Superação das crises energéticas está em matriz limpa e diversificada

Não existe um combate às alterações climáticas sem energia livre de carbono e uma matriz energética ultraconcentrada abalará o princípio da acessibilidade

Lorenzo Kill
Revista Brado
7 min readSep 27, 2021

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Usina eólica localizada na cidade de Palmas, no Paraná. Foto: Filipe Resmine/Unsplash

O Brasil é um país que, graças à sua proporção continental, desfruta de diversos fatores ambientais favoráveis à produção de energias renováveis e com baixa emissão de carbono. A nossa complexa malha hídrica, por exemplo, permite que 65,2% da matriz elétrica brasileira se origine de usinas hidrelétricas. Em contrapartida, se levarmos em consideração toda a matriz energética do Brasil, a proporção de energia hidráulica cai para 12,6%, ainda muito superior à média global de 2,5%.

Existe uma distinção entre matriz elétrica e energética: a primeira trata exclusivamente das fontes disponíveis para a geração da energia elétrica, enquanto a segunda trata de todas as fontes de produção energética do país, seja os combustíveis que movimentam os carros, fornecimento à indústria, além das fontes utilizadas para gerar eletricidade. Ou seja, a matriz elétrica está inclusa dentro da matriz energética.

Matriz Elétrica Brasileira 2020. Imagem: Empresa de Pesquisa Energética (EPE)

Entretanto, ao contrário do Brasil, a regra é que os países sejam menores e mais limitados quanto aos privilégios naturais, fazendo com que dependam de energia importada, o que geralmente se traduz em gás natural, petróleo e carvão. Ou seja, commodities que produzem energia a partir da queima, liberando poluição na atmosfera.

Países desenvolvidos, apesar de seus limites naturais, precisam cumprir suas metas ambientais, algo que exige esforço para ampliar a utilização de energias limpas e renováveis. Segundo o professor de especialização em energias renováveis da USP, José Roberto Simões Moreira, em entrevista ao G1, “as medidas mínimas de radiação solar brasileira são maiores do que as maiores médias da Alemanha”.

A radiação solar no Brasil é cerca de 40% maior do que na Alemanha, ao mesmo tempo em que a proporção da energia solar na matriz elétrica alemã é de 8,4%, sendo no Brasil apenas 1,7%. Isso demonstra que, apesar das adversidades, o país europeu tem se esforçado para desenvolver uma matriz majoritariamente limpa. Se somadas, as produções solares, nucleares e eólicas são responsáveis por 42% da energia produzida no país. Paralelamente, a França conta com aproximadamente 75% de sua matriz relacionada à energia nuclear. Esse costuma ser o caminho buscado na tentativa de manter a matriz limpa quando as propriedades naturais não são favoráveis.

O tamanho do Brasil o presenteia com uma variedade de biomas, tornando possível uma diversidade de metodologias renováveis para a produção de energia. A facilidade que o Brasil possui de transformar água em energia é um destaque, fazendo com que as outras fontes se tornem menos interessantes, por isso, ao longo do tempo os investimentos em produção se concentraram nesse setor, gerando uma alta dependência num único recurso natural, o que gera diversos riscos sistêmicos.

Uma analogia interessante é comparar a matriz elétrica do Brasil com uma carteira de investimentos. Isso porque o investidor que decide minimizar seus riscos tende a diversificar o patrimônio em diversos ativos. Assim, caso uma parcela da carteira sofra problemas no curto prazo, o restante equilibrará essa perda, o que impede uma volatilidade indesejada.

Uma carteira de investimentos conservadora busca evitar grandes variações, e esse é o perfil que um sistema elétrico nacional deveria seguir. A produção de energia com base em fenômenos da natureza traz em si um risco intrínseco, o que torna essencial a utilização de técnicas de mitigação de risco, sendo uma das estratégias a diversificação entre diferentes fontes energéticas, que sejam umas descorrelacionadas às outras, pois num momento em que uma das fontes produza abaixo do esperado, outra possivelmente sustentará o prejuízo.

As hidrelétricas podem ser comparadas com uma boa “ação de empresa”, pois produzem energia barata e de forma eficiente durante a maior parte do tempo, mas existe o risco de problemas pontuais. Assim, ao concentrar em sua carteira um ativo, um pequeno problema trará grandes consequências. Esse é o risco de deixar uma carteira extremamente correlacionada a um único ativo: o restante do portfólio não sustentará um grande prejuízo num curto espaço de tempo, trazendo um risco exagerado ao sistema.

Apesar da baixa diversificação da matriz, o Brasil possui algumas estratégias para evitar que momentos de déficit da produção hídrica não decorram em graves problemas. Assim, existem as termelétricas que estão à disposição em momentos críticos e são ativadas com o objetivo de suprir com a carga necessária para evitar uma crise de abastecimento. É isso que tem acontecido na atual crise hídrica brasileira.

