“A raça tem que ser superada como uma forma de classificação das pessoas”

Karina Lima
Revista Brado
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3 min readSep 5, 2020

Na concepção humanista radical de Frantz Fanon, a luta antirracista deve propor mais que uma igualdade entre as raças. O objetivo final deve ser o fim do símbolo ideológico, político e econômico racial, que configura uma hierarquia entre negros e brancos

Frantz Fanon, Psiquiatra e intelectual da Martinica Foto: Reprodução/The Brooklyn Institute
Frantz Fanon, filósofo da Martinica. Foto: Reprodução/The Brooklyn Institute

Em entrevista ao programa Roda Viva no dia 22 de junho, o filósofo Silvio Almeida fez uma fala espetacular sobre a análise racial. De maneira ampla, essa foi uma segunda-feira histórica nas telas da TV Cultura com a presença ilustre de um dos pensadores mais importantes do debate político contemporâneo. O filósofo brasileiro polemicamente disse: “A raça tem que ser superada como uma forma de classificação das pessoas, mas para isso, é preciso reconhecer o mal que o racismo faz e como ele se articula.” Essa concepção é baseada na análise teórica no campo do humanismo revolucionário de Frantz Fanon e não tem nada a ver com o debate simplista e falso moralista de “deixar de falar de consciência negra para falar de consciência humana” já mencionado pelo estadunidense Morgan Freeman e perpetuado por muitos outros. O objetivo é compreender que a cor da pele é um marcador estrutural, portanto, é importante que haja um estudo aprofundado das relações raciais propondo a desracialização como horizonte final.

Em seu livro “Pele negra, máscaras brancas” Fanon propôs uma análise materialista para entender a dialética racial. Ele reforça a análise histórica da ideia de raça construída no século XVI a partir do capitalismo primitivo, do colonialismo e da escravidão, dividindo, portanto, a sociedade em raças. O sistema racista nega a condição de ser humano ao negro, cria uma ideia de universalização do homem branco e os que estão à margem são inferiorizados. Ou seja, o homem branco é a referência do que é ser homem. A ideia de Fanon é destruir esse universal e recolocar o ser humano sem raças no centro, tornando essa concepção racial que temos obsoleta, pois faz parte de um sistema que deve ser superado.

E para isso, é necessário contrapor os discursos ideológicos de inferiorização dos negros. Mostrar que é um mito da sociedade burguesa a teoria de que o negro não tem história e cultura. É imprescindível contrapor a demonização das religiões de matrizes africanas e até mesmo a concepção da inferiorização da beleza negra e a interferência disso na construção de autoestima dessa população, bem como quebrar a ideia de que no período da escravidão os negros eram passivos à opressão e que não houve um histórico de luta de classes.

Foto: Reprodução/Autor desconhecido

É notório que o humanismo radical de Fanon é de extrema relevância para o debate de raças no Brasil contemporâneo — com o objetivo de tornar a análise menos simplista. Além disso, confirma a teoria da luta antirracista ser para todos e todas até chegar na supressão completa das raças. Pode até parecer uma utopia, mas quanto mais pessoas engajadas na luta, mais forte torna-se o movimento.

Além de filósofo, Fanon era psiquiatra, portanto, um grande estudioso da análise comportamental dos indivíduos. Deixou o legado de que debater a racialização é falar sobre os impactos políticos, econômicos e ideológicos que o racismo tem na vida das pessoas e propor soluções que vão na raiz das estruturas.

“Meu objetivo será, uma vez esclarecidas as causas, torná-lo capaz de escolher a ação (ou a passividade) a respeito da verdadeira origem do conflito, isto é, as estruturas sociais”. (Fanon, 1952)

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Karina Lima
Revista Brado

Estudante de Jornalismo (UFES) | Pesquisadora | Colunista da Revista Brado