Ser LGBT no século XXI

A busca por direitos e pela (sobre)vivência permanece apesar de certas conquistas em alguns países

Gaby Minchio
Revista Brado
6 min readAug 20, 2021

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Foto: FransA/Pexels

Em TV aberta, a apresentadora “suplica”: por favor, LGBTs, parem de reclamar de atos lgbtfóbicos, afinal, não somos obrigados a gostar de vocês. Eu dizer que respeito já não é o suficiente? Não seja radical e fique querendo me cancelar nas redes sociais só porque não concordo com seu jeito de ser. (Pontuo que foi uma paráfrase do que realmente foi dito com doses mais fortes de verdade do que ela realmente quis dizer no seu discurso lgbtfóbico).

Em live sertaneja, um cantor foi lgbtfóbico ao fazer o que achou ser uma piada por usar uma camisa de um time de futebol que possui assimilações de que quem torce para ele não é hétero, porque — um dos motivos — já teve em seu elenco um jogador assumidamente LGBT.

Em uma missa virtual, um padre ofendeu um casal de jornalistas LGBTs com frases pejorativas.

Para fechar: um homem gay saiu para cortar o cabelo e foi morto com 3 tiros na cabeça e a suspeita da motivação do crime é a de que o assassino não concordou com ele ser quem era: LGBT.

Chega a ser irônico pensar que isso tudo e mais um pouco aconteceu em apenas um mês: junho, o mês do Orgulho LGBT. Em 2021! E em um país que permite casamentos homoafetivos desde 2013; que possibilita a adoção por casais LGBTs desde 2015 e que criminaliza a lgbtfobia desde 2019. Além disso: se diz laico.

Apesar dos avanços nos direitos, Brasil ainda liderada o ranking de países que mais matam pessoas trans. Foto: Vinícius Vieira/Pexels

São duas faces completamente opostas de um Brasil com tantas evoluções das quais pode se orgulhar, como ter na mídia muitas figuras representativas da comunidade LGBT, mas que ao mesmo tempo é um dos lugares que mais mata pessoas trans; que elegeu, em 2018, um presidente que não esconde sua lgbtfobia; e, não obstante, que tem, em pleno século XXI, votações em assembleias sobre possíveis proibições de propagandas com temáticas LGBTs.

Torna-se mais absurdo ainda pensar que a nossa nação não é o pior lugar para um LGBT viver. Para se ter uma ideia, existem hoje cerca de 70 países que consideram a não heteronormatividade um tipo de crime, que leva a ameaças, punições e até mesmo a morte.

Não dá para escolher em que lugar e em que época vai nascer, tampouco se será LGBT ou não. Então, admitam todos, por favor: existem desde sempre LGBTs e que, inclusive, vivem nesses países extremistas. Infelizmente. Mesmo que ouçamos de algumas autoridades, como a da Malásia, que em seu território não existem LGBTs, sabemos que existem sim.

Foto: Rosemary Ketchum/Pexels

Foi somente em 1990 que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade do grupo que a relacionava a uma doença mental. Mas como existem países com ideais tão conservadores sendo que há essa determinação por parte da OMS?

Esses países não consideram a não heteronormatividade como uma doença -– porque não podem! —, mas não aceitam social e culturalmente, apontando como um ato criminoso. E isso se dá, em muitos lugares, por conta da hegemonia religiosa conservadora.

Mortes por apedrejamento, prisões de até 10 anos e chibatadas são uma das consequências em ser e praticar atos homoafetivos. É uma dinâmica evolutiva muito contraditória em que se cresce em tecnologia, mas a mentalidade permanece a mesma, seguindo ideais levantados em séculos completamente distintos do que vivemos hoje.

Brunei, na Ásia, compõe o quadro de locais extremamente conservadores que se pautam em ideais religiosos para impor suas leis, inclusive contrárias aos LGBTs. Na minúscula nação situada na ilha de Bornéu, as penas de morte já fizeram parte da realidade punitiva de seus habitantes LGBTs.

A Indonésia não fica para trás. Chibatadas em praças públicas fazem parte do seu cenário de espetáculos lgbtfóbicos.

Há também países que, apesar de não terem legislações lgbtfóbicas, mesmo assim são locais letais à comunidade LGBT. Não acredito que o Brasil se enquadre exatamente nesse grupo por conta de alguns direitos “cedidos” a nós depois de muita luta.

