Vende-se esta República

Entre tanqueciata e voto impresso, Bolsonaro e Lira seguem passando a boiada

Anderson Barollo Pires Filho
Revista Brado
6 min readAug 16, 2021

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Brasília (DF), 15/05/21. O presidente Jair Bolsonaro anda a cavalo em ato “Agro pelo Brasil”. Foto: Alan Santos/PR

Cortina de fumaça e cavalo de Troia. Certamente você já ouviu falar dessas táticas de guerra usadas como escudo, ou esconderijo, para desprevenir um oponente e golpeá-lo de forma fatal.

De acordo com a mitologia grega, a segunda artimanha, símbolo da Guerra de Troia, foi a principal estratégia aplicada pelos gregos para derrotar os troianos. Oco por dentro, o cavalo de madeira, que carregava diversos soldados gregos, foi deixado de presente aos troianos no campo de batalha para sinalizar a sua rendição.

Ao aceitar a “cortesia” do seu oponente, os troianos também acabaram viabilizando a sua derrota. Durante a noite, quando todos estavam dormindo, os soldados gregos saíram do cavalo, abriram os portões da cidade para reforçar suas tropas, saquearam, incendiaram e arruinaram todo o território troiano.

Parodiando nosso atual presidente, não há comprovações sobre a existência ou não da guerra de Troia. De toda forma, sendo um evento histórico ou um mito, os poemas épicos de Homero — Ilíada e Odisseia — são uma ótima alegoria para entender o que vem acontecendo com nosso país.

NÃO DEIXE DE LER: Segundo um levantamento realizado pelo Estadão no início do mês de agosto (2), Jair Bolsonaro é o presidente que mais paga emendas para os congressistas desde 2003. Em menos de três anos de mandato, o ex-capitão já gastou R$ 41,1 bi em emendas. O valor, corrigido pelo IPCA, é maior que os gastos durante os dois mandatos do ex-presidente Lula juntos; o dobro do gasto durante os dois mandatos do governo Dilma; e também o dobro do pago no governo Temer. Em contrapartida, o governo Bolsonaro é o que menos aprovou projetos até o momento (em números absolutos e proporcionais aos valores pagos em emendas parlamentares). Para se manter no poder, Jair conta com a parceria do chefe do Legislativo, Arthur Lira (PP-AL), réu em dois processos por corrupção e já condenado em 2º instância em um deles. Foto: Alan Santos/PR

Toma lá, dá lá

Eleito através de bandeiras como o combate à corrupção; desaparelhamento do Estado; privatizações de estatais; o fim do “toma lá, dá cá”; e o fim da reeleição, Jair Bolsonaro trai, diariamente, os brasileiros que nele confiaram a entrega dessas políticas. O que acontece é o exato oposto: o presidente marcha, a passos largos, no caminho contrário, fortalecendo, mais do que nunca, todas as mazelas que jurou combater.

Sendo o presidente que mais gasta com emendas e o que menos aprova projetos, Bolsonaro inaugura uma nova forma de governar: o “toma lá, dá lá”. Note: o “toma lá” continua a vigorar — como nunca antes na história brasileira — mas o “dá cá” agora é diferente. Ao invés de aprovar os projetos de campanha, a moeda de troca do chefe do Executivo é simplesmente manter o seu mandato.

Mas, convenhamos: com inúmeros crimes de responsabilidade e de esfera comum cometidos durante o seu governo; a crescente rejeição popular; e um histórico familiar que envolve rachadinhas e milícias, o centrão não iria cobrar barato.

Enquanto o Brasil vai consumindo os produtos que o atual governo tem a oferecer, que vão de tanqueciata a voto impresso, Brasília vai aprovando, de baciada, os novos preços desse varejo bolsonarista.

Siga o fio do atacado de Brasília:

Preâmbulos feitos, vamos à vaca fria. Funciona assim: o mito distrai a massa de um lado enquanto o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pauta uma nova proposta no outro. Confira as mais recentes:

Alteração na Lei de Improbidade Administrativa — condenação de agentes públicos somente se houver comprovação de dolo

No último mês de junho (16), a Câmara dos Deputados votou a proposta para alterar a Lei de Improbidade Administrativa e estabelecer que agentes públicos só podem ser condenados caso haja comprovação de dolo, ou seja, intenção de cometer o crime.

