A música segundo Jacob Collier

Revelado pelo YouTube e apadrinhado por Quincy Jones, o músico britânico volta a São Paulo para lançar o segundo volume de “Djesse”, projeto de quatro álbuns que deve terminar em 2021

Andrei Reina
Revista Bravo!
8 min readNov 1, 2019

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Jacob Collier (Foto: Karolina Wielocha / Divulgação)

Jacob Collier abriu os braços e um largo sorriso quando atendeu a chamada por videoconferência. “Ei! Como estão as coisas, meu amigo?”, disse diante do celular enquanto repousava o chá sobre a mesa. O britânico de 25 anos estava disposto, disse estar ansioso pelo show em São Paulo — na próxima terça-feira (5), na Audio — e lembrou que, em 2017, fez na cidade “um dos meus concertos favoritos de toda a minha vida”. Inquieto, trocava de cômodo a cada três ou quatro frases. No corpo franzino, as roupas largas tremulavam como uma bandeira quando se punha a perambular pela ampla casa onde mora, em Londres.

Contra aquele cenário, apinhado de instrumentos de percussão, a movimentação parece antecipar o início de uma apresentação, tamanha a semelhança com os “shows de um homem só” que Collier, apadrinhado por Quincy Jones quando tinha 20 anos, realizou para divulgar o seu primeiro disco, In My Room, em 2016. Descritivo, o título pegava carona na popularidade das gravações domésticas publicadas por Jacob no YouTube, onde o prodígio exibia virtuosismo ao tocar diversos instrumentos e ao multiplicar, com recursos eletrônicos, a própria voz em arranjos complexos para sucessos de Stevie Wonder e Michael Jackson. A transposição do formato para os palcos exigia o emprego de loops, técnica usada por Collier para construir as músicas em camadas, enquanto saltava de um instrumento para o outro, gravando e reproduzindo o som de cada um deles em tempo real.

“O one man show foi uma conquista incrível na época, porque eu nunca tinha saído em turnê antes, mas tinha as suas limitações”, diz Jacob. “Elas incluíam ficar preso a algo como um clique de metrônomo nos ouvidos e ter de fazer a mesma coisa toda noite, porque você não pode improvisar, você tem de fazer o que o loop está dizendo de um jeito linear”. Quase três anos e 200 apresentações depois, a busca por novas formas de tocar ao vivo pareceu natural. Agora acompanhado por uma banda, Collier se vê livre para explorar a principal característica do jazz, gênero ao qual costuma ser associado. “Agora posso improvisar e ser mais espontâneo, além de podermos trabalhar com as energias uns dos outros no palco”, diz, em referências aos três músicos que o acompanharão no Brasil: a multi-instrumentista Maro, o baixista Robin Mullarkey e o baterista Christian Euman.

Jacob Collier nos tempos do “one man show”

A mudança também reflete o caráter colaborativo de Djesse, ambicioso projeto de quatro álbuns no qual Jacob está mergulhado desde o final do ano passado. “Eu sempre gostei de criar o máximo de música possível, é quase um processo automático para mim. Sempre ouvi todo tipo de música e, ao longo da minha vida, me apaixonei pela música como uma linguagem completa, não como um gênero ou som particular”, diz Collier. “Percebi que se eu fosse compor uma música que fosse honesta com a forma que eu escutava, eu iria, em primeiro lugar, escrever muita música e, em segundo, músicas que pertencem a diferentes gêneros e famílias de sons ao redor do mundo”.

A princípio, o músico pensou em um disco longo, que depois aumentou para dois, em seguida para três e enfim se estabeleceu em quatro. Cada um representa um “sentimento de som diferente”, segundo Jacob. No primeiro volume, lançado em 2018, predomina o acústico e o sinfônico, características amplificadas pela presença da Metropole Orkest, conjunto holandês regido por Jules Buckley. “No disco, parece que há muito espaço, que tudo está acordando e prestes a explodir, como se estivesse em expansão”, comenta.

