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Festival Novas Frequências chega à nona edição deixando as casas de show de lado e usando a cidade do Rio como plataforma. Selecionamos 9 performances imperdíveis

Guilherme Werneck
Revista Bravo!
6 min readNov 28, 2019

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Éliane Radigue

A nona edição do Festival Novas Frequências começa no próximo dia 1º dezembro no Rio de Janeiro e vai até o dia 8. Como em todos os anos, o curador do festival, Chico Dub, prepara uma programação extensa, que mapeia diversos campos das vanguardas musicais, da eletrônica ao improv, da música eletroacústica ao site specific, da arte sonora às gravações de campo.

Neste ano o festival vai mais fundo em uma de suas vocações: o diálogo com a cidade. “Tem um conceito que se chama fora do palco, a ideia é de levar a programação para longe das casas de show, das salas de concerto e das pistas de dança e abraçar um pluralidade de perspectivas que se moldam à cidade ou a usam como um palco”, diz Dub. “Desde 2014 o festival vem se aventurando e criando esse tipo de ação extra-palco, mas tudo feito de forma muito pontual. Neste ano o que era exceção vira regra. Então temos em torno de 25 ações, shows, performances, instalações, caminhadas sonoras dentro desse formato de estar fora do palco.”

Segundo Dub, essa é uma temática inspirada na concepção de música de John Cage. “Se tudo é música, se os sons são música, se a música está em todos os lugares, se ela está ao nosso redor, por que confiná-la dentro desses espaços tradicionais, como se só eles pudessem receber uma apresentação de música?”, questiona.

Existe muito o que ver e experimentar nos oito dias de festival, mas como a programação é gigantesca, a Bravo! destaca nove performances imperdíveis do festival, comentadas por Chico Dub.

  1. Occam Océan — Occam XXVI, de Éliane Radigue (1/12, MAM/Rio)

A compositora francesa é uma das pioneiras da música eletrônica, tendo estudado com o pai da música concreta Pierre Schaeffer já nos anos 50 na França. Suas primeiras obras datam do fim dos anos 60, sempre trabalhando com sintetizadores modulares. A partir dos anos 2000, Radigue, que está em atividade até hoje, começa a escrever para instrumentos acústicos. Essa peça que será apresentada no festival foi composta para percussão. “Ela não vem para o festival, mas comissionou uma obra para um percussionista italiano, o Enrico Malatesta, e ele toca essa peça dela para percussão solo, e é a apresentação que dá início ao festival.”

2. Beatriz Ferreyra (1/12, MAM/Rio)

A compositora argentina, que também iniciou sua carreira na França, primeiro estudando com Nadia Boulanger e, a partir dos anos 60, trabalhando com Pierre Scheffer e Pierre Henri, nos estúdios GRM (Grupe de Recherches Musicales) é outra pioneira da música eletrônica e eletroacústica. “A Beatriz Ferreyra vai se apresentar usando um sistema de som multicanal com oito alto-falantes, e vão ser quatro peças que vão dos anos 1960 até 2018. Ela vai espacializar essas peças dentro desse desenho de som.”

3. Orem Ambarchi (2/12, CIEP Presidente Tancredo Neves)

Hoje pode-se dizer que Orem Ambarchi parte da guitarra elétrica para trabalhar os sons a partir de diferentes procedimentos eletrônicos. Mas ele começa nos anos 80 como baterista de free jazz. O encontro da linguagem de improvisação do jazz com a linguagem das vanguardas eletrônicas dá a tônica de seus trabalhos ao longo dos anos e se torna mais potente a partir dos anos 2000, começando com a série Stacle. “É a primeira vez do Orem Ambarchi na América do Sul, um artista extremamente prolífico, desses que já tocou com todo mundo, de Stephen O’Malley e Keiji Haino a Jim O’Rourke e Cyro Baptista. É realmente dos grandes nomes no que tange a tudo que se relaciona com a exploração dos limites e da fisicalidade do som.”

4. Lawerence English (7/12, Museu da República)

Outro australiano do festival, Lawrence English também se firma no cenário mundial nos anos 2000, principalmente por seus trabalhos com arte sonora e gravações de campo, sejam elas apresentadas na forma original ou manipuladas e processadas. “Eu comissionei para ele um espetáculo inédito, baseados em sons gravados por ele na Amazônia, quando ele fez uma residência há uns 15 anos. Encontrei com ele em Montreal no ano passado e fiz essa provocação de perguntar porque ele nunca tinha dedicado um disco ou uma performance usando esse banco de sons da Amazônia, e ele me revelou que sempre começa o ano novo, aquela história de resolução de ano novo, escrevendo que precisava se debruçar sobre esse material bruto. Finalmente temos a oportunidade de ouvir essas gravações e, como no caso da Beatriz, ele criou uma performance onde a espacialização é a tônica. Nesse caso, com 12 caixas de som ao redor de um lago no Museu da República, um espaço muito bonito ao ar livre.”

