Taxação sobre grandes fortunas é uma questão inadiável

Tributar os super ricos é ponto de partida tanto para enfrentar a Covid 19, quanto para um projeto de desenvolvimento nacional

João Alexandre Wyatt
Revista Brado
5 min readJun 17, 2020

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Taxação sobre grandes fortunas. Créditos: Amarildo

Perante uma das maiores crises pandêmicas da história humana, a Constituição Federal Cidadã, marco de início da caduca, embora jovem, Nova República, completará neste ano de 2020 seu 32º aniversário. Realizando um breve balanço histórico, do presente capítulo nacional adveio, dentre outros tímidos avanços, uma fase de busca do povo e de suas instituições por democracia e direitos civis, políticos, sociais e econômicos -movimento hoje ameaçado pela ascensão da escalada autoritária de extrema-direita.

Constituição Federal sendo rasgada por Bolsonaro. Créditos: Amarildo

Em verdade, contudo, independente de o ovo da serpente fascista estar prestes ou não a chocar, aspecto que não será objeto central de discussão no presente texto, os motivos para comemorar, passados 32 anos de vigência da Carta Magna, são poucos. Dramaticamente, incontáveis de suas promessas jamais saíram dos papéis.

Ponto de destaque é a ausência de aplicação do único tributo prescrito constitucionalmente que até hoje nunca foi regulamentado, o Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF), Artigo 153, inciso VII. Tal proposição tributária poderia abrir nova fonte de receitas para caminhos de combate à miséria, distribuição equânime de renda, desenvolvimento industrial, geração de emprego e investimento em áreas como Infraestrutura, Segurança, Educação e, especialmente, talvez a mais valiosa para o enfrentamento da pandemia: Saúde Pública.

Isso porque, adentrando a raiz dos problemas materiais brasileiros, um dos sustentáculos da escassez de recursos que impossibilita a defesa nacional contra a Covid-19 e o desenvolvimento de forma mais ampla, enquanto projeto de país, é, manifestamente, o contexto, confirmado por Relatórios da Oxfam (confederação de 19 organizações não governamentais atuante em mais de 90 países na busca de soluções para a desigualdade social), no qual o 1% mais rico da população recebe mais de 25% de toda a renda nacional; os 5% mais ricos abocanham o mesmo que os demais 95%; os 50% da população possuem menos de 3% da riqueza total do país; 6 pessoas possuem a mesma riqueza que a soma do que possui a metade mais pobre da população, mais de 100 milhões de pessoas; e, juntos, 206 bilionários acumulam uma fortuna de R$ 1,2 trilhão, mesmo pagando, proporcionalmente, menos impostos que a classe média e os pobres.

Imagem: Reprodução

Em suma, a realidade nua e crua atestada pelos números é que se faltam tantos testes, leitos e respiradores, computadores e salas de aulas, transporte digno, portas de emprego, teto, pão e paz ao povo brasileiro; sobra dinheiro nas contas de homens de pijama que, diariamente, nas varandas de suas coberturas e casas luxuosas, com seus celulares na mão, decidem vendas e compras de papéis e títulos, capital fictício-parasitário, derivado de aplicações financeiras-rentistas.

Propriedade luxuosa. Créditos: Stock Photos

Providência que se impõe, nessa sanha, é a tributação de alguns desses senhores improdutivos e super ricos tupiniquins. Não estou me referindo, evidentemente, aos amiguinhos dos bairros nobres com um ou alguns imóveis e automóveis, acostumados a viajar todo final de ano para a Europa. Refiro-me a milionários, que titularizam patrimônio líquido de valor superior a 12 mil vezes o limite mensal de isenção do imposto de renda de pessoa física, o equivalente a mais de R$ 28 milhões.

Ora, regularizando o IGF com alíquota variável, por exemplo, de 0,5% a 1%, de acordo com o valor do patrimônio do contribuinte (uma lasca perto do que, efetivamente, possui), a arrecadação poderia girar em torno de R$ 272 bilhões aos cofres públicos. Desse total, R$ 100 bilhões, receita que se aproxima do Orçamento Federal de Saúde — atualmente, gira em torno de R$ 127 bilhões, conforme o Portal Transparência — , poderiam ser encaminhados, especificamente, para um Fundo Nacional de Emergência, a ser criado para combater a Covid-19 e seus reflexos econômicos, tal qual defendido pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Auditores Fiscais pela Democracia (AFD) e o Instituto Justiça Fiscal (IJF).

Mas alguns podem perguntar: como atingir a necessária regulamentação de tal tributo e as subsequentes arrecadações? O meio, embora difícil de alcançar, revela-se o mesmo há muitos anos: pensar e agir na política criticamente, pressionar nossos representantes eleitos, dialogar com a população sobre o tema, fazer-se presente nos espaços públicos, enxergando que, para além das polarizações de mortadelas versus coxinhas, a polarização essencial que estrutura o país é a das maiorias, formadas por trabalhadores e empresários explorados versus minorias improdutivas que concentram quase toda renda e riqueza nacional.

Imprescindível compreender, enfim, que projetos de lei vinculados à regulamentação do IGF propostos por diversos parlamentares filiados a diversos partidos distintos já tramitaram ou ainda tramitam no Congresso Nacional. Um deles, o PLP 183/2019 , de autoria do Senador Plínio Valério, PSDB/AM, atualmente em análise na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, está aberto à consulta pública no site https://bit.ly/2YDIar2.

As campanhas em formato de abaixo assinado, como a da Plataforma Change, também são importantíssimas para expressar o clamor pela regulamentação do tributo.

Abaixo assinado pela Taxação de Grandes Fortunas (https://bit.ly/2YaZJzv). Créditos: Change
Abaixo assinado pela Taxação de Grandes Fortunas (https://bit.ly/2YaZJzv). Créditos: Change

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