Cadernos de leituras

Uma conversa com o jornalista e escritor José Castello, autor do romance "Ribamar"

Bravo!
Revista Bravo!
4 min readNov 19, 2019

--

Por Carlos Castelo

Nesta quinzena li Ribamar (Bertrand Brasil), de José Castello. Um livro que me passou batido à época de seu lançamento em 2010. Fiz bem em lê-lo com um bom distanciamento, inclusive de suas premiações e galardões. A obra, que transita por “n” estilos, me impressionou por sua originalidade e sensibilidade ao tratar do tema da paternidade. Gostei tanto que resolvi entrevistar o autor. Abaixo, a nossa recente conversa:

Em quanto tempo você escreveu Ribamar?

Ruminei o projeto durante vários anos, mas o trabalho efetivo durou pouco mais de dois anos. Foi um livro que me consumiu muito, sobretudo por causa do grande envolvimento pessoal com a narrativa. Fiquei bastante obsessivo, escrevia sem parar, em vários cadernos diferentes — o mais difícil foi organizar tudo depois. Tive que cortar muito depois que cheguei a uma primeira versão — na verdade um rascunhão. A saída foi adotar o esquema da pauta musical, transformá-la em estrutura do livro, criar critérios arbitrários para cada nota musical e “encaixar” a narrativa na melodia. Deu trabalho, muito, mas eu estava também muito envolvido com tudo, então foi ótimo.

Por que a escolha por um formato metalinguístico, o de um autor preparando um livro sobre o pai?

Sempre que escrevo ficção, penso não apenas no conteúdo da escrita, mas em sua forma. Além disso, desde o início, o personagem José era um personagem dividido — era um pouco eu, mas também não era, e em definitivo não sou eu. Essa fratura me proporcionou uma perspectiva mais distante, em que eu podia, de um lado, observar o outro. Surgiu tudo naturalmente, não foi uma decisão inicial, não foi um projeto, foi mais uma coisa que aconteceu.

Como foi o processo de escrever ficção em vez de seus conhecidos ensaios, críticas literárias ou biografias? Sentiu alguma diferença?

Eu já tinha escrito o Fantasma, romance publicado pela Record em 1999. Além disso, já tinha mais de 50 contos inéditos — que, aliás, continuam inéditos, porque não sei se tenho muita certeza a respeito de sua qualidade. Sempre escrevi e publiquei crônicas na imprensa — só no Caderno 2, do Estadão, durante 10 anos — e minhas crônicas são, sempre, limítrofes, isto é, bordejam a ficção, quando não são ficção pura. Logo, Ribamar não chegou a ser uma estreia, mas parte de um caminho.

Como é seu processo criativo? Segue algum ritual específico, uma disciplina?

Não sou um escritor disciplinado, e com Ribamar também foi assim. Escrevo por impulsos, por “jatos”, sem planejar muito e desinteressado em saber em que direção pretendo ir. Não sei se chego a ter uma estratégia criativa — trabalho mais na base do improviso. Talvez minha escrita tenha alguma relação formal com o jazz. Há uma base original, um “tema”, mas o que faço com ele é totalmente imprevisível.

Fora Defoe e Kafka, quais são seus autores favoritos?

Nunca me afasto de três escritores: Dostoiévski, Pessoa e Clarice Lispector. De Kafka também nunca me afasto. Posso citar outros: Virginia Woolf, João Cabral, Vinicius, naturalmente. Nos últimos anos tenho lido muito os russos e os japoneses. Kawabata e Mishima também estão entre meus escritores mais próximos, assim como Turgueniev, Tolstoi e Gogol. Devo deixar claro que não sou um grande leitor. Existem muitos grandes livros, grandes clássicos, quase obrigatórios, que nunca li. Além disso, como trabalho com o que chamam de crítica literária, faço muitas leituras “profissionais” — a leitura obrigatória de lançamentos — , o que toma grande parte do meu tempo, mas isso faz parte de meu ganha pão.

O romance hoje parece num impasse. Tivemos o modernismo com suas experimentações, depois o pós-modernismo e agora muitos autores escrevem algo entre o ousado e o tradicional para não parecer estar flertando nem com as experimentações, nem com o texto ortodoxo. É suficiente criar apenas um romance proprietário para produzir alta literatura?

Acho que, desde sua origem, o romance sempre esteve num impasse. É o impasse que alimenta não só a literatura, mas a arte. O impasse é o lugar da arte. Se não há dúvida, se não há vacilação, ao meu ver, arte não é. Não gosto muito da definição “alta literatura”, embora entenda a necessidade de seu uso para marcar uma fronteira com a literatura comercial (e banal) que infesta cada vez com mais força o mercado. Prefiro falar apenas em literatura. Acho que a palavra já diz tudo. Pelo menos, tudo o que é possível dizer.

Pretende seguir produzindo outros livros de ficção?

Sim, trabalho há muitos anos em um romance longo, cada vez mais longo, que hoje trato de terminar, ou tentar terminar — porque terminar mesmo a gente nunca termina. Tenho um outro projeto rascunhado que, assim que terminar esse romance encruado, pretendo enfrentar. Mas o presente é sempre obscuro, a gente nunca sabe direito o que está fazendo e para onde as coisas estão indo, e é só assim que se trabalha. Se você esperar a situação ideal, ou as ideias claras, nunca fará nada. A escuridão faz parte da criação. A criação não passa de um sopro na escuridão.

--

--