Preço da carne bovina dispara enquanto valor da carne negra é aniquilado

Brasil, ano 521.

Luisa Cruz Ribeiro
Revista Brado
4 min readJun 9, 2021

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Uma operação da Polícia Civil do Rio de Janeiro, orquestrada para prender 21 pessoas, terminou com 28 assassinatos, entre eles o de um dos policiais envolvidos na operação. Dos procurados, somente três foram presos e outros três mortos. Até o momento, não foi provado que as outras 24 pessoas que morreram tinham envolvimento com a operação. Foto: Paulo/Fotos Públicas

Ainda sobrevivemos em meio a uma pandemia que já dura mais de um ano e enlutou mais de 430 mil famílias brasileiras, mesmo já existindo vacinas capazes de diminuir drasticamente a mortalidade de pessoas infectadas pela Covid-19. Entretanto, o plano de vacinação do atual (des)governo é infértil e caminha a passos lentos.

De todas as mazelas escancaradas por uma pandemia, a desigualdade é, talvez, a maior delas. Enquanto 10 brasileiros estreavam na lista de bilionários da revista Forbes em 2021, o país acumulava cerca de 52 milhões de pessoas em situação de pobreza.

Em paralelo, a cesta básica comprometeu, em dezembro, uma média de mais de 56% do salário mínimo -– isso de quem ainda tem algum salário para destinar a esse custo. O preço da carne bovina, alimento cultural na mesa de muitos brasileiros, subiu mais de 32% (preço este que não importa ao presidente Jair Bolsonaro, visto que o mesmo serviu um churrasco que oferecia uma carne cujo quilo custa R$ 1.800).

Outra face da desigualdade, essa já escancarada há décadas, é o tratamento que é concedido ao corpo negro em todas as esferas possíveis. Quando não nos mata a carne, o racismo mata a saúde mental, o amor próprio e as perspectivas. Ser negro no Brasil é sobreviver no medo.

Digo com propriedade: é insalubre habitar este país. Em meio ao cenário caótico descrito resumidamente no parágrafo anterior e sem entrar na pauta do colorismo, o Brasil tem mais de 50% da população negra, de acordo com os parâmetros do IBGE. Entretanto, mesmo sendo maioria, sofremos com o massacre que começou séculos antes da pandemia da Covid-19.

Escrevo este texto em 13 de maio, data popularmente conhecida como o dia em que a escravização do povo negro foi abolida oficialmente pela Princesa Isabel. Hoje, porém, não comemoramos. Mesmo aprendendo durante a vida escolar que este é um dia histórico, os contextos que permeiam a “vida pós-escravização” são frequentemente deixados de lado.

Um povo que foi sequestrado de suas origens, teve seu passado literalmente apagado, suas religiões proibidas e sua humanidade e dignidade igualadas ao nada. Um povo que depois do 13 de maio foi empurrado às periferias e negado o acesso à saúde, educação e cultura. Um povo que morre alvejado com 80 ou 111 tiros de fuzil, que é reconhecido como “bandido” por fotos de redes sociais, que não vê suas crianças crescerem porque mais de 2 mil delas foram mortas pela polícia.

Esse é o mesmo povo que, uma semana antes dos 133 anos da abolição de sua escravização, sofre uma chacina e morre na cama de uma criança de 8 anos.

Volto a dizer: é insalubre viver no Brasil! A chacina do Jacarezinho é considerada a maior da capital fluminense. Quando a preocupação deveria ser saúde e manutenção da vida da população, o governo se dispõe a assassinar o povo e, ainda, chama a operação de “trabalho de inteligência”.

Como isso não é a gota d’água nesse mar de desumanidades ao qual o povo preto e pobre é exposto? Como isso não nos leva às ruas para exigir o mínimo do Estado: o direito de não sermos assassinados? “O Brasil tá lascado” e também paralisado.

O Estado escolhe entrar a tiros em comunidades há anos e não aceita a ineficácia do combate nessa campanha cara: a “guerra às drogas” custou, em um ano, aos cofres públicos dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, R$ 5,2 bilhões. Essa quantia pagaria R$ 600 de auxílio emergencial por um ano para 728 mil famílias — auxílio esse que, mesmo com um valor baixo, permitiu que menos brasileiros passassem fome durante a pandemia.

É amedrontador ser negro no Brasil e, apesar de não precisar dizer os motivos, reforço: ser negro no Brasil é ser duvidado, perseguido e virar estatística; é temer pela sua vida e pela vida do seu irmão quando ele sai para trabalhar; é perder noites de sono se preocupando com a comida na mesa e se o filho volta do trabalho sem ser morto ou confundido com “bandido”; é ter que provar que é inocente antes mesmo de ser acusado de um crime; é se preocupar em vestir as roupas mais arrumadas aos olhos da sociedade, para que se tenha menos chances de sofrer uma abordagem policial violenta.

É amedrontador ser negro num país que, por mais avanços que tenhamos visto, ainda nega que o racismo exista. Ainda assim, é revolucionário o amor próprio, o sorriso e o sucesso negro. É revolucionária a família, a figura paterna e o diploma do negro.

Mas, infelizmente, o alvo é preto e o medo mais barato do mercado é o medo negro. É o mais barato, porque há quase cinco meses choram três mães de Belford Roxo pelo desaparecimento de seus filhos e a gente não se lembra delas; porque a gente não exige que a polícia acabe com o reconhecimento de suspeitos por foto de redes sociais; porque a primeira morte por Covid-19 do país foi de uma mulher negra e empregada doméstica; e por muitos outros porquês.

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Luisa Cruz Ribeiro
Revista Brado

Em síntese, nas palavras me encontrei. Colunista na editoria de Raça da Revista Brado.