5. Lea Bertucci (7/12, Museu da República)

Lea Bertucci é tanto compositora como artista sonora, parte dos instrumentos de sopro mas também usa o espaço como matéria de criação. Além de colaborar com diversos artistas, sua pesquisa é sobretudo sobre a intersecção dos “fenômenos acústicos com a ressonância biológica”, e aí usa, para além dos instrumentos de sopro, colagens de fita, feedback eletroacústico e o uso de espacialização com caixas de som. “A Lea faz uma espécie de mini residência. Ela vai passar uma semana na cidade gravando sons dos mais variados lugares e depois ela edita e cria uma peça para ser apresentada nesse mesmo contexto do Lawrence English, no mesmo lugar.”

6. Bartira (durante o festival, Copacabana/Flamengo/Santa Teresa)

Vivendo na Itália há anos, a brasileira Bartira é uma artista que discute principalmente o mundo a partir das transformações digitais, e usa o som como uma das chaves para discutir a prevalência da tecnologia digital como mediadora do discurso hoje. “Ela vai usar uma Kombi, dessas de feira, de pamonha. Aqui no Rio de Janeiro tem muito a Kombi de ferro velho, que compra metal, chumbo, geladeira, lataria, enfim, ferro velho mesmo. Ela vai ressignificar esse veículo tocando sons contemplativos, através do megafone da Kombi. Então ela vai se apropriar da tecnologia da Kombi e tentar mudar a relação com esse veículo que está sempre associado ao comércio. E também vai declamar poesia e vai circular com a Kombi por diversos bairros da cidade durante o período do festival.”

7. France Jobin + bella (durante o festival, Catete/ Glória/ Largo do Machado)

A canadense France Jobin é uma compositora minimalista e artista sonora, e a carioca radicada em São Paulo bella é uma artista sonora e improvisadora. Juntas elas criam uma obra sinestésica para ser ouvida nas ruas do Rio. “Um pouco nessa pegada de ser uma ação, uma ativação que leva o festival para um outro patamar, a gente tem a parceira da France Jobin com a bella. As duas estão criando uma peça sonora para ser ouvida em fone de ouvido num circuito a pé pela cidade. É uma peça que utiliza sons gravados previamente dentro desse próprio circuito com outros sons alienígenas, que não pertencem a esse caminho. E o objetivo dessa peça é criar uma espécie de confusão mental no público, que vai ficar na dúvida se o que ele está escutando faz parte da trilha ou do que ele está ouvindo ao vivo. E também de brincar um pouco com as temporalidades dos lugares. Você pode estar passando por uma escola, que está vazia naquela hora porque os alunos já foram embora, mas você escuta na peça o som de crianças brincando, jogando futebol.”

8. André Damião & Gabriel Francisco Lemos

Para quem é de São Paulo, o Bloco Ruído já se tornou uma instituição do carnaval noise. Agora ele vai para o Rio em versão reduzida. “Num espaço muito típico do carnaval de rua do Rio de Janeiro, André Damião e Gabriel Francisco Lemos, munidos de caixas de som customizadas e móveis, saem em cortejo pela cidade tocando noise com vários instrumentos, gadgets low-fi, resultado de circuit bending e dos mais variados tipos de gambiarras, e saem pelas ruas com o público que pode participar e tocar seus próprios instrumentos eletrônicos utilizando esse sistema de som ambulante.”

9. Tim Shaw (1º/12, MAM/Rio)

Essa o Chico Dub não comentou, mas fica na minha cota de interesse, ao lado do artista italo-suíço Luigi Archetti. Tim Shaw também usa diversas técnicas para dar fisicalidade ao som, das gravações de campo à manipulação e escultura sonora, usando sintetizadores modulares, microfones e oustras fontes de som e ruído.

Para ter um gostinho desta edição e ouvir um pouco mais do Chico Dub, termino deixando o programa Ondas Tortas, que fiz para a Dublab Brasil nesta semana e que traz mais alguns sons do festival. Boa viagem:

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