Nesse cenário surgem algumas problemáticas: essas usinas utilizam da queima como fonte de energia, e isso intrinsecamente faz com que gases relacionados ao efeito estufa sejam liberados na atmosfera, problema que no curto prazo tende a ser ignorado, pois a prioridade do país é que a rede elétrica seja mantida sem paralisações. Mas para esse sistema térmico funcionar, um custo bilionário é repassado ao consumidor, cenário em que se torna comum o acréscimo na precificação da conta de luz, em que os preços são majorados pelas “bandeiras”. A última a entrar em vigor foi a tarifa de escassez hídrica, o que pesa principalmente no bolso das classes mais baixas, agravado por um cenário de alta inflação sem reajustes salariais.

Apesar do suporte das termelétricas, os riscos continuam vigentes caso o cenário de crise hídrica não seja superado, pois a capacidade produtiva que fica no “banco de reservas” pode não ser o suficiente para abastecer o país. Em paralelo ao contexto em que vivemos, o Brasil possui um histórico de problemas com a falta de luz devido à dependência das hidrelétricas, como no caso do “apagão de 2001”, durante o governo FHC, e o “blecaute de Dilma”, problemática recente na qual ocorreram diversas interrupções no fornecimento de energia elétrica no país.

A realidade é que não existe uma receita que todos os países deveriam seguir quanto à diversificação da matriz energética. Cada um possui os seus diferenciais naturais, fazendo com que a metodologia seja distinta. Entretanto, apesar da imensa vantagem hídrica presente no Brasil, é notório que o risco de se concentrar em apenas uma fonte produtiva não tem sido recompensador.

Por isso, visto o cenário de abundâncias naturais brasileiras, o objetivo deveria ser o de trazer uma estabilidade ao nosso sistema elétrico com base no aumento da proporção de outras modalidades de energia limpa, fazendo com que a dependência hídrica seja mitigada. Entende-se que mudar a matriz energética é um processo lento e gradual, mas que ao evitar novos investimentos em usinas hidrológicas e focar a injeção de capital em outras fontes de energia manteríamos o total de ativos hídricos, mas seria possível elevar a proporção de ativos solares e eólicos, fazendo com que a dependência do primeiro seja mitigada.

Esse processo tem sido parte da estratégia de diversificação de algumas empresas, como a EDP Brasil, voltada principalmente à distribuição de energia, sendo a principal do estado do Espírito Santo e proprietária de seis usinas hidrelétricas e uma usina termelétrica. O planejamento da empresa para os próximos anos é seguir em crescimento quanto ao setor de distribuição, além disso, iniciar o processo de geração solar, saltando de um investimento quinquenal de R$ 300 milhões para R$ 3 bilhões. Com isso, será criado um portfólio que engloba três modalidades de produção energética, uma estratégia que reduzirá o risco operacional.

Página de relação com investidores, Analysis Day 2021. Reprodução: ri.edp

Apesar dessa diversificação, entre diferentes matrizes naturais, é importante lembrar que ao depender de fenômenos da natureza, ocorrerá um risco de variação da produção energética anual. Assim, a estratégia de adicionar mais capacidade instalada do que o necessário poderia ser utilizada, dando margem de erro, podendo a energia excedente ser vendida aos países vizinhos em anos de superavit produtivo.

Outra ferramenta para reduzir ainda mais a volatilidade do sistema seria reduzir a proporção de energias com produção variável e adicionar uma com produção estável. Nesse caso, a principal fonte de energia que é simultaneamente limpa e com produção completamente estabilizada é a nuclear. Isso porque nessa modalidade de geração é possível saber previamente e com precisão o quanto de energia será produzida ao longo do tempo de serviço.

Entretanto, esse é um delicado debate, por se tratar de uma tecnologia com histórico de acidentes, apesar de os riscos estarem sendo mitigados com as novas tecnologias do mundo moderno. A tecnologia nuclear apresenta extrema eficiência quanto ao custo benefício de longo prazo, ausente de emissão de carbono, com a possibilidade de descarte do lixo com segurança e sem maiores problemas ambientais.

Esse texto aborda ao menos dois dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). A ONU propôs aos seus países membros a Agenda 2030, na qual propositam ao mundo, entre outras questões, a ação contra mudanças climáticas, o que inclui o fortalecimento de uma matriz energética sustentável, além de prover a acessibilidade energética.

Reprodução/ONU Brasil

Dessa forma, entende-se que para alcançar a acessibilidade, fazendo com que toda a população tenha energia elétrica com preços acessíveis, é necessário que exista uma estrutura que evite momentos de crises e colapsos, pois esses contextos elevam subitamente o preço da energia elétrica, criando uma barreira ao consumo às classes vulneráveis, ferindo o princípio da acessibilidade.

Além disso, a ação contra mudanças climáticas depende diretamente da utilização da energia limpa, pois a emissão de gases do efeito estufa está correlacionada à queima de combustíveis fósseis.

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Lorenzo Kill
Revista Brado

Estudante de direito da Universidade Federal do Espírito Santo e de Ciências Econômicas na Universidade Vila Velha - https://www.youtube.com/@LorenzoKill