Quem foi o Barão do Rio Branco? Conheça sua obra e seu legado

João Pedro Sabino Frizzera
Revista Brado
Published in
8 min readFeb 23, 2021

Discutir o legado do Barão do Rio Branco é uma missão árdua, visto que sua história de vida confunde-se com a própria história do Brasil e até do mundo, algo bastante singular para qualquer figura de nosso país. Em razão disso, é preciso indagar com um olhar revelador o porquê de sua obra ser tão celebrada e duradoura, mesmo após quase 180 anos de seu nascimento.

A começar, seu nome era José Maria da Silva Paranhos Júnior, nascido em 1845 no Rio de Janeiro, filho do também diplomata José Maria da Silva Paranhos, mais conhecido como Visconde de Rio Branco. Ao longo de sua vida foi político, professor, historiador, promotor e diplomata. Nessa última carreira, dedicou 26 anos ao serviço no estrangeiro, em uma trajetória inicialmente obscura e vacilante, mas que inesperadamente ascendeu com o fim da Monarquia no Brasil.

“José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco” de Carlos de Servi

Como um homem do século XIX, “Juca Paranhos” (como era chamado para não ser confundido com o pai) vivia e pensava como alguém de sua época, portanto não se deve pensar erroneamente que este possuiria alguma fórmula que solucionasse os desafios dos dias de hoje ou que tivesse concepções muito além de seu tempo . Essencialmente, o Barão foi um homem da Belle Époque, sendo completamente moldado pelas convenções sociais e intelectuais do período. Talvez isso explique o porquê de ter sido, até o fim da vida, um defensor da Monarquia, mesmo que tenha somente servido com a conhecida distinção à frente do Ministério das Relações Exteriores no período republicano, entre 1902 e 1912.

Antes disso, porém, Paranhos passou 26 anos cumprindo obrigações diplomáticas ao representar o Brasil em Liverpool, Paris e Berlim. Quando partiu daqui, em 1876, o país era claramente periférico no sistema internacional e debilitado economicamente, em parte devido às décadas de conflitos externos e internos, enquanto a Europa vivia o auge do período Vitoriano. A segunda revolução industrial a todo vapor e as conquistas territoriais e políticas que os europeus emplacavam mundo afora eram uma realidade muito distante daquela do Brasil, que precisava se contentar em assistir o crescimento do velho continente de longe. Essa situação foi possibilitada não somente pelos avanços tecnológicos da época e as mudanças na estrutura social que estes implicaram, mas também pela organização política que a Europa se encontrava. Desde 1815, ano do Congresso de Viena que reorganizou os territórios europeus após a queda definitiva de Napoleão, esse continente esteve submetido a uma complexa balança de poder que permitiu, ao menos, certa estabilidade entre as principais potências, até sua ruína na Primeira Guerra Mundial.

Nesse complexo cenário, o futuro Barão era um mero espectador que aprendeu a replicar os métodos e princípios adotados pelas grandes potências com outras nações similares. Aprendendo as regras do “jogo diplomático”, seria possível enxergar as soluções para o Brasil frente a desafios futuros, sejam eles com seus vizinhos ou com as próprias potências europeias. Isto, ele acreditava, só aconteceria se o Brasil reunisse forças materiais e “psicológicas” para perseguir a posição que desejava em meio ao mundo, e estas forças surgiriam justamente a partir do conhecimento.

Agora, em termos de seu legado concreto, Paranhos deixou grandes contribuições para o Brasil. A maior delas, sem dúvida, foi a consolidação das fronteiras brasileiras, que não mudaram sequer uma vez desde então. Se hoje os limites são bastante claros e não geram conflitos com nossos vizinhos, não os eram naquela época, sendo necessária extrema habilidade como estudioso erudito e estadista para recolher, interpretar e debater enormes quantidades de informações, especialmente em uma época em que o fluxo de informações não era nem de longe de acesso tão fácil e instantâneo como hoje.

