A deriva nos palcos

Conversamos com Alessandra Leão, que lança seu mais novo disco no Sesc Belenzinho, trazendo a eletrônica para cocos e cirandas

Guilherme Werneck
Revista Bravo!
5 min readMar 4, 2022

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Fotos: Gabriel Bianchini

No domingo, 6 de março, cantora, compositora e percussionista Alessandra Leão vai finalmente apresentar seu álbum Acesa, em um show no Sesc Belenzinho, às 18h.

Produzido na pandemia, e lançado no final do ano, Acesa é um projeto maior que o disco. Contemplado com o Rumos, do Itaú Cultural, o disco inicia como uma série em vídeo lançada há um ano no YouTube.

Tanto disco como série partem da ideia de deriva. Para mim, quando assisti aos primeiros episódios da série, havia uma conexão com a Teoria da Deriva, formulada pelo situacionista Guy Debord no fim dos anos 50, essa junção de psicologia e geografia, em que as pessoas trocam a partir da locomoção por rotas indefinidas, deixando que o meio urbano interfira nos diálogos.

Quando conversei com Alessandra Leão no fim de dezembro do ano passado, para falar sobre o projeto do Acesa como um todo, ela contou um pouco melhor de seus objetivos com essas caminhadas falantes com artistas que são a matéria prima dos vídeos.

"Não conheço muito o Debord, mas tenho lido muitas coisas sobre caminhada, sobre deriva. A deriva para mim, como conceito, chega muito por Vânia Medeiros, que é artista visual com quem eu trabalho há muito tempo, inclusive no Acesa", diz citando que se aproximou do tema com o livro da artista Cidade Passo, nascido das suas pesquisas de mestrado.

"É um livro que me inspira. O Acesa parte muito desse livro. A partir dele eu fiz uma série para o Instagram chamada Música Passo e depois o Acesa, coloca. Eu me interessei muito porque é natural para mim compor caminhando. Caminhada como processo terapêutico, de sobrevivência e de criação. Tem uma coisa que é diferente de você caminhar com propósito pré-determinado, um roteiro. Quando eu vou daqui para ali, eu foco no ponto de chegada. A deriva é você não ter o ponto de chegada, não ter o ponto pré-determinado. Então, para o meu processo criativo, é uma busca constante. Gosto muito de caminhar por nada, para me perder no espaço. Não é uma caminhada sem propósito nenhum também, é um estado quase meditativo, que implica você estar presente", conclui.

Essa semente foi levada para o edital que propiciou a criação do projeto como um todo. "Quando a gente aprovou o projeto no Rumos do Itaú Cultural, o edital que financia o Acesa todo, da série até o disco, para mim foi uma oportunidade porque o Rumos é o único que tem uma amplitude, você pode propor qualquer coisa." A proposta inicial era de fazer cinco episódios com Vânia, Caçapa, com quem Alessandra sempre compôs, e o videomaker Luan Cardoso. No final, viraram 14 caminhadas. "Porque a lista era muito imperdível. Tínhamos 10 dias para gravar e decidimos fazer tudo que coubesse na agenda. Teve dia de fazer três caminhadas, quase que Luan desmaia [risos]."

Entre os convidados estavam amigos e colaboradores de longa data. "Uma coisa que era um ponto de conforto é que, por acaso, eram pessoas amigas, pessoas que eu conheço há muito tempo, com exceção de Ana do Coco que eu conheci para a série, e foi uma grande descoberta", conta.

"O interessante desse processo é que você tem seus dispositivos de observação, mas a deriva está presente em todo o percurso. E aí é lidar com o percurso e aprender com o que o percurso vai ensinando. Que tem muito a ver com [o disco anterior] Macumbas e Catimbós nesse sentido. Porque tem muito a ver com a filosofia das macumbas. É na rua que o jogo acontece, é na rua que a vida pulsa, é na rua que as relações acontecem, é na rua onde a festa acontece, é na rua onde eu aprendo a ser gente", explica.

A série de vídeos acabou também sendo a fagulha para organizar o repertório do disco Acesa. "Um disco que tem esse processo dessa caminhada inteira, não é só o processo de um ano, mas de muito tempo já. É sobre música mas é sobre ser humano no mundo", pontua.

Pensando nos discos de Alessandra Leão até Acesa, ele parte de um processo muito diferente, obviamente sob o impacto da pandemia de Covid-19. "Fiz o Acesa muito no estúdio, com Caê Rolfsen. É o primeiro disco que eu não tenho uma pré para pensar os arranjos, ou tempo no estúdio Caçapa para depois ir gravar, chegando à música final depois de passar por muitos processos", conta. "Foi um desafio pandêmico, óbvio, porque, não pude juntar gente. Eu e Caê trabalhamos muito a distância, pela internet. Mas com relação à produção, ele foi todo feito dentro do estúdio. Ora à distância, com Caê no estúdio e eu em casa, ora com os dois no estúdio".

Vindo de Macumbas e Catimbós, Acesa explora outras sonoridades, mais ligadas ao coco e à ciranda. "São outros instrumentos, outra escola, ritmos. Isso já difere muito. No Macumbas eu só tinha os ilus, que são tambores de mão, agora com os tambores de baqueta, isso muda muito a sonoridade", explica.

Outra novidade é o uso dos synths dentro da formação instrumental do disco. "Uma das coisas que pra mim é muito potente do synth é que é um som que parte de um impulso elétrico apenas, e aí você pode fazer infinitas combinações de parâmetros com esse recurso. Mas eu não queria que ficasse uma sonoridade de música eletrônica no disco. Não é a minha linguagem estética. Mas gosto da sonoridade e quis pensar como instrumento musical e não como instrumento restrito a um tipo de música", conta.

Quando começou a produção com Caê, Alessandra trouxe a ideia de compor para os synths como se fossem instrumentos de sopro, muito fortes nas cirandas. "Foi como se estivéssemos compondo para naipes de metais, isso define muito a sonoridade do disco e a sonoridade que a gente foi descobrindo para cada música. Porque a primeira coisa é que não tem acordes, são linhas melódicas. E ao longo do processo a gente foi tentando ter uma certa síntese também dessa quantidade de melodias, pensando em casa uma como um músico", diz. "Até brincava com ele: 'Caê, não pode aumentar a banda. Ela não existe agora mas ela existirá'[risos]".

O resultado estético, por mais que o disco seja cheio dessas linhas de synths, de samples e de MPC, muita coisa usada na música eletrônica, é bem único, talvez porque haja uma busca mais orgânica para inclusão desses sons eletrônicos. "É o tocar mesmo que está ali, são pouquíssimos loops, uma escolha de não fechar muito em um grid, não deixar tudo muito durinho, cravado no tempo, até porque os andamentos variam", explica.

Justamente essa transposição do estúdio para o palco que poderá ser vista no domingo no Sesc Belenzinho, com Alessandra na voz, percussão e samples, Guilherme Kastrup na percussão e programações, Marcelo Cabral e Caê Rolfsen nos synths.

Serviço:

Acesa, de Alessandra Leão
6 de março, às 18h
Sesc Belenzinho
Inteira: R$ 40, Credencial Plena: RS 20, Meia: R$ 20
Ingressos: https://www.sescsp.org.br/programacao/alessandra-leao-2/

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