Quais são as culpas que você carrega por ser mulher?

Mylena Ferro
Revista Brado
Published in
3 min readSep 16, 2021
Imagem: Unsplash

Dia desses me perguntaram quando foi a primeira vez que lembro de sentir culpa. De imediato não soube responder e fiquei pensativa com a questão. Depois, refletindo, percebi que venho acumulando culpas desde a infância — e sei que não estou sozinha nessa: o psicólogo espanhol Itziar Etxebarria Bilbao fala que as mulheres são maioria quando o assunto é sentimento de culpa no começo da infância. Não para por aí: segundo estudo divulgado pela Femail, quase 100% das mulheres sentem culpa ao menos uma vez por dia. Não que seja um sentimento exclusivo das mulheres, mas há conosco uma ligação um tanto mais íntima.

Desde os primórdios, com Eva e Pandora, somos ensinadas que a degradação social vem das místicas, perigosas e persuasivas mulheres. Ouvimos isso na igreja, na escola, nas novelas, filmes e livros. Somos culpadas, então, pelo próprio mal do mundo, e essa nossa velha companheira — seja por senti-la ou por jogá-la na outra — está em tudo, paralisando, podando, fazendo ficarmos com raiva, envergonhadas de nós mesmas e, é claro, adoecendo.

Ela, a culpa, nos acompanha na decisão de desejar ser ou não ser mãe, de quando essa decisão será tomada, de quantos filhos serão, de priorizar ou não uma carreira. Por não querer casar, por comer demais ou de menos, por não cuidar tanto da pele, do cabelo e das roupas, por não ter tempo para tudo. Culpa por ter dinheiro, culpa por não tê-lo. Pela mãe, pelo pai, pelo irmão, pela cachorra. Culpa por não conseguir mudar o mundo e por sentir preguiça de tentar mudá-lo. Por beijar muitos homens, por beijar mulheres. Pelo marido que bateu, pelo cara que estuprou, pelo filho que reprovou, pela casa que tá bagunçada, por se sentir cansada.

Freud aponta a culpa — aqui, não só a feminina — como um dos grandes problemas do desenvolvimento da civilização. Para ele, o sentimento se articula estreitamente com a angústia e se manifesta, inclusive, em forma de neuroses difíceis de serem tratadas. Despejar sobre nós, portanto, com sutileza e persistência, o fardo de ser culpada por tudo, por sermos seres singulares e desejantes, por fazermos escolhas e, não bastante, por tudo de negativo que acontece conosco e com o outro é, acima de tudo, cruel e adoecedor.

Certa vez li um texto de uma feminista que afirmava com todas as letras: a culpa é nossa por permitirmos a opressão, por não nos libertarmos, como se “continuássemos deixando” por preguiça. Como se fosse confortável. O texto era uma convocação e encorajamento para despertarmos e, embora discorde absolutamente do teor culpabilizante, imagino ter sido escrito com as melhores intenções. Ele me levou a outra reflexão: o sistema de opressão feminina é tão bem articulado que por vezes cai sobre nós até a culpa de estar dentro dele — como se fosse possível, enquanto unidade, se dissociar totalmente. É interessante a ele que nos sintamos culpadas: assim não nos dedicamos a entender e se voltar contra o problema real. Afinal, estamos muito ocupadas apontando os dedos para nossas próprias faces.

Gostou deste texto? Deixe seus aplausos (eles vão de 1 a 50) e compartilhe.

Siga a Brado nas redes sociais: Instagram; Facebook; Twitter; e LinkedIn.

--

--