Essa virtude seria demonstrada com clareza por sua atuação na defesa brasileira da posse de territórios contestados em diversas ocasiões. A citar, Paranhos foi parte das comitivas brasileiras na arbitragem da região de Palmas/Missões, no oeste de Santa Catarina, com a Argentina; e a do Amapá com a França, enquanto ainda permanecia como cônsul em Liverpool na Inglaterra. Posteriormente, como Ministro das Relações Exteriores, esteve envolvido na Questão do Acre com a Bolívia e na demarcação definitiva das fronteiras de todos os vizinhos restantes do Brasil. Em todos esses casos, prevaleceu o uso de argumentos jurídicos, como o uti-possidetis — onde a legitimidade está em posse do Estado que de fato exerce controle sobre a região em litígio –, exceto no caso do Acre, que foi uma situação muito mais política que jurídica.

Evolução histórica do território brasileiro, incluindo as aquisições do período de Rio Branco

Em cerca de quinze anos, as fronteiras do Brasil estavam consolidadas, concluindo-se “uma das maiores realizações de toda a história diplomática, de qualquer país em qualquer tempo”, como bem descrito pelo Embaixador Alvaro Teixeira Soares. O Brasil conseguiu assegurar todos os seus domínios firmemente, mesmo que fosse contra os interesses imperialistas da Inglaterra e França, e até os expandiu, como no caso do Acre — tudo sem nunca ter usado forças militares para conquistar territórios alheios

Além da questão das fronteiras, Rio Branco se destaca como sendo um dos diplomatas brasileiros que compreendera com maior clareza os problemas e desafios presentes e futuros a serem superados pelo Brasil. Notavelmente, ele enxergava que a ascensão inquestionável dos Estados Unidos como uma grande potência muito em breve traria tanto benefícios como desafios para o Brasil e as outras repúblicas americanas. Para lidar com essa situação, até então sem precedentes, foi preciso tanto ousadia, para explorar o máximo de benefícios enquanto as potências europeias se viam em desvantagem, quanto cautela, para não cair em uma armadilha dos norte-americanos e terminar com o Brasil no mesmo destino que Cuba, Porto Rico ou o Panamá — que foram anexados pelos EUA.

Um outro destaque de sua atuação foi a tentativa de estabelecer uma nova relação com as nações vizinhas, de modo a “substituir a desconfiança e o ressentimento infundados por uma crescente amizade entre todos os povos americanos”, que infelizmente não traria grandes frutos quando ainda estava em vida. O histórico antagonista bastante recente entre o Brasil e Argentina e entre o Chile e a Bolívia, por exemplo, além da desconfiança dos EUA, acabou por impossibilitar que esse projeto se concretizasse. O que foi possível criar naquele momento foi um “pacto” entre Argentina, Brasil e Chile (Pacto ABC) para a realização de consultas e arbitragens internacionais, que futuramente mediariam as crises entre Peru e Equador e entre os EUA e o México.

Mesmo que não fosse na medida que Rio Branco desejara, já é sabido que a diplomacia na América do Sul atualmente segue justamente esse caminho, principalmente através do Mercosul, o que nos leva à conclusão de que o Barão esteve procurando coisa certa, mas talvez cedo demais.

De forma um tanto simbólica, Juca Paranhos faleceu durante um período turbulento, em 10 de fevereiro de 1912, após uma série de eventos e crises que abalaram o país e acabaram por anunciar para o Barão o fim de seu sonho de ver o Brasil “um país forte e capaz de, pela sua união e tranquila robustez, dominar os destinos desta parte sul do Continente” , conforme postulado por Carlos de Laet. Entre as crises e conflitos de ordem interna, destacam-se as intervenções federais em Pernambuco e Ceará ; o bombardeio da Bahia em 10 de janeiro de 1912 ; e a Revolta da Chibata de 1910 . Nessa última ocasião, em que marinheiros descontentes com os abusos físicos cometidos pela Marinha no Rio de Janeiro revoltaram-se e tomaram embarcações militares em um motim, um amigo de Paranhos escreveu que “circunavegando os olhos pela baía ameaçada e pela capital a padecer os horrores do fratricídio, o grande brasileiro teria talvez compreendido quão longe nos achávamos do seu ideal”. Era como se o Brasil que Paranhos havia conhecido, ainda bastante ligado aos costumes e convenções do período da Monarquia, estivesse morrendo ao mesmo tempo que ele.