No recém-lançado Djesse Vol. 2, o som continua acústico, mas diminui em escala. “Ele é mais aconchegante e intimista, baseado mais em world music, jazz e folk do que em música para big bands ou orquestras”, explica Jacob, que contou com a participação de cantoras como a malinesa Oumou Sangaré e a britânica Lianne La Havas no álbum. Menos bombástico que o anterior, o segundo volume aproveita os diferentes timbres vocais da banda em faixas ora contemplativas, ora ritmadas — como na versão, embalada por uma cuíca, de Here Comes the Sun, dos Beatles.

Jacob Collier e banda no Tiny Desk Concert da NPR

Previsto para o ano que vem, Djesse Vol. 3 será baseado em sons digitais, do hip hop a paisagens sonoras. “Enquanto o primeiro é acústico e grande e o segundo é acústico e pequeno, o terceiro é o oposto”, diz. “É como se você pegasse o som e começasse a esticá-lo, a apertá-lo e a colocá-lo em cenários estranhos”. Para o quarto e último disco, que deve sair somente em 2021, Jacob planeja reunir cantores de todo o mundo para celebrar a voz humana.

“O objetivo desse projeto é experimentar e ver o que acontece quando tento fazer o máximo de música possível nesses diferentes mundos e dialogo com outros músicos. São álbuns muito colaborativos. No total são 30 músicos ou grupos com os quais estou trabalhando ao longo do projeto”, diz o britânico. Ele diz que o segundo volume é aquele com o maior número de participações, entre as quais chama a atenção do ouvinte lusófono a presença de Mariana Secca, a Maro, cantora da faixa Lua (precedida, no álbum, pelo interlúdio À Noite).

Também agenciada por Quincy Jones, a portuguesa radicada em Los Angeles integra a banda de Jacob Collier que virá ao Brasil, onde ela apresenta ainda material próprio em concertos em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília. “Vai ser uma série de shows pequenos e muito despidos, só com violão, voz e teclado, com a apresentação de vários temas originais e alguns covers”, diz Maro, que conheceu Collier através da internet. “O Jacob descobriu o meu Instagram, algures em 2018, e mandou mensagem a dizer que tinha algumas ideias. Tudo começou aí”, lembra.

“À Noite” e “Lua”

“Quando Maro e eu nos encontramos, acho que em setembro do ano passado, eu estava meio que sentindo a linguagem musical dela e acabamos compondo essa canção, Lua, juntos”, recorda Jacob. “Eu sempre soube que queria uma bossa nova lenta, uma canção sensível e calma, com muito espaço e cordas, mas não sabia qual rumo tomar. Maro escreveu esse poema maravilhoso em português sobre a lua e eu adorei. Fizemos a canção juntos e depois escrevi um arranjo de cordas”.

A paixão pela música brasileira une ambos, que citam João Gilberto e Tom Jobim como referências. “Grande parte de mim reside na vossa maneira de cantar, tocar e escrever”, resume Maro, apaixonada também por Elis Regina e Milton Nascimento. Collier, por sua vez, mostra orgulhoso a coleção de instrumentos percussivos, entre os quais estão uma cuíca e um djembê. “Para mim, e não estou sozinho nessa, como alguém interessado por música em geral, sempre se chega ao Brasil”, diz.

“Acho que fui sortudo o bastante por crescer numa era em que foi possível ouvir esses sons da minha casa”, continua Jacob. “Eu acessava a internet e ouvia música brasileira. A princípio eram lendas como João Gilberto, Jobim e pessoas como o Hermeto Pascoal, um antigo herói para mim. Depois de um tempo, percebi que não eram só indivíduos específicos, era todo um espírito, um modo de vida”. O músico interessou-se então pela cultura do Carnaval, que impactou seu modo de pensar o ritmo. “Não é reto, é como se estivesse rolando”, tentou explicar enquanto gesticulava.

Novo arranjo para “All Night Along” com participação da Metropole Orkest e do grupo Take 6

Tão populares quanto os vídeos em que Jacob Collier reinventa sucessos do passado — o mais recente deles veste All Night Long, de Lionel Richie, com samba, jazz vocal e orquestra — são aqueles em que o músico fala sobre conceitos de teoria musical. Para citar um exemplo, mais de oito milhões de pessoas já assistiram à vídeo-aula, gravada para a revista Wired, na qual Collier explica o que é harmonia em cinco níveis de aprendizado. Os interlocutores são uma criança, uma adolescente, um estudante de música universitário, um pianista profissional e, por último, Herbie Hancock.

