RAÇA| O cuidado com candidaturas de mulheres negras eleitas em 2020

Sem dúvidas o resultado das urnas nas eleições municipais trouxe uma vitória, com candidaturas de mulheres negras. Entretanto, poucos dias após a divulgação já havia uma onda de ódio contra a diversidade na política

Karina Lima
Revista Brado
4 min readDec 19, 2020

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Foto: Reprodução/ JC Online — Uol

​As eleições municipais de 2020 mostraram que de certa forma haverá uma onda progressista de mulheres negras ocupando cargos municipais em 2021. Esse é um ponto positivo, devido às circunstâncias de baixo nível de representação negra na política. Entretanto, para além da ocupação, é necessário pensar formas de reforçar a permanência dessas mulheres nos cargos públicos em meio ao genocídio da população negra.

Apenas nos primeiros cinco dias após a eleição, houve diversas manifestações de intolerância, xingamentos e ataques que mostraram que é necessário uma preocupação diante das novas candidaturas. Além disso, algo que deveria ser visto com bastante atenção são essas primeiras candidaturas negras apenas na segunda década do século XXI. É necessário entender o contexto histórico e denunciar os motivos do abismo social que separa esse grupo dos cargos de liderança.

Nota-se que há um número expressivo de pessoas negras ocupando movimentos sociais, coletivos negros, associações de moradores, movimentos estudantis e inúmeras organizações políticas. Entretanto, nos parlamentos, são minoria ou inexistentes. É um bom caminho para se pensar que política vai muito além do período eleitoral e há pessoas negras fazendo política e recebendo ameaças antes mesmo de serem eleitas.

Da vanguarda às ameaças

Após a divulgação dos resultados das eleições, observou-se uma vanguarda com algumas mulheres negras sendo eleitas pela primeira vez em algumas cidades do país. Após o anúncio, elas denunciaram nas redes sociais que desde já estavam recebendo ameaças de morte por serem mulheres, negras, LGBTQIA+ e fazerem parte de uma classe social mais baixa.

Em Curitiba, a primeira vereadora negra eleita, Carol Dartora (PT), recebeu ameaças de morte por e-mail. A pessoa que assinou a mensagem foi Ricardo Wagner Arouxa, o mesmo que ameaçou a vereadora trans de Belo Horizonte, Duda Salabert (PDT).

“As autoridades já foram contatadas e todas as providências estão sendo tomadas para que seja garantida minha segurança e da minha equipe. Eles combinaram de nos matar, combinamos de ocupar tudo”, escreveu Dartora no Twitter.

Carol Dartora (PT) Foto: Reprodução/Instagram

Em Joinville (SC) não foi diferente. A primeira vereadora negra eleita na cidade, Ana Lúcia Martins (PT), também sofreu ameaças por e-mail após a divulgação dos resultados.

“Sabia que não seria fácil. Estava ciente que enfrentaria uma certa resistência em uma cidade que elegeu apenas na segunda década do século XXI a primeira mulher negra. Só não esperava ataques tão violentos”, afirmou Ana Lúcia, que também é professora, em nota publicada nas redes sociais após os primeiros ataques.

Ana Lúcia Martins (PT) — Foto: Divulgação/PT

Em Niterói (RJ), Benny Briolly (PSOL) também foi a primeira mulher trans eleita à Câmara de Vereadores. Ela foi ameaçada de morte e disse que o caso seria registrado na delegacia. As mensagens anônimas recebidas por e-mail são perversas e contém nível brutal de desumanidade. Benny sofreu ameaças racistas e transfóbicas e, além disso, o anônimo ainda fez referência à morte de Marielle Franco, assassinada em 2018.

Benny Briolly (PSOL) Foto: Reprodução/Facebook

Não são casos isolados

Deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ) Foto: Getty Images

A vida política das mulheres negras é um desafio de sobrevivência e um exemplo disso é a trajetória da deputada do Rio de Janeiro, Taliria Petrone (PSOL), que entrou na mira de milicianos ligados ao Escritório do Crime. Um atentado que estaria sendo planejado contra a deputada foi reportado ao Disque Denúncia, serviço que recebe relatos anônimos sobre crimes no Estado do Rio.

Por causa dessa ameaça, a parlamentar deixou o estado e, agora tem localização anônima, por segurança. Mas não foi o primeiro ataque sofrido pela deputada. Talíria é alvo de intimidações desse nível desde que entrou na vida política, em 2016.

Esses casos continuam reforçando a teoria de que não existe democracia onde há racismo. São mulheres cheias de sonhos e planos por uma sociedade mais justa e igualitária vivendo com medo da morte. É preciso dar atenção às mulheres que decidem entrar na vida política desde já e, com certeza, reforçar a atenção ao serem eleitas. A elite brasileira é racista e deixa isso cada vez mais evidente ao se incomodar com a diversidade em cargos públicos.

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Karina Lima
Revista Brado

Estudante de Jornalismo (UFES) | Pesquisadora | Colunista da Revista Brado