Quando o amor que ousa dizer o nome é por uma mulher

Amar uma mulher é tão divino quanto qualquer que seja o amor

Gaby Minchio
Revista Brado
5 min readSep 14, 2021

--

Foto: Shvets Production/Pexels

Durante o 29 de agosto encontrei muitas demonstrações de como o amor lésbico resiste e é lindo e admirável! É gostoso de sentir e é poderoso poder vivê-lo. E é amor. Simples e puramente amor.

Desde nova gosto de assistir a comédias românticas e já idealizei inocentemente que um dia o que via nas telas com aqueles casais iria acontecer comigo. Finais típicos com grandes demonstrações; reviravoltas previsíveis, mas emocionantes. Com o tempo, acabei vendo que não é bem assim que acontece. Só que não foi somente porque são obras fictícias. Também não poderia amar daquela forma, porque quem eu amaria não está normalmente nesse roteiro.

Não via esse amor nem na ficção. Se existisse, jamais iriam deixar eu ver. E se eu visse, repudiaria como fui acostumada a fazer. E como quem me ensinou também foi ensinado a agir desse modo.

Apesar disso, com o tempo, eu insisti em vivê-lo, ainda que baseado no que via nos filmes, novelas e literaturas. Escondido e até mesmo no imaginário. Só comigo mesma.

Essa realidade mostrou-se mais para mim durante a adolescência quando, ainda clandestina, via casais que sonhava compor um dia pelas telas do YouTube ou em romances de Wallpaper.

Só que o amor lésbico existe em Secreto e Proibido, estreado em 2020, mas vivido desde 1947 por Pat Henschel e Terry Donahue. E existiu outrora como, em Dickinson, com Emily e Susan; existiu até mesmo antes ao que já esteve exposto para nós de maneira fictícia ou real, mas ainda não vimos em alguma literatura ou outro tipo de arte que pudesse demonstrar e representar que o amor lésbico é um tipo de amor. E ponto.

E ele permanece em mim desde 1997, desabrochou por volta dos 6 anos, perdurou durante minha adolescência, efervesceu e veio à tona depois da maioridade e — ufa! — conseguirei fazê-lo existir em mim até meu último respiro.

Lembro que mesmo o conhecendo, não tinha certeza de que um dia pudesse vivenciá-lo. Ter noção dele e vivê-lo não foi como nos filmes ou livros, mas foi extraordinário e extremamente bom. Só que eu não sabia como fazê-lo permear no início. Porém, dava para experienciá-lo vendo que era o certo mesmo que precisasse trancá-lo em mim quando saísse do ambiente confortável em que pudesse o deixar solto e livre.

Amar outra mulher é com toda certeza ter coragem de vivê-lo apesar de. Apesar de ver que durante quase duas décadas aquilo era quase vago e inexistente na minha bagagem e vivência exposta ao mundo. Apesar de ouvir e ver que não dava para ser assim a vida toda. Apesar de ouvir que aquilo era uma fase. Falta de homem ou de uma surra. Ou dos dois.

Foto: Ketut Subiyanto/ Pexels

No amor lésbico não falta nada. Literalmente. No amor lésbico dá para respirar mais fundo. Daquele jeito que parece que sugou o ar do ambiente todo. E que delícia poder fazer isso. O amor lésbico é ter certeza que tem um colo ali pra te dar aconchego quando está em uma daquelas crises ferradas de ansiedade causada pelas diversas toxicidades que o mundo nos apresenta e às vezes nem nos damos conta do porquê, mas a sentimos. O amor lésbico é ainda sofrer pelos erros de alguém que por diversos traumas também traz e aloca traumas em você.

O amor lésbico, por muitas vezes, aprende a ser discreto. Ele não conta, em muitos momentos, com grandes demonstrações. Não dá.

Esse amor também pode acontecer de maneira tão clichê que até parece filme. Ele também é paciente e bondoso. Não maltrata, mas pode ser composto por quem já foi.

Ele muitas vezes arde, mas é preciso fingir que não é sentido. Ele fere e faz endoidecer.

Em muitas vezes, podem querer extirpar o amor lésbico. Fazê-lo a todo modo sair do peito, da cabeça e de toda reverberação causada no corpo. Ele é um não querer, porque não pode ser vivido, apesar de ser bem-querido.

Ele pode ficar escondido, todavia permanece.

Amar outra mulher não é fácil quase nunca. Às vezes esse amor não acontece de primeira e a culpa muitas vezes vem do não saber senti-lo, porque não o vimos durante as nossas fases de observação nas comédias românticas idealizadas.

E grande parte da culpa nem é mesmo de quem compõe esse amor, mas de quem e do que o cercam.

Ele gera muita adrenalina e medo até hoje e acho que será assim para todo o sempre. E não é somente pelo sentimento que faz parte dele, mas das sequelas trazidas até senti-lo realmente.

Sem embargo, quero ousar dizer o nome do meu amor quando o tiver. Quero ousar dizer o nome do meu amor onde quer que eu esteja. Quero poder ousar dizer o nome do amor enquanto o levo para tomar um café na casa da minha vó. Quero poder ousar dizer o nome do amor na mesa de bar com meus amigos. Quero poder ousar dizer o nome do meu amor no meu trabalho. Eu quero ousar dizer o nome do meu amor na rua ao entrelaçar nossas mãos; no mercado enquanto escolhemos qual limão é o melhor pela casca ou em um show enquanto cantamos a nossa música.

Quero ver meus amigos e desconhecidos — nós — podendo gritar aos quatro ventos qual é o seu amor.

Não quero que a gente fique mais na caixa. Mas eu não posso só querer. Mas mesmo assim eu quero.

Quando minha família soube da minha forma de viver o amor, recebi amor de volta. E é assim, desse jeito, que eu vou dar o meu amor a quem estiver à disposição para dar o seu para mim. Seja ela ou ele. Seja lésbico ou hétero. O meu amor se encontrou e reconectou-se. Ele se compreendeu e se aceitou. Se identificou e soube se mostrar.

Mamãe e papai nunca deixaram de me dar o amor. Eles só não sabiam que, em algumas situações, o meu amor seria como o deles, mas não para um outro alguém idealizado por eles — por nós por um tempo. E nós aprendemos isso até hoje.

Infelizmente não é sempre que esse amor vem e se encontra com alguém disposto a vivê-lo e amparado por quem o ajude e o faça aceitá-lo.

Falo a vocês, portadores desse amor: “a vida é maravilhosa, estamos esperando vocês, nós, os caídos, os amantes do peito furado. Vocês não estão sós” (Um apartamento em Urano: Crônicas da travessia).

A gente existe, resiste e persiste.

Mais uma vez, Lulu Santos embala nossa história que ainda tem muito para ser vivida e demonstrada.

Ela demonstrou tanto prazer

De estar em minha companhia

Eu experimentei uma sensação

Que até então não conhecia

De se querer bem

De se querer quem se tem

E ela me faz tão bem

Que eu também quero

Fazer isto por ela

Gostou deste texto? Deixe seus aplausos (eles vão de 1 a 50) e compartilhe.

Siga a Brado nas redes sociais: Instagram; Facebook; Twitter; e LinkedIn.

--

--

Gaby Minchio
Revista Brado

Comunicóloga pela Ufes | Pós-graduanda em Formação do Escrito pela PUC-Rio | Fui colunista da Revista Brado | Escrevo textos que surgem do nada também