“Palácio do Governo da Bahia, após bombardeio pelo Governo Federal durante a Política das Salvações em 10 de janeiro de 1912. Posteriormente, este mesmo palácio seria reconstruído e renomeado como Palácio Rio Branco. Fundo Documental: Fotografias Avulsas”. Foto: Arquivo Nacional

Devo adicionar que, muito antes disso, tanto o povo quanto o Barão sentiam-se abatidos e humilhados, após terem assistido ou mesmo vivenciado terríveis momentos, como as dores da crise do Encilhamento ; as atrocidades sem precedentes de Floriano Peixoto e o Massacre de Canudos . Talvez por tudo isso, como conta o diplomata Rubens Ricupero, o povo agarrou-se às vitórias de Rio Branco como forma de restituir um pouco de autoestima.

“O enterro de Rio Branco foi uma apótese que demonstrou a popularidade de que lhe gozava. Impressionava principalmente, não as autoridades civis e militares, mas o povo anônimo que não só acompanhava o féretro, mas também apinhava as ruas por onde passava o cortejo, desde o Itamaraty até o Cemitério de S. Francisco Xavier, no Caju. Lá, ele descansou ao lado da tumba do Visconde, seu pai”. Descrição de Rubens Ricupero.

Da mesma maneira que o Brasil, o mundo do Barão dissolvia-se logo após sua morte. No mesmo 1912, a primeira das Guerras dos Balcãs se iniciou, anunciando o “fim” do mundo conhecido, que se confirmaria dois anos depois em 1914, quando a sociedade internacional se degenerou em um conflito sem sentido na Primeira Guerra Mundial. O novo mundo que nascia com o fim da guerra, após 1918, era incrivelmente mais caótico, violento e instável, decaindo mais uma vez em um conflito mundial entre 1939 e 1945. Rio Branco foi, dessa maneira, o último grande estadista e diplomata de seu tempo, por ter concluído sua “obra” logo às vésperas de quando seus métodos e talentos perderiam a eficácia. Tivesse vivido por mais alguns anos, até depois da Grande Guerra, quem sabe sua figura não tivesse perdido um pouco de seu brilho.

Sendo assim, o que podemos concluir como sendo o legado do Barão do Rio Branco? Mesmo depois de ter compreendido tudo isso, ainda é bastante difícil dizer com precisão, mas uma resposta mais aproximada deve ser a compreensão de que seus os legados foram muitos. Para o Brasil como um todo, a consolidação das fronteiras através somente da diplomacia e negociação, deu ao país a segurança e a firmeza de poder dedicar-se à elaboração de uma diplomacia baseada em valores universais, humanos e do direito. Se o Brasil de hoje e de ontem almeja atingir “seu lugar ao Sol”, só acontecerá através da defesa do multilateralismo, da autodeterminação dos povos, e da defesa do Direito Internacional, que foram defendidos pela primeira vez por iniciativa de Rio Branco .

Um outro legado é aquele que ele deixou para a história, ou melhor, o que ele evitou de deixar. Percebe-se que a resolução das disputas territoriais pelo Brasil foi algo precoce, se comparado às nações vizinhas, que tiveram de resolver essas pendências nas décadas posteriores quando o sistema internacional era caótico e conflituoso. Não havia muitos precedentes para se utilizar da diplomacia como antes e, por isso, grande parte das resoluções fronteiriças feitas durante ou após o período das Grandes Guerras se deram através de violentas guerras, como demonstrado nos casos da Guerra do Chaco entre Paraguai e Bolívia; na Guerra de Cenepa entre Ecuador e Peru; e até mesmo na Guerra das Malvinas/Falklands entre Argentina e Grã-Bretanha . Já que o Brasil solucionou esses problemas muito cedo, guerras como estas nunca aconteceram. Quem sabe se tivessem esses países um diplomata no nível de Paranhos estes conflitos jamais tivessem acontecido.

Detalhe com o busto de Rio Branco na moeda de 50 centavos

Por fim, como legado popular, o Barão é geralmente lembrado de forma singela, mas positiva, mesmo que muitos desconheçam a magnitude de seus atos. Ao nosso ver, Paranhos possui uma aparição um tanto tímida, mas ainda assim relevante, para um país que, infelizmente, insiste em esquecer muito de sua história . Seu rosto aparece nas moedas de 50 centavos e seu título nobiliárquico dá nome a cidades, praças, ruas, monumentos, palácios, navios e times de futebol Brasil afora. Ainda assim, para o tamanho de sua grandeza, é pouco .

--

--

João Pedro Sabino Frizzera
Revista Brado

Estudante de Relações Internacionais pela Universidade Vila Velha | Colunista de Política da Revista Brado.