Há aqueles que tentam decifrar os arranjos megalomaníacos de Jacob, como o autoproclamado “nerd de teoria musical” June Lee, estudante sul-coreano cujo minucioso trabalho de transcrição é bancado por financiamento coletivo. Outros produzem e compartilham memes, nos quais a abordagem entusiasmada e cerebral de Collier é reverenciada, criticada ou zombada — com frequência, tudo ao mesmo tempo.

Embora o estudo musical estivesse presente na sua casa desde sempre — a sua mãe, Susan Collier, é professora de violino da Royal Academy of Music, em Londres — o interesse por aspectos teóricos veio tarde. “De fato, eu só me apaixonei por teoria musical aos 19 anos, porque antes disso eu fui sobretudo um autodidata, aprendi música ouvindo e ensinando a mim mesmo”, diz. “Eu sempre gostei de colocar as coisas em estruturas, mas não tinha professores e definitivamente não tinha lido livros sobre harmonia ou frequentado palestras. Eu só queria escutar”.

Jacob lembra que não era o tipo de pessoa munida com diversas técnicas. Não tocava escalas rápido e não dominava a linguagem do bebop, por exemplo. Mas era bom de ouvido. “Eu era aquele cara da escola de jazz que queria escutar vários tipos de música e entendê-los em termos de emoções, mais do que lendo livros teóricos ou tocando rápido”. A aproximação com a teoria se deu a partir do momento em que passou a a se debruçar sobre a formação de acordes, atividade que podia consumi-lo por dias inteiros.

“Moon River”

“Percebi que havia um vocabulário comum que as pessoas usavam para falar sobre as coisas com música. Eu me interessei por teoria nesse momento porque eu estava construindo a minha própria linguagem”, diz. O mundo dos conceitos passou a ser um novo espaço de invenção, no qual podia criar termos de teoria musical próprios e batizar escalas que encontrava, como a Super Ultra Hyper Mega Meta Lydian.

Collier chegou a estudar por dois anos na Royal Academy of Music, onde fez aulas de piano para jazz, mas não completou a graduação. “Eu fazia muitas e muitas perguntas. E algumas delas estavam fora do jazz. Eu estava muito mais interessado na música como um todo”, lembra, depois de citar uma de suas frases preferidas: “Educação é o que outras pessoas fazem por você, mas aprendizado é o que você faz para si mesmo”.

“Sabe”, prosseguiu o músico, “eu nunca me importei realmente em sentar e seguir as regras”. Em tudo o que fez até hoje, Jacob diz sentir “que é mais importante fazer as coisas para e por mim mesmo, fazê-las porque parecem certas para mim”. Ciente de que entre seu público há uma maioria de músicos, parte de sua extensa resposta parece refletir a preocupação com os efeitos que uma imagem equivocada de seu projeto artístico pode suscitar.

“Eu me interesso por essas ideias teóricas, mas acho que é importante dizer que nada disso tem razão de existir se você não fizer coisas interessantes com elas e se elas não te fazem sentir de uma determinada maneira quando você as utiliza”, diz, antes de terminar com um conselho. “Eu definitivamente diria para qualquer jovem músico que teoria musical não é importante. É importante que você se fascine com a música como uma linguagem completa — e só uma pequena parte disso é entendê-la em termos teóricos. Muito mais importante é entender como ela te faz sentir, estudar a linguagem e ser atencioso com ela. Eu amo explorar, aprender todas essas coisas novas, inventar palavras e organizar as coisas, mas o mais importante, no fim das contas, é a música ser boa. É assim que deve ser, na minha cabeça”.

Jacob Collier: Djesse. Dia 5/11, às 21h15 (portões abertos às 20h). Ingressos: R$ 240 (inteira) e R$ 120 (meia). Audio: Av. Francisco Matarazzo, 694 — Barra Funda — São Paulo.

Maro. Dias 15 e 16/11 no Bona, em São Paulo. Dia 24/11 na Audio Rebel, no Rio de Janeiro. Dia 30/11 no espaço Do Ar, em Belo Horizonte. Dia 5/12 na Cervejaria Criolina, em Brasília.

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