Qual a importância da responsabilidade social das empresas?

Angelo Mariño
Revista Brado
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5 min readOct 8, 2020
Foto: Getty Images

A livre iniciativa, consagrada na Constituição Federal Brasileira de 1988 como fundamento da República no art. 1º, IV, e razão de ser da Ordem Econômica vide art.170, caput, tem atribuição essencial para a organização do sistema jurídico, econômico e social pátrio. A Constituição garantiu aos particulares a liberdade de desenvolverem atividade econômica por meio de empresa, tendo como espaço natural o livre mercado, entretanto, atendendo ao caráter social da Carta, atribuiu-se honroso destaque ao atendimento dos princípios da ordem social como baliza à liberdade econômica.

As empresas, instituições econômicas que visam o desenvolvimento das atividades de produção e distribuição de bens e serviços, têm tido sua atuação ressignificada nos últimos tempos. Diante da incapacidade do Estado em atender todas as demandas apresentadas pela sociedade em constante evolução, a empresa gradativamente passa a ser detentora de papéis que extrapolam apenas suas atribuições econômicas. Ademais de sua importância enquanto agente econômico, a empresa é também importante agente social. O Constituinte, ao estabelecer em seus alicerces fundantes que a livre iniciativa é direito fundamental, mas também princípio da ordem econômica, reconhece-a como basilar ao sistema, preconizando que a liberdade de desenvolver atividade econômica e dela obter lucro também é instrumento de desenvolvimento social.

Portanto, o empresário-cidadão, ao exercer seu direito fundamental e suas quatro facetas — liberdade de empreender, associar, contratar e trabalhar, não pode, sob pena de escapar à legitimidade que lhe é concedida e confiada pelo coletivo, desvirtuar-se do fim fundamental que aqui entendemos como dever: retribuir à sociedade através de medidas socialmente responsáveis. Não se trata de um imperativo legal, mas sobretudo de um imperativo ético. Nesse sentido, seguimos Howard Bowen e sua ideia da obrigação dos homens de negócios de adotar diretrizes, decisões e linhas de ações desejáveis no âmbito dos objetivos e valores de nossa sociedade.

Apesar de reconhecermos as conquistas constantes no ordenamento jurídico brasileiro, no presente artigo pretendemos avançar do conceito de função social para o da responsabilidade social, levando à reflexão o dever ético da empresa de ter participação proativa e engajada na consecução dos objetivos fundamentais da República, elencados no art. 3º da Constituição Federal.:

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I — construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II — garantir o desenvolvimento nacional;

III — erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV — promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Não se deve confundir a função social da empresa com sua responsabilidade social, conquanto se admita que essa possa decorrer da evolução daquela. Enquanto a função social da empresa caracteriza-se pela contribuição para a criação de empregos, pagamento de tributos, geração de riqueza e contribuição para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade onde está inserida, a responsabilidade social ultrapassa a obrigação legal de se observarem os dispositivos constitucionais relacionados à atividade econômica, na medida em que altera comportamentos estratégicos e comerciais da empresa de forma voluntária. Passa-se a desempenhar práticas solidárias direcionadas ao coletivo, com intuito de modificar positivamente a comunidade local.

A posição deste texto opõe-se justamente à perspectiva corporativa egoística de que a missão da empresa seja apenas a geração de lucro, sob o argumento de que quaisquer atividades que a desviem de seu foco prioritário são óbices ao desenvolvimento empresarial. A defesa aqui levantada é de que iniciativas que vão além do simples cumprimento legal aproximam a sociedade dos objetivos fundamentais supracitados, valorizam os princípios gerais da ordem econômica e promovem a justiça nas relações empresariais.

A partir desse pensamento, apartam-se concepções individualistas em prol a uma visão condizente com interesses coletivos, sem que isso enseje qualquer desprestígio ao lucro e sua busca, mas objetivando sua função social. Dessa maneira, passa-se a ver as três vigas estruturais que fazem a sustentação do direito privado (o contrato, a empresa e a propriedade) a partir de uma nova perspectiva: a empresa (e o estabelecimento), enquanto propriedade do empresário, somente poderá ser tida como socialmente funcional quando respeitar a dignidade da pessoa humana e contribuir para o desenvolvimento nacional e a diminuição das desigualdades sociais.

Tanto a sociedade quanto o mercado têm evoluído no sentido de exigir das empresas posturas integradas ao quadro social que caracteriza os tempos atuais. Nesse ínterim, citamos de exemplo o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), ferramenta para análise comparativa da performance das empresas listadas na B3 sob o aspecto da sustentabilidade corporativa, baseada em eficiência econômica, equilíbrio ambiental, justiça social e governança corporativa. Outro célebre exemplo é o trabalho realizado pelo Instituto Ethos, criado em 1998 com a missão de “mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade sustentável e justa”. Como resultado, hoje em dia se fala cada vez mais dos fatores ESG (environmental, social and corporate governance).

Todas essas informações descortinam um tabu erroneamente sustentado: é sim possível conciliar o objetivo precípuo de toda empresa — o lucro — com práticas socialmente responsáveis. Empresários têm se mobilizado a repensarem o modus operandi de administração, dispostos a aderir ao modelo de gestão pautas ligadas ao desenvolvimento social, que não só atestam o cumprimento do compromisso que a empresa tem com a sociedade, mas também representam um ativo em marketing para as empresas.

Garantir métodos sustentáveis de produção; fomentar e investir em iniciativas voltadas ao desenvolvimento social; adotar uma administração transparente e responsável, são medidas que simbolizam o dever republicano que impele as empresas a comprometerem-se com o futuro da nação. A sociedade espera da empresa uma postura integrada e coerente aos problemas que enfrenta, de modo que o empresário-cidadão, ao usufruir de sua liberdade de iniciativa econômica, contribua para a superação deles.

Combinar a criatividade e a inovação, inerentes ao capitalismo, com a solidariedade, função social (do contrato, propriedade e empresa), responsabilidade social, livre concorrência, valorização social do trabalho e dignidade humana gerará fórmulas que possibilitarão não apenas o crescimento econômico, mas a humanização do sistema econômico e o desenvolvimento social. Se a busca é pela definitiva adoção de um capitalismo pós-moderno cada vez mais consciente e responsável, o imperativo ético da responsabilidade social da empresa torna-se inegociável. Neste ínterim, cabe ao Estado o apoio à iniciativa privada para que essa possa lograr sua missão social, ademais da econômica.

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Angelo Mariño
Revista Brado

Graduando em Direito pela Universidade Federal Fluminense. Fundador da AsM Editora. Revista Brado.