Sem dinheiro e sem floresta: eis o Brasil de Bolsonaro

Ao apostar na predação e no crime ambiental, Bolsonaro e Salles lançam às chamas acordos econômicos frutíferos e poluem o comércio exterior brasileiro

João Vitor Castro
Revista Brado
5 min readJun 18, 2020

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Presidente Jair Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Foto: Adriano Machado/Reuters

No último domingo (14), 300 mil alemães puseram seus nomes em abaixo-assinado proposto pela ONG Compact que pede à maior rede de supermercados do país que boicote produtos de origem brasileira, em resposta à “MP e ao PL da Grilagem”. Um dia depois, na segunda-feira (15), cinco ONG’s solicitaram à Defensoria Pública Europeia que suspenda o processo de ratificação do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, assinado em 28 de junho de 2019, após 20 anos de negociação. O acordo dependia de aprovação nos parlamentos de cada um dos países que compõem ambos blocos para ser ratificado.

Em junho de 2019, me lembro de ter sido um dos poucos críticos mais à esquerda do governo Jair Bolsonaro a elogiá-lo, publicamente, pela assinatura do acordo. Os motivos eram, e ainda são, vários — da economia ao ambientalismo. Economicamente, sempre discordei da narrativa de que o acordo representaria o fim da indústria nacional e de que isso determinaria a eterna dependência e feriria a soberania nacional. A economia globalizada, aceitem ou não, é uma zona de eterna dependência. O comércio internacional nunca foi tão ativo e, se o acordo colocaria em risco a indústria brasileira, declararia o óbito do agronegócio europeu — que teria seu espaço ocupado pelo sul-americano, sobretudo brasileiro.

Como apoiar ambientalmente, então, um acordo que fortaleceria o agronegócio brasileiro?, muitos perguntariam. Simples. O acordo de livre comércio — que, no fim das contas, nem é tão livre assim — fortaleceria o bom agronegócio brasileiro.

É preciso, antes de continuar com essa discussão, entender uma dinâmica que surge no mundo contemporâneo e que marcará definitivamente a posição dos países emergentes: a transformação do mercado agropecuário externo. Se antes o agronegócio era a menina dos olhos da corrupção, da grilagem e dos madeireiros, a partir de agora será, cada vez mais, a cereja do bolo do — mais que urgente — desenvolvimento sustentável.

Greta Thunberg, adolescente sueca de 17 anos que se tornou símbolo ambientalista em 2019, teve atritos com o presidente Jair Bolsonaro, 65, após comentários da ativista sobre o assassinato de líderes indígenas brasileiros. Foto: Reprodução/Time

Sabe-se que o debate ambiental é mais necessário do que nunca, e que, sem ele, estamos fadados ao não tão distante fim da espécie humana — que, antes, assistirá à derrocada das economias globais, que amargarão crises jamais vistas e seus catastróficos efeitos. Por isso, diversos países, sobretudo europeus, já não aceitam um amplo comércio de produtos agrícolas com nações que promovem a destruição ambiental. Nesses países, códigos florestais, mudanças climáticas e poluição atmosférica são o que dá a tônica das discussões políticas — Greta Thunberg não foi escolhida a personalidade do ano pela Time por mero apego a uma figura de luta romântica e Jane Fonda não é presa todo mês aos 81 anos por estrelismo.

E foi exatamente por isso que defendi a ratificação do acordo. O livre comércio com a Europa, que acarretaria em um crescimento de até 125 bilhões de dólares ao PIB brasileiro em 15 anos, segundo o Ministério da Economia, exerceria sobre o agronegócio e sobre os governos estaduais e federal uma pressão que qualquer comunidade internacional, ONG, ativista, partido político ou celebridade jamais exerceu.

A proteção ambiental não seria uma opção, mas uma condição para a ratificação e a permanência do acordo. Prova disso são as solicitações de suspensão que hoje descansam sobre a mesa de Emily O’Reilly, defensora pública europeia, exatamente sob o argumento do risco ambiental acarretado pelas políticas destrutivas dos países membros do Mercosul — com destaque para o Brasil de Bolsonaro e Ricardo Salles. Outra prova é o evento inédito que hoje observamos perplexos: a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, protege o meio ambiente mais que o próprio ministro da pasta.

Ricardo Salles é condenado, desde 2018, por improbidade administrativa devido a fraudes ambientais quando foi secretário do Meio Ambiente de SP, no governo Alckmin. Hoje, Salles também é investigado por enriquecimento ilícito. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Sob Bolsonaro e Salles, o desmatamento da Amazônia em abril teve seu maior índice em 10 anos, com um aumento de 171% em relação a abril do ano anterior. No mesmo mês, na reunião ministerial do dia 22, que teve seu vídeo divulgado pelo ministro do STF Celso de Mello, o ministro do Meio Ambiente propôs que o governo aproveitasse o tempo de pandemia para “passar a boiada” e “dar de baciada” na legislação ambiental, via decreto. No mês seguinte, virou PL a MP caduca do governo que visava beneficiar grileiros nas áreas rurais brasileiras.

Ricardo Salles — o único ministro da reunião que mostrou mais serviço do que conspirou, propondo soluções criminosas à altura do governo que faz parte — expôs em cadeia nacional o projeto bolsonarista: derrubar não apenas árvores para passar a sua boiada, mas também a própria economia nacional, em defesa do crime organizado e da destruição.

Bolsonaro e o presidente francês durante cúpula do G20 em 2019, ocasião em que foi selado o acordo UE-Mercosul. Após tensão e brigas pessoais a partir das queimadas na Amazônia, Macron se posicionou contra a ratificação do acordo. Foto: Frederico Mellado/ARG/Flickr

Alguns dirão que toda essa lama metálica em que o Brasil se atolou é fruto da falta de projetos, da confusão abobalhada ou do descaso do governo para com as políticas ambientais, e que acabaram, sem querer, prejudicando a pauta econômica. Outros, como eu, acreditam que Bolsonaro nunca quis de fato um acordo de livre comércio com a União Europeia — muito pelo contrário –, mas que sua rápida assinatura de caneta bic, que surpreendeu opositores e tensionou economistas, tenha sido feita com um único objetivo: provocar o fim daquele acordo que se estendia por 20 anos e que, hoje sabemos, seria o tiro de misericórdia sobre os grupos criminosos que o apoiam e uma pedra no sapato de seu projeto de poder autoritário.

Teoria da conspiração? Se tratando de Jair Bolsonaro, o ex-deputado de baixo-clero da “pílula do câncer”, do gabinete do ódio e dos amigos milicianos, nada é tão improvável.

É impossível dissociar política, economia e meio ambiente, assim como é impossível pensar em uma política econômica de longo prazo e em uma ampla proteção ambiental sem que a condição disso seja a queda de Bolsonaro e Salles e o aprisionamento de seu projeto degradante e criminoso.

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João Vitor Castro
Revista Brado

Jornalista, editor-chefe da Revista Brado e autor de “Refluxo” (Pedregulho, 2023).