Raça|A importância do sistema de cotas no mercado de trabalho

Cotas raciais no mercado de trabalho é sinônimo de fortalecimento da democracia, opor-se a isso é ignorar a lei federal. Embora a política de cotas tenha prazo, ele leva a estudos sérios sobre a legitimidade da sua eficácia e o Estado brasileiro tem ignorado isso

Karina Lima
Revista Brado
4 min readJan 15, 2021

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Foto: Reprodução/Mundo Negro

Analisando a crise do capital aliada ao racismo estrutural no Brasil, nota-se que, apesar de metade da população ser considerada não branca, o maior número de pessoas desempregadas no país são negras. Com a tentativa de mudar esse cenário, empresas da indústria e do comércio ofereceram vagas de trabalho exclusivas para pessoas negras. Entretanto, a iniciativa passou por representações do MPT (Ministério Público do Trabalho), sob a alegação de “racismo reverso’’.

Para além disso, no episódio em que a Magazine Luiza divulgou que faria um processo de trainee exclusivamente com pessoas negras, gerou-se um debate nas redes sociais entre prós e contras — o que mostra um desconhecimento por parte da população sobre dados que apontam a desigualdade racial no mercado de trabalho no Brasil.

Contexto Histórico

É importante mencionar que o Brasil foi classificado em segundo lugar como o país com maior índice de desigualdade de renda no mundo, ficando atrás apenas de Catar, país localizado no Oriente Médio. Quanto à autodeclaração de raça dos habitantes, é necessário entender que o IBGE considera o número de classificações de pretos e pardos somados — o que torna pessoas pretas e pardas maioria no país.

Atualmente, os negros representam 55,8% da população brasileira e 54,9% da força de trabalho. Esse estudo também revelou que pretos e pardos também são a maioria em condições informais de trabalho — o que abre um debate sobre precarização dos serviços no capitalismo contemporâneo.

A desigualdade no mercado de trabalho também reflete diretamente nas condições de moradia, devido à renda salarial. Os não brancos são a maioria em domicílios sem serviço de saneamento básico, como coleta de esgoto, de lixo e fornecimento de água — que deveriam ser direito de qualquer cidadão. Não precisa ser especialista em economia para entender que o Brasil tem renda suficiente para garantir dignidade ao povo se houver um bom planejamento nacional.

Vivemos as consequências do processo de apartheid no Brasil pós-abolição da escravidão. As pessoas negras não eram bem-vindas e não tinham o mesmo acesso ao mercado de trabalho, às escolas e à propriedade. Exemplo disso são as lutas por posse de terra de quilombolas que existem ainda hoje.

Cotas e trabalho

Ao contrário do que pensam as pessoas que são contra o sistema de cotas, a iniciativa dos processos seletivos de emprego para pessoas negras tem um objetivo a longo prazo, que é de inserir novas lideranças nas corporações. No estado de São Paulo, por exemplo, apenas 3,68% dos cargos de liderança nas empresas são ocupados por pessoas negras — dados que são assustadores quando se lembra que os não brancos são maioria no país, como dito anteriormente. Ao mesmo tempo, é interessante analisar como ver uma pessoa negra ocupando um cargo de liderança incomoda tanto em qualquer área social.

Negar políticas de ações afirmativas é negar também narrativas históricas. Concorde ou não com políticas em prol de equidade racial, apagar o fato de que são urgentes para a sociedade é ignorar parte da história e suas consequências que se perpetuam nos dias atuais.

Além disso, o sistema de cotas faz parte da Constituição Federal, que dispõe em seu artigo 5º que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Porém, a construção dessa igualdade precisa ser vista da forma mais ampla possível. Deve-se levar em consideração contexto histórico, peculiaridades e especificações de grupos oprimidos.

Caso Magazine Luiza

A decisão da Magazine Luiza em fazer um programa de trainees exclusivamente para pessoas negras gerou polêmica e ficou entre os assuntos mais comentados do momento no Twitter no ano passado.

Dentre os críticos estava o vice-líder do governo na Câmara, deputado Carlos Jordy. Em sua conta, o deputado afirmou que estava entrando com representação no Ministério Público contra a empresa para que fosse apurado crime de racismo.

Foto: Reprodução/Twitter

O pronunciamento do deputado evidencia a miséria do debate racial no Brasil feito por pessoas brancas. Grande parte dos representantes políticos ignoram o contexto histórico do país e, além de não ajudarem a promover políticas antirracistas, atrapalham determinadas reformas que empresas decidem fazer. Atualmente, o conceito de “racismo estrutural” tem conscientizado algumas corporações, e é um passo para garantir o mínimo de dignidade aos trabalhadores negros. A Magazine Luiza respondeu ao deputado também pelo Twitter. A empresa alegou que estava tranquila quanto à legalidade do programa.

“Inclusive, ações afirmativas e de inclusão no mercado profissional, de pessoas discriminadas há gerações fazem parte de uma nota técnica de 2018 do Ministério Público do Trabalho”, escreveu a empresa por meio do perfil oficial.

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Karina Lima
Revista Brado

Estudante de Jornalismo (UFES) | Pesquisadora | Colunista da Revista Brado