Quem será o Brasil no mundo após as eleições?

A política externa, muitas vezes profundamente desconsiderada na hora do voto, está ligada à maioria das questões internas que se busca resolver

Joao Pedro Sabino Frizzera
Revista Brado
7 min readOct 1, 2022

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Foto: Gilvandro Gurgel

Falta um dia para o evento político mais importante deste ano no Brasil. Por si só, as eleições para presidente são cruciais em qualquer país, mas o atual momento político nacional, marcado pela intensa polarização, faz com que o pleito deste ano tenha um grau de primordialidade excepcional. Esse momento extremo não se dá apenas no Brasil. Somos parte de um mundo globalizado intensamente conectado e estamos inseridos num contexto maior que nosso território. Também por isso, as eleições presidenciais deste ano terão um impacto direto na política externa e na reorganização internacional do Brasil.

As questões de diplomacia e relações internacionais do Brasil não estão entre os temas mais debatidos pelos candidatos a presidente, nem são o foco de interesse da maior parte da população na hora de decidir seu voto — e, creio, por boas razões. A verdade é que nosso país tem muitos problemas que afetam diretamente o bem-estar das pessoas — como pobreza, violência e fome. Com isso, o tema da diplomacia, que em nossa história sempre foi muito bem resolvido, não recebe tanta atenção popular. Outra possível razão para isso é a tendência — talvez um tanto vira-lata — de acreditar que o Brasil é um “peixe pequeno” em meio ao complexo cenário internacional e, por isso, não faria tanta diferença quem estará à frente do país. Isso, contudo, não é verdade.

Ainda assim, é absurdo subestimar o impacto dessa área na vida comum, ainda mais porque os dois favoritos possuem visões de mundo bastante diferentes um do outro. Em síntese, a escolha a ser feita irá definir — não somente para os próximos quatro anos — o que o Brasil quer e como iremos atingir nossos objetivos ao redor do mundo. Fora isso, não deixa de ser um momento importante para a definição de nossa própria imagem: estaremos essencialmente decidindo como o Brasil vai ver e ser visto pelos demais Estados da comunidade internacional.

Uma das teorias que atualmente mais cresce nas Relações Internacionais é a chamada Teoria Construtivista. Dentre muitas ideias, um dos elementos mais importantes para os construtivistas é o conceito de identidade, onde aquilo que um indivíduo acredita ser em um ambiente social é resultado de uma construção correalizada por interações entre o meio externo e recepções internas — e isso vale também para um Estado. Através das identidades moldadas por este constante processo, o indivíduo assume diferentes papéis a depender do ambiente, e que podem se acumular. Em resumo, podemos lançar a seguinte pergunta: Quem é o Brasil? Para o mundo em desenvolvimento, um importante país para potencializar o crescimento igualitário; para o mundo desenvolvido, um parceiro internacional importante; para os emergentes, um aliado na construção de uma ordem internacional mais justa.

Portanto, os impactos das eleições brasileiras são importantes lá fora e, é claro, importantes também para a sociedade aqui dentro entender e se entender. Além disso, a forma com que os candidatos se articulam no discurso sobre o exterior afeta também a forma como o eleitorado — ou, mais especificamente, seus apoiadores — acreditam que seu líder e o país estão ou serão vistos internacionalmente.

Dito isso tudo, seria interessante ver como os principais candidatos enxergam a arena internacional em seus projetos de governo.

A começar com Simone Tebet e Ciro Gomes, ambos se alinham mais próximos ao que podemos descrever como as linhas clássicas da diplomacia brasileira. Isto é, ao longo dos dois séculos de diplomacia no Brasil, muitas ideias foram implementadas e algumas, naturalmente, foram abandonadas, enquanto outras foram (como ainda são) levadas adiante. Esses dois candidatos aparentam ter como ideal justamente aquilo que temos por “duradouro” na diplomacia brasileira, que são valores muitas vezes tidos como acima das diferenças ideológicas de cada governo.

Entre o que foi citado, discursos sobre “defesa do interesse nacional”, “proteção ao meio ambiente”, “inserção na economia e política mundiais”, “articulação com a América Latina” são termos já vistos na política externa brasileira — e por boas razões. Por um lado isso mostra a vontade de voltar à estabilidade nos assuntos externos, mas por outro denota, mais uma vez, que o tema da diplomacia não é profundamente contemplado por essas figuras. Se não isso, é possível que ambos estejam tentando jogar em terrenos seguros, sem correr grandes riscos para não desagradar o eleitorado.

De modo contrário a essa postura um tanto passiva, Bolsonaro e Lula parecem ter abordagens diferentes e apresentam, ao mesmo tempo, similaridades e diferenças entre si. Se tem uma coisa em comum entre a abordagem dos dois é a “busca pelo prestígio”. Ambos tentam mostrar para o eleitorado que são respeitados e admirados internacionalmente, buscando dar a impressão de que são as pessoas ideais para conduzir o Brasil em meio a um cenário de crescentes dificuldades externas. As razões para isso, mais do que simplesmente voltadas para o ritmo eleitoreiro, são reflexo da necessidade de convencer parte da sociedade de que seus projetos de governo possuem solidez, admiração e aprovação até mesmo no exterior.

