Há contribuições de autores negros na sua construção intelectual?

O mês da Consciência Negra é um bom momento para refletir sobre a sua bagagem intelectual. A luta antirracista é, também, uma luta a favor da libertação da colonização dos livros e da leitura em prol da formação do pensamento crítico decolonial

Karina Lima
Revista Brado
4 min readNov 5, 2020

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Foto: Reprodução/Twitter/@afroliteraria

É complexo, porém necessário, discutir sobre a necessidade de ler autores e autoras negros num momento no qual as formações de opiniões se dão mais através das redes sociais do que da leitura científica propriamente dita. Inúmeros são os fatores que levam a isso: o produtivismo do sistema capitalista promove um distanciamento cruel de pessoas com a leitura bibliográfica; além da falta de acesso das pessoas nas bibliotecas do país, tanto como autores quanto como leitores. O objetivo da temática aqui proposta é, essencialmente, discutir sobre a importância de contato da sociedade com a literatura afrodescendente.

É um fato que o compartilhamento de opiniões é importante para o progresso democrático das nações. Entretanto, opiniões que esvaziam conceitos ou temas que são muito importantes promovem um efeito contrário na formação do conhecimento público. Inúmeros são os exemplos disso ao se tratar a questão racial no Brasil. Termos como “racismo reverso” são utilizados sem nenhum embasamento científico nos debates. E a verdade é que esse tipo de fala não faria parte das discussões se a esmagadora maioria das pessoas tivessem contato com obras de autores negros que trataram e/ou tratam da questão racial.

A baixa representatividade de autores e autoras negros também é reflexo de uma hegemonia branca e elitista que determina temáticas e autorias dentro do mercado editorial brasileiro, e isso contribui para a pouca visibilidade das publicações através do debate étnico-racial. Uma pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea — coletivo de pesquisadores vinculado à Universidade de Brasília (UnB) -, mostra que entre 2004 e 2014 apenas 2,5% dos autores publicados não eram brancos.

É necessário problematizar que a baixa visibilidade dessa literatura nas editoras influencia a sociedade, gerando visões negativas e estereotipas sobre a figura dos autores e autoras negros, ao mesmo tempo que o mercado editorial é um forte vetor responsável pela possível modificação das impressões e compreensões sobre a importância que têm as obras de natureza afrodescentes. Ou seja, entramos em uma discussão nada simplista, pois falamos de um dilema no processo de descolonização da construção intelectual.

Vale ressaltar que não é apenas através do aumento do consumo que será desfeito o baixo reconhecimento dessas obras, mas sim com ações de mediação da informação étnico-racial e da literatura afro-brasileira. Ou seja, a responsabilidade não cabe somente ao mercado editorial, mas a um complexo de instituições, como os sistemas de ensino e as bibliotecas. Portanto, entende-se por literatura afro-brasileira aquela em que o afrodescendente é o protagonista da obra, e não o objeto dela.

Obra do pensador, negro e marxista, Clóvis Moura, 1988. Foto: Reprodução/Google

É imprescindível que não haja uma limitação apenas a um espaço de publicação de obras de autores negros. Ou seja, o mercado editorial deve promover o reconhecimento social de autores afrodescendentes e fazer com que a sociedade compreenda a sua relevância. Além disso, destaco que a importância das contribuições desses autores não é limitado ao debate racial. As questões econômicas, sociais, políticas, filosóficas e afins também fazem parte da análise em pauta e há uma barreira enorme de colonização de pensamentos nesse quesito — que, de forma cômica, é projeto político.

Manifestação contra o genocídio de cinco jovens mortos por PM’s no Rio de Janeiro em 2015. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Neste novembro, em que se comemora e reflete a Consciência Negra, recomendo a leitura de bons autores, principalmente os que são comprometidos com os debates socioculturais e, sobretudo, que sejam qualitativamente bons pelos valores e ideias que apresentam em narrativas comprometidas com o combate a toda e qualquer forma de descriminação social. Dentre eles, menciono: Angela Davis, Frantz Fanon, Clóvis Moura, Conceição Evaristo, Silvio de Almeida, Lélia Gonzalez, Milton Santos, Carolina Maria de Jesus, W.E.B du Bois, Achille Mbembe, Assata Shakur e muitos outros.

Leia, ouça e aprenda com autores afrodescendentes!

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Karina Lima
Revista Brado

Estudante de Jornalismo (UFES) | Pesquisadora | Colunista da Revista Brado