o ser humano tem dado um jeito de construir máquinas para produzir mais e mais. A novidade é que agora podemos olhar para novos horizontes e desejar uma tecnologia que, ao mesmo tempo que é responsável pela geração de energia do mundo ou produção de comida, também se preocupe com assuntos como preservação e progresso sustentável.

Ainda temos que desvendar outras questões que se relacionam com o tema, por exemplo: como fazemos para ter um sistema político que apoie e ande junto com o progresso e que incentive o estudo das tecnologias; como vamos dar oportunidades para todos aproveitarem desses benefícios citados no texto; ou como criamos uma regulamentação sem abafar o potencial dessa tecnologia. Mesmo assim, as expectativas de um futuro melhor de progresso aliado à sustentabilidade são boas e encorajadoras.

*Bibliografia:

Pinker, Steven. O novo iluminismo : Em defesa da ciência, da razão e do humanismo / Steven Pinker ; tradução Laura Teixeira Motta e Pedro Maia Soares. — 1a ed. — São Paulo : Companhia das Letras, 2018.

Harari, Yuval Noah. 21 lições para o século 21 / Yuval Noah Harari ; tradução Paulo Geiger. — 1a ed. — São Paulo : Companhia das Letras, 2018.

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Pedro Fabriz
Revista Brado

Estudante de Engenharia Elétrica. Cofundador e Programador da Atitude Ubuntu e apaixonado por Ciência e Tecnologia. Colunista e Editor da Revista Brado.