“O silêncio não vai proteger você”

Verbalizar o que lhe é mais importante é a maneira mais poderosa de libertação. Este texto não é sobre violência, medo ou tiranias patriarcais. É sobre encorajamento!

Thays Moreira
Revista Brado
4 min readAug 14, 2021

--

Ativistas como Lélia Gonzalez, Benedita da Silva e Abdias Nascimento na marcha “Zumbi está vivo”, realizada no Rio de Janeiro em 1983. Foto: Januário Garcia.

A norte-americana, filha de imigrantes caribenhos, preta, lésbica e poeta Audre Lorde nos ensinou que o silêncio é característica de morte. O silêncio não nos protege, não permite coletivização, compartilhamento, afeto, força, poder. A busca por dizer coisas que estão dentro de nós, quer as compreendamos ou não, nos permite contato com mulheres que — juntas — buscam construir sobrevivência digna.

Imagem: Reprodução

Na iminência da morte — pois enfrentava um câncer — Lorde jamais afirmou não ter medo. Compreendia que transformar o silêncio em linguagem era um ato de muita coragem, porque a sensação de perigo é constante. Certa vez, com dificuldade em discorrer sobre determinado tema, ouviu o seguinte argumento de sua filha:

“Fale para elas sobre como você jamais é realmente inteira se ficar em silêncio, porque sempre há aquele pedacinho dentro de você que quer ser posto para fora, e quanto mais você o ignora, mais ele se irrita e enlouquece, e se você não desembucha, um dia ele se revolta e dá um soco na sua cara, por dentro”. (Citação retirada do livro Irmã Outsider: ensaios e conferências, de Audre Lorde. Publicado no Brasil em 2020, pela editora Autêntica e com tradução de Stephanie Borges).

O plano nunca foi a nossa sobrevivência ou sequer a assunção de que somos sujeitos — sempre foi nosso silêncio ou, do contrário, nossa total desgraça –, a máquina heteropatriarcal capitalista está pronta a nos devorar quer falemos ou não!

Nas andanças da vida e nas minhas “escrevivências”como diria Conceição Evaristo — pude unir-me e aprender — com mulheres como Audre Lorde, Angela Davis, Lélia Gonzalez, Carolina de Jesus, Beauvoir, Amara Moira, Judith Butler e tantas outras — o poder que a palavra tem na afirmação de minha existência, aprendendo com elas e com a vida que o silêncio nunca foi — ou será — um aliado.

Nos últimos dias, a leitura da biografia de Sueli Carneiro, produzida pela jornalista Bianca Santana, me fez refletir exatamente sobre o poder que a verbalização promove em nos mostrar que não estamos sós, que nossas vivências não são fruto de uma individualidade, uma exceção. Experienciamos a vida sob estruturas racistas, coloniais, machistas, patriarcais e heterocentradas que, através de sua verbalização, possibilitam que nos unamos em nossas diferenças para sua própria destruição.

Foto: Marcus Steinmayer

Filósofa, doutora em Educação, fundadora do Geledés — Instituto da Mulher Negra — e figura crucial na formação da militância negra e no desenvolvimento de pesquisas sobre a mulher negra no Brasil, Sueli, filha de costureira e ferroviário, teve uma infância e juventude cerceadas por marcas sociais que os anos da escravidão negra forjou. Seus pais — negros — eram alcóolatras, acometidos “pelas dificuldades de ser negro e negra neste país”.

Através do rompimento do silêncio de Sueli, Bianca Santana se debruçou em levantar aspectos contundentes sobre a experiência de mulheres que sofrem violência. Sabemos que falar de alcoolismo e violência doméstica tange também a questão racial.

“Dos 2,4 milhões de mulheres que haviam sofrido violência em 2013, 1,5 milhão eram negras”.

O elo indescritível que tive ao ler sobre a dinâmica familiar de Sueli Carneiro, interpelada por questões raciais, fortaleceu em mim a importância de não ser vencida pelo silêncio e/ou pelo medo de dizer, compartilhar.

Tem um monte de meninas e mulheres por aí que viveram ou vivem experiências como as minhas. Meninas que se forjaram adultas muito cedo, que aprenderam a conviver com a violência, a necessidade e a falsa — cruel — ideia de que caladas estarão protegidas. É necessário que falemos, que ambicionemos e pressionemos as estruturas dominantes para que seja possível habitarmos um território seguro.

Falar e jamais retroceder!

Já.

Poder da mulher

É

Poder Negro

É

Poder Humano

Sempre sinto meu coração bater

Enquanto meus olhos se abrem

Enquanto minhas mãos se movem

Enquanto minha boca fala

Eu SOU

Você É

Pronto.”

(Audre Lorde)

Gostou deste texto? Deixe seus aplausos e compartilhe.

Siga a Brado nas redes sociais: Instagram; Facebook; Twitter; e LinkedIn.

--

--

Thays Moreira
Revista Brado

Mulher negra, historiadora, especializada em Psicopedagogia Clínica e Institucional. Raça, Gênero, Direitos Reprodutivos e Sexualidade. Bem Vindes!