Cadernos de leituras

A poesia reunida de Chacal, os segredos da persuasão de Trump segundo Scott Adams e a leitura nos ensaios de George Steiner

Bravo!
Revista Bravo!
3 min readMay 22, 2018

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George Steiner

Por Carlos Castelo

Passei boa parte da última quinzena em companhia de livros instigantes. Tudo (E Mais Um Pouco) — Poesia Reunida 1971–2016 (Editora 34), do poeta Chacal, foi um deles. É sempre bem-vindo à minha estante o escriba que se mantém atual, mesmo depois que seu material ficou maduro. Chacal é um deles, não caduca.

Para me divertir também andei lendo Ganhar de Lavada — Persuasão em um Mundo onde os Fatos não Importam (Record), de Scott Adams. O autor é o pai de Dilbert, uma das tirinhas mais populares do globo. O curioso é que Adams fez um livro de autoajuda, ensinando como ser mais persuasivo, usando Donald Trump de modelo. Só por isto já valeria, no mínimo, uma boa folheada. Mas fui além e adentrei pelos capítulos Como o Presidente Trump Faz o Que os Outros Não Podem Fazer e Como Usar a Persuasão nos Negócios e na Política, entre outros. O que mais me chamou a atenção, no entanto, foi Como se Comportar Mal e Sair Impune.

Não concluí se Scott Adams é claramente fã de Trump ou alguém que o usou para fazer um best-seller — ou as duas coisas. Por isso decidi puxar outro livro da prateleira: Nenhuma Paixão Desperdiçada, de George Steiner (Record).
Arrependi-me de não ter mencionado esta obra antes, especialmente porque a coluna chama-se Cadernos de Leituras. Os 21 ensaios do grande crítico — e professor de Oxford, Princeton e Harvard — analisam a Leitura em seus formatos tradicionais. Biscoito fino para os amantes das letras. Estes poderão mergulhar nas ideias de Steiner, por exemplo, sobre as modernas tecnologias que estão levando à uma modificação radical nos hábitos de leitura.

O ensaio inicial, O Leitor Incomum, já vale o livro. Ali, Steiner faz uma análise da pintura Le Philosophe Lisant, de Jean-Baptiste Chardin, de 1734, vis-à-vis ao que seria um leitor dos dias de hoje.

Relembra-nos o ensaísta:

“O escriba ou o cavalheiro dos séculos dezesseis e dezessete anotava em sua agenda com capa de chifre, em seu bloco de citações, em seu florilegium ou breviário as máximas, as frases de efeito, os aforismos, tropos de mestres clássicos ou contemporâneos. Os ensaios de Montaigne são entretecidos com ecos e citações.”

Que diferença! Hoje, na era da web e do celular, não temos mais tempo nem para ficar em silêncio, quanto mais para entrarmos num embate criativo com o texto como já faziam nossos antepassados.

Steiner sonha com uma escola de leitura criativa:

“Uma turma de 'leitura criativa' mover-se-ia passo a passo. Começaria pela quase dislexia dos hábitos atuais de leitura. Teria a ambição de atingir o nível de competência bem-informada que as pessoas eruditas da Europa e dos Estados Unidos possuíam, digamos, no final do século dezenove.”

E conclui:

“A arte da leitura precisa reencontrar seu caminho, ainda que a duras penas. Se falhar, se une 'lecture bien faite' passar a ser apenas um artifício do passado, um enorme vazio passará a ocupar nossas vidas e teremos perdido para sempre a serenidade e a luz que emanam da tela de Chardin.”

Não deixe de ler. Mas com lápis ou caneta, para fazer suas anotações nas margens.

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