O texto ainda propõe que os casos de nepotismo só sejam enquadrados como ato de improbidade quando o nomeado não prestar concurso ou não tiver qualificação para a função — o que na prática flexibiliza e abre margem para a contratação de parentes.

Com o apoio das bancadas bolsonarista e petista, o PL 10.887/2018 foi aprovado com 408 votos favoráveis, 67 contrários e uma abstenção. O texto agora aguarda a apreciação do Senado Federal. Clique aqui e saiba mais sobre o projeto.

Liberação de candidatura para gestores públicos multados por contas rejeitadas

Com amplo apoio, — 345 votos favoráveis, 98 contrários e quatro abstenções — , a Câmara dos Deputados aprovou no último mês de junho (24) a proposta que legaliza a candidatura de gestores públicos que tiverem suas contas julgadas irregulares. Pelo texto, os candidatos punidos apenas com multa estarão isentados para concorrer às eleições. A lei atual prevê 8 anos de inelegibilidade, sem exceção.

A PLP 9/2021 agora tramita no Senado. Clique aqui para saber mais sobre a proposta.

Fundão Eleitoral de R$ 6 bi

Incluso na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2022, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha triplicou de R$ 2 para R$ 6 bilhões. Votado na véspera do recesso parlamentar (15/07), o texto foi aprovado com 278 votos favoráveis, 145 contrários e uma abstenção. A proposta agora aguarda a sanção do presidente da República, que já admitiu que vetará apenas o “excesso” de R$2bi. A expectativa é que o valor final do fundão fique na casa dos R$ 4bi — o dobro do orçamento utilizado nas eleições de 2020.

Mesmo dizendo ser contra o aumento do fundão nas redes sociais, os parlamentares bolsonaristas votaram a favor das previsões de receitas e despesas para 22 sem apresentar ou acatar nenhuma proposta de destaque que reconduzisse a pauta do fundo eleitoral para um outro momento.

Importante também pontuar…

Volta das coligações

Em votação surpresa, realizada na última quarta-feira (11), a Câmara dos Deputados aprovou o destaque que determina a volta das coligações em eleições proporcionais (deputados e vereadores). Extintas em 2017, as coligações carregam o histórico de “legendas de aluguel” — que são aqueles partidos que não defendem nenhuma bandeira e só servem para barganhar apoios no Parlamento.

Com 333 votos favoráveis, 149 contrários e quatro abstenções, a proposta ainda precisa ser aprovada em mais um turno na Câmara e ser apreciada pelo Senado para entrar em vigor.

Reforma eleitoral

Nas próximas semanas, o presidente da Câmara Arthur Lira pretende colocar em votação um projeto que propõe um novo Código Eleitoral. A proposta prevê uma série de alterações nas regras eleitorais que vão desde a flexibilização do uso das verbas do fundo partidário até a descriminalização de transportes irregulares de eleitores no dia da eleição.

O texto permite que os recursos do fundo partidário possam ser aproveitados em gastos como transporte aéreo, compra de bens e imóveis e “outros gastos de interesse partidário”. Além disso, o projeto ainda prevê o encurtamento do prazo para a Justiça Eleitoral analisar as contas partidárias.

E tem mais…

Dentre uma avalanche de propostas, o combo ainda sugere: censura de pesquisas na véspera do pleito; o fim das apresentações de documentos dos candidatos para a Justiça Eleitoral; a retirada de recursos destinados às candidaturas de negros e mulheres; e outras medidas pouco republicanas.

Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 com o slogan “Mais Brasil, menos Brasília”. A “mamata” não acabou, o “toma lá, da cá” virou somente “toma lá” e se gritarem “pega centrão”, o presidente irá atender ao chamado. Tudo em nome da governabilidade, não é mesmo? Foto: Marcos Corrêa/PR

Acordai-vos

Independente do seu posicionamento político, de quem você apoia ou deixa de apoiar, eu tenho certeza que você leitor, como a maior parte dos brasileiros, não concorda com a maioria desses projetos citados.

Então a pergunta que fica é: onde estamos? Cadê a sociedade se organizando contra o que aí está? Cadê a imprensa dando ampla cobertura dessas pautas? Cadê as lideranças políticas combatendo esse modus operandi?

Em meio a tantas cortinas de fumaça, não podemos continuar adormecendo enquanto o cavalo de Troia libera sua tropa para nos saquear. Abram olhos: a república está à venda. Não deixemos ela ser liquidada.

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Anderson Barollo Pires Filho
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