Cadernos de leituras

Uma pausa para o ensaio: o humor de Kafka segundo David Foster Wallace a uma coleção brasileira de peso

Bravo!
Revista Bravo!
3 min readNov 21, 2017

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David Foster Wallace

Por Carlos Castelo

“Kafka é profundamente alheio a estudantes com ressonâncias neurais americanas. O fato é que o humor de Kafka não possui quase nenhum dos formatos e códigos típicos do divertimento contemporâneo dos Estados Unidos. Não há jogos de palavras recorrentes nem acrobacