RAÇA | O que os protestos antirracistas nos Estados Unidos têm a ensinar para os brasileiros

Enquanto americanos protestam por dias após a morte de um homem inocente, no Brasil as pessoas parecem estar acostumadas com a barbárie contra corpos negros

João Paulo Rocha Lopes
Revista Brado
7 min readJun 12, 2020

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População indignada com o assassinato de um homem negro por um policial branco pôs fogo em delegacia na cidade de Minneapolis, Estados Unidos, onde ocorreu o crime. Foto: Carlos Barria/Reuters

Nos últimos dias do mês de maio, o mundo se revoltou com o brutal assassinato de um homem negro por um policial branco em Minneapolis, nos Estados Unidos. George Floyd, um afro-americano de 46 anos, foi sufocado até a morte pelo policial Derek Chauvin, que o asfixiou pressionando seu joelho sobre o pescoço de Floyd por 8 minutos, mesmo após inúmeras súplicas do homem que dizia repetidamente não conseguir respirar.

Toda a ação foi filmada e o vídeo rapidamente viralizou nas redes sociais. Movimentos de luta contra o genocídio negro, como o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), rapidamente se mobilizaram e organizaram protestos em todo o país, levando para as ruas de várias cidades estadunidenses toda sua indignação com o que vem acontecendo há anos contra a população negra no país.

Arquivo pessoal
O jovem João Pedro foi morto inocentemente por policiais durante operação no Complexo do Salgueiro, Rio de Janeiro. Foto: Acervo Pessoal da família de João Pedro.

Dias antes da morte de Floyd, aqui no Brasil, um estudante negro de apenas 14 anos foi assassinado por agentes da Polícia Militar em uma comunidade do Rio de Janeiro. O jovem João Pedro Mattos Pinto foi morto por policiais que invadiram a casa de familiares, onde o adolescente se encontrava, durante uma operação que acontecia no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ).

No momento da invasão, João Pedro estava na sala da casa de sua tia, brincando junto a outros jovens. Eles contam que os policiais entraram jogando bombas de gás lacrimogêneo e atirando, mesmo após os jovens afirmarem aos gritos terem apenas crianças no local. João Pedro foi atingido nas costas por um tiro de fuzil calibre 5,56.

Os dois assassinatos — repito, assassinatos —, tanto de George Floyd quanto de João Pedro, têm muito em comum, primeiro por revelarem mais uma vez a realidade cruel, onde a vida do povo negro é desrespeitada e inferiorizada pela polícia. Mas não é só isso: ambos casos evidenciam motivos torpes e injustificáveis para que alguém sequer pense em tirar a vida de outra pessoa.

Vídeo do assassinato de George Floyd foi postado nas redes sociais. Imagem: Reprodução

No caso George Floyd, os policiais atendiam a uma denúncia de uso de dinheiro falso por parte da vítima. Segundo a polícia local, o funcionário de um mercado próximo de onde ocorreu o crime contatou o serviço de segurança alegando que um homem havia efetuado uma compra no estabelecimento utilizando 20 dólares em notas falsas. Os policiais que atenderam à ocorrência encontraram Floyd próximo ao local junto com alguns amigos, o arrastaram com brutalidade, imobilizaram e na sequência o arrancaram a vida.

No caso João Pedro, o adolescente foi morto inocentemente vítima de uma guerra que mata cada vez mais inocentes, tendo, além de tudo, a intimidade do lar de seus tios violada.

Outro ponto em comum, e também o mais cruel deles, está na forma como os executores taparam os ouvidos para as súplicas de suas vítimas. Em ambos casos os pedidos de socorro foram ignorados. Os jovens que estavam com João Pedro gritaram para a polícia que no local haviam crianças, numa forma de clamar por suas próprias vidas. George Floyd ecoou seu grito “I CAN’T BREATHE” (não consigo respirar), enquanto o policial branco esmagava seu pescoço com o joelho, por longos 8 minutos. As duas mortes poderiam ser evitadas se houvesse o mínimo esperado por quem “zela” pela segurança: o respeito.

A cena da execução de George foi filmada, postada nas redes sociais, compartilhada e rapidamente inflou um sentimento de revolta contra a brutalidade com a qual Floyd foi morto. Revolta esta que levou centenas de pessoas às ruas de várias cidades dos Estados Unidos para protestar contra a forma com que pessoas negras são tratadas, mesmo durante uma pandemia.

Aqui no Brasil, a morte de João Pedro gerou impacto nas redes sociais, mas apenas momentâneo. Poucos foram os que comentaram, breve foi a repercussão na mídia. Dias depois outro jovem negro fora assassinado também no Rio de Janeiro: João Vitor, de 18 anos, foi baleado durante uma entrega de cestas básicas na Cidade de Deus, pela PM que realizava outra operação no local. Sobre a morte de João Vitor falou-se menos ainda.