Ex-presidente Lula da Silva e o presidente da França Emmanuel Macron durante recepção no Palácio do Eliseu em 17 de outubro de 2021. Foto: Ricardo Stuckert

Nessa disputa de narrativas, Lula, por um lado, quer trazer a imagem de um estadista capacitado para liderar o país num momento de dificuldades internas e comprometido em trazer melhorias para a governança global, reestabelecendo assim as conexões e diálogos entre o Brasil e o mundo. À favor desses argumentos está o fato de que durante seus dois governos, entre 2003 e 2011, o país esteve sob um ótimo comando internacional como em poucos momentos da história. Esse candidato, devemos lembrar, ainda é bastante ligado à política latino-americana, que na última década passou por sérios desafios e teve o Brasil distanciado em muito de sua capacidade de se engajar em qualquer debate construtivo.

Se Lula vier a ganhar, as coisas podem ser, no mínimo, interessantes. A região possui uma característica peculiar chamada de Tigela de Espaguete (eu também nunca entendi o porquê desse termo, mas prossigamos). Segundo muitos autores, isso significa que a integração regional, o diálogo político e a coordenação multilateral somente funcionam quando dois ou mais governos possuem afinidades políticas entre si. O atual cenário sul-americano se assemelha em alguns aspectos ao período da Onda Rosa dos anos 1990 e 2000, quando a maioria da região esteve liderada por governantes de esquerda e centro-esquerda. É possível lançar a hipótese de que, portanto, pelos próximos anos, é possível ter a volta de um discurso voltado para a integração mais intensa na região.

Entretanto, também seria bastante errado assumir que o destino das relações latino-americanas com o Brasil é de prosperidade nos próximos anos. Mesmo que haja precedente e cenário promissores, devemos lembrar que Lula assumiu em 2003 um país bem diferente de hoje. O Brasil da época colhia os primeiros frutos de avanços econômicos depois de passar por décadas de estagnação, recessão e inflação. Era um país menos polarizado do que hoje, contava com um cenário internacional notavelmente mais estável, passava pelo chamado boom do preço das commodities, etc. Otimismos à parte, nada está dado como certo, então não seria de se surpreender se no fim das contas Lula não conseguisse repetir seus próprios passos vinte anos depois de sua primeira posse como presidente.

Do outro lado, Bolsonaro também tenta criar a ideia de que é prestigiado internacionalmente, mas com a diferença do argumento de que a comunidade internacional se vê dividida entre forças globalistas, à qual ele se opõe, e líderes conservadores, entre os quais ele obviamente se insere. Portanto, no seu caso específico, a narrativa que se cria é a de que outros movimentos e líderes conservadores do anti-globalismo ao redor do mundo o admiram, tornando a diplomacia essencialmente um instrumento para a promoção da autoimagem do presidente, onde o Estado brasileiro deve travar uma constante guerra política contra as tais forças rivais.

Para exemplificar, nos últimos anos, quando houve viagens internacionais por parte do presidente ou aliados próximos, os alvos geralmente foram países com raiz conservadora, como Israel, Arábia Saudita, Hungria, Rússia, Índia, EUA, entre outros. Uma possível explicação está justamente nisso: aproximar o Brasil de países cujas lideranças tinham similaridades com a figura do presidente, enquanto o interesse nacional, isto é, a necessidade das massas populacionais, as reinvindicações do empresariado e a crescente necessidade de solucionar nossos problemas estruturais são removidos de sua prioridade.

Também não está entre as prioridades de Bolsonaro a integração latino-americana. Ele mesmo pode ser tido um exemplo da Tigela de Espaguete, na medida que se distanciou de praticamente todos os líderes da região. Caso o presidente consiga estender seu governo para os próximos quatro anos, não é fácil imaginar muitas coisas diferentes em relação ao que já vimos: relativo isolamento político, pouca capacidade de avanço na agenda de integração e consequente perda de mercados pela concorrência com a China.

Presidentes Jair Bolsonaro do Brasil e Alberto Fernández da Argentina durante encontro em Roma na cúpula do G20, em outubro de 2021. A ocasião foi um dos raros encontros entre as duas figuras que possuem relações frias e distantes, o que destoa muito das relações de seus próprios países, que cultivaram uma intensa proximidade pelas últimas quatro décadas. Foto: Alan Santos/PR

A decisão que os brasileiros tomarão neste domingo será impactante não só para o Brasil. Ao contrário do que muito comumente se pensa, nosso país tem destaque central em muitas áreas da agenda internacional. A depender de como as próprias políticas internas de nosso país são administradas, nossa posição no mundo se altera. Exemplo disso é a condição de liderança nas questões ambientais que exercemos na primeira década do século XXI, devido às políticas de preservação e combate ao desmatamento, que hoje se tornou uma condição de pária internacional no quesito ambiental.

Assim como as políticas internas ajudam a moldar o mundo e nosso lugar nele, a política externa ajuda a moldar os benefícios ou malefícios que delas virão para os brasileiros e também a forma como as políticas internas serão pensadas para forjar a relação desejada com o mundo. A política internacional é um aspecto central da política, e também deveria pesar na decisão do eleitor.

Nenhum caminho é simples. Independentemente de quem for eleito, enfrentaremos desafios e necessitaremos de uma reorganização. A própria forma como o pleito será realizado terá impactos decisivos sobre a posição internacional do país — mas isso é tema para outro texto.

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