A Rússia é um exemplo de um país que não criminaliza a sexualidade não heteronormativa, mas também não oferece direitos a nossa comunidade. Por lá foi aprovada uma lei que proíbe a propagação da não heteronormatividade, seja falando sobre o assunto ou portando algo que remeta à comunidade, como a bandeira LGBT.

Apesar disso, em entrevista ao canal “Põe na Roda”, o russo Karèn Shainyan, que é assumidamente gay e mora no país, afirmou que, por conta de não ser uma nação necessariamente religiosa, a população russa é surpreendentemente tolerante, já que não utilizam, por exemplo, argumentos religiosos para serem opressores.

Inclusive, ele até apontou que, apesar da lei, nenhuma pessoa LGBT chegou a ser atingida diretamente por ela desde a época da entrevista, em junho de 2020. Porém, assim como ocorre aqui, ao ter uma abertura para a lgbtfobia, quem é contra os LGBTs se sentiu mais à vontade para cometer seus atos preconceituosos.

E é preciso reforçar que esses pontos não tão negativos apontados por Karèn estão relacionados à vivência do LGBT na Rússia, mas não aos seus direitos, os quais não existem por lá.

Voltando à questão envolvendo o que vemos nas mídias sobre repressões por parte do governo sobre atos pró-LGBTs, o russo até mesmo comenta que, por lá, há uma posição contrária a ações militantes em si e não sobre a pessoa assumidamente LGBT. “Não tente lutar pelos seus direitos e você vai estar bem. Desafie a lei e você vai para a cadeia”.

Mas ele vê que já há evoluções em seu país em relação à comunidade. E acredita que, com o tempo, como já aconteceu na Rússia em vários períodos e aspectos de sua história, como as revoluções, haverá conquista de direitos para nós LGBTs por meio da mudança de mentalidade já em progresso na sociedade.

Dá para entender um pouco a vida de um de nós vivendo em um país conservador na entrevista feita pelo canal “Põe na Roda”

Brunei também teve a pena de morte para homens gays suspensa temporariamente. Isso somente ocorreu após pressões sofridas pela comunidade internacional, da ONU e de ONGs. E até mesmo por conta de boicotes por parte de figuras famosas como Elton John e George Clooney a uma rede de hotéis pertencentes à autoridade de Brunei, o sultão.

Invisibilidade, punição, violação de direitos, perseguição. Tudo isso contribui para que os nossos busquem refúgio e tenham permissão por parte das Nações Unidas para que isso aconteça. Esse é um cenário vivido até mesmo por quem está em países como a Rússia. E eles buscam como um dos lugares de escape o Brasil. Bem doido isso.

De acordo com dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), o Brasil recebeu mais de 360 pedidos de asilo de pessoas LGBTs refugiadas de outros países entre 2010 e 2016, sendo 130 já concedidos. Os países de origem da maioria desses estrangeiros são do continente africano.

Enquanto figuras LGBTs que são brasileiras vão para fora daqui por conta de ameaças de morte sofridas, há quem venha para cá fugindo do seu país de origem. O Brasil acolhe e possui legislações e direitos consolidados, porém a sociedade ainda permanece com pensamentos e atitudes que contrapõem o que juridicamente foi decidido. E há impunidade, sabemos.

Foto: Lisa/Pexels

Se realmente houvesse proteção para quem precisa e punição para quem agride, Patrícia Abravanel, Zé Netto e Padre Paulo Antônio Müller sofreriam repressões de verdade, independente de quem fossem, por conta de seus atos criminosos. E o assassino de Gabriel Garcia teria o seu crime dado como lgbtfóbico de uma maneira mais direta.

Ou sequer existiriam essas práticas lgbtfóbicas.

Conforme é esperado que ocorra na Rússia, lutamos para que haja uma mudança de mentalidade na sociedade e, assim como ocorreu de alguma forma em Brunei, que as campanhas de boicote e enfrentamento de todo o sistema global, que consigamos afrontar essas autoridades extremistas e nos fazer ser vistos, respeitados e respaldados por leis punitivas contra nossos agressores ainda existentes.

Chega a ser utópico, eu sei, mas quem sabe um dia. Não dá para desistir de nós. Como Lulu Santos grita há um tempo e repercutimos ainda hoje:

E a gente vai à luta
E conhece a dor
Consideramos justa
Toda forma de amor

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Gaby Minchio
Revista Brado

Comunicóloga pela Ufes | Pós-graduanda em Formação do Escrito pela PUC-Rio | Fui colunista da Revista Brado | Escrevo textos que surgem do nada também