Ratatatá! Sangue jorra como água: 29 anos do massacre no Carandiru

A chacina, que se tornou um marco na história do Brasil, contou com ação policial violenta e provou que o sistema prisional brasileiro tem cor

Thays Moreira
Revista Brado
4 min readOct 11, 2021

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Mano Brown no clipe “Diário de um Detento”. Foto: Reprodução/Racionais MC’s/Youtube

O grupo de rap Racionais MC’s crescia exponencialmente nos anos 1990, através da voz de Mano Brown, denunciando a vida nas periferias, a violência, as ações policiais, o armamento e a desumanização sofrida por detentos no sistema carcerário brasileiro. A música Diário de um Detento, do álbum Sobrevivendo ao Inferno, conta com um eu lírico vivenciando a rotina cruel e ameaçadora dentro da penitenciária, um dia antes do massacre emblemático no Carandiru.

“São Paulo, dia primeiro de outubro de 1992, oito

horas da manhã

Aqui estou, mais um dia

Sob o olhar sanguinário do vigia […]”

Era 2 de outubro de 1992, na Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru, e ninguém imaginaria que uma briga entre detentos poderia acarretar na morte, segundo dados oficiais, de 111 detentos, sob ação homicida da Polícia Militar.

Existem diversos fatores que propiciam massacres e o crescimento de organizações criminosas dentro e fora dos presídios brasileiros, mas os fatores cruciais são o encarceramento em massa e as condições degradantes internas do cárcere.

Sob projeto de Ramos de Azevedo, o Carandiru foi arquitetado com capacidade de receber cerca de 2 mil presos, no entanto, na década de 90, o prédio, considerado à época o maior da América Latina, detinha cerca de 8 mil presidiários.

Foto: Reprodução

As cadeias têm se mostrado redutos criadores da miséria, da violência e das grandes organizações paramilitares, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), ambientando uma lacuna deixada pelo Estado ao despejar pessoas sem garantir condições mínimas de saneamento, acompanhamento psicológico, nutrição e medidas de recuperação para os detentos dependentes químicos.

Sidney Sales. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Essas microrrelações de tensão constante alimentam rebeliões sangrentas entre grupos rivais e entre detentos por motivos torpes, mas que exprimem a condição de constante violência a que são submetidos diariamente. A resposta do Estado, numa situação que se apresentou incontrolável, foi a de acionar a Polícia Militar, que entrou no pavilhão para matar.

Sidney Sales, sobrevivente do Carandiru, relatou que a carnificina o fez pensar em Auschwitz (campo de concentração nazista). Corpos espalhados pelos corredores, alguns ainda agonizando, filas de detentos sendo espancados por policiais, oficiais atirando homens pelo fosso do elevador… Um massacre sem precedentes e extremamente covarde, visto que a capacidade bélica dos presos era nula e a maioria deles morreram fuzilados. Dos 111 mortos, 89 ainda aguardavam julgamento.

O sistema carcerário brasileiro é um dos maiores do mundo. Hoje sua população carcerária conta com mais de 600 mil presos e 40% deles ainda aguardam julgamento dos crimes pelos quais são acusados. Muitos detentos são pegos com quantidades pequenas de drogas, concomitantemente, essas pessoas apresentam dependência química — um fator que é ignorado –, visto que o problema das drogas e todo seu arcabouço desumanizador é questão de política pública não só do Brasil, mas de todo o mundo.

O problema do encarceramento em massa é, contudo, uma questão em escala maior que atinge setores da sociedade que são pobres e pretos. Segundo o Departamento Judiciário Nacional (Depen), cerca de 63,7% da população carcerária é constituída por pessoas pretas. Temos, por exemplo, dados da Agência Pública de Jornalismo Investigativo, em São Paulo, que apontam para uma quantidade maior de maconha apreendida com pessoas brancas do que com pessoas negras — cerca de 1,15kg contra 15 gramas. Entretanto, os mais detidos são os pretos, com cerca de 71,35% de detenções, contra 64,36% entre pessoas brancas.

É possível então afirmar que, assim como o massacre no Carandiru, o sistema prisional brasileiro tem cor e classe social. Os negros são vítimas de 75% das mortes por violência policial, embora correspondam a 52% da população brasileira. Se, contudo, o racismo é detectado no engendramento de seu funcionamento, o Estado alimenta uma política de extermínio em massa quando insiste em sustentar um sistema degradante e desumanizador de punição.

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Thays Moreira
Revista Brado

Mulher negra, historiadora, especializada em Psicopedagogia Clínica e Institucional. Raça, Gênero, Direitos Reprodutivos e Sexualidade. Bem Vindes!