Manifestantes fazem marcha pela ponte Brooklyn Bridge, em protesto pela morte de George Floyd. Foto: Andrew Kelly/Reuters.

Os protestos nos Estados Unidos passaram a acontecer diariamente. O impacto chegou ao Brasil, a morte de João Pedro foi lembrada, e no último fim de semana de maio, marcado por protestos conturbados nas cidades norte-americanas, alguns atos aconteceram também no Brasil.

A grande questão aqui não é necessariamente o ato de ir às ruas, mas sim a demora em questionar as autoridades e cobrar por algo que acontece o tempo inteiro nas periferias brasileiras. Casos como o de João Pedro e João Vitor são constantes em várias cidades do país.

Segundo o Atlas da Violência de 2019, pesquisa realizada pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 75% dos homicídios que ocorrem por dia no Brasil têm como vítimas pessoas negras. Nos Estados Unidos — outro número alarmante —, a polícia mata 1 pessoa negra a cada 40 horas, segundo um artigo de Rashawn Ray, do centro de pesquisas Brookings Institution.

Apesar dos números alarmantes e da realidade escancarada por onde quer que se olhe, a população brasileira passa por um negacionismo exacerbado, e não se reconhece como racista. Para muita gente, falar de racismo é vitimismo — ou “mimimi”, como ironizam muitos dos que nunca sentiram na pele a dor do preconceito.

As manifestações do povo preto não recebem o apoio popular e, por isso, se enfraquecem. Para parte da população brasileira, falta entender que, por mais que todas as vidas sejam importantes, são as vidas negras que estão sendo alvo do preconceito e da brutalidade.

A cantora Carolina de Oliveira Lourenço, mais conhecida como MC Carol de Niterói, falou em suas redes sociais sobre a falta de mobilização popular pelas vidas das vítimas de racismo, nos casos ocorridos aqui no Brasil.

“Aqui as pessoas já se comoveram com o ABSURDO. O povo tá há 6 dias na rua quebrando tudo, por um homem negro inocente. Aqui a polícia mata CRIANÇA dentro de casa ou indo pro futebol ou dentro de uma kombi.”, disse a cantora numa publicação feita em seu perfil no Facebook.

O protesto histórico contra o assassinato de George Floyd escancara na face da sociedade americana que Floyd era um cidadão como qualquer outro, tão importante quanto qualquer branco, e que seu sangue está nas mãos de toda a sociedade racista, manchando toda a história da nação.

A cantora norte-americana Beyoncé, uma entre os muitos artistas que se mobilizaram pela morte de Jorge Floyd, usou suas redes sociais para se pronunciar a respeito do caso e recorreu ao patriotismo, muito forte nos Estados Unidos, para pedir ao povo americano que zelasse pelas vidas do povo negro.

“Chega de assassinatos sem sentido de seres humanos. Chega de ver pessoas de cor como inferiores. Não podemos mais ignorar. George é nossa família na humanidade. Ele é nossa família porque é um cidadão americano.”, disse a cantora em um vídeo publicado no seu Instagram.

Este lembrete é importante quando se fala em genocídio negro. São pessoas, com os mesmos direitos que qualquer outra, que têm suas vidas interrompidas. É por isso que se deve lutar; é isso que deve ser lembrado.

As pessoas precisam entender que abrir mão de seus privilégios é dar oportunidades para que outras pessoas tenham acesso ao básico, e quando isto não é feito de forma voluntária, é feito à força, como está acontecendo neste momento nos Estados Unidos.

É isto que movimentos como o Black Lives Matter buscam ensinar: que as vidas do povo negro são historicamente desvalorizadas e exploradas, enquanto são esses que fazem rodar o motor da nação, e que o povo está cansado de sofrer e ser silenciado.

O esperado é que os movimentos gerados pelas mortes de George Floyd, nos Estados Unidos, e de João Pedro, no Brasil, continuem a acontecer cada vez com mais força, sobre toda e qualquer vida que seja vítima da crueldade que é o racismo. As mudanças só acontecerão a partir do momento que todos passarem a lutar do mesmo lado.

As mudanças já parecem ter começado, o movimento se fortalece e adquire apoiadores. É preciso abraçar esta onda e conscientizar o maior número de pessoas possível acerca de tudo que vem acontecendo contra a população negra. A revolução começa através da educação.

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João Paulo Rocha Lopes
Revista Brado

Jornalista formado pela Universidade Federal do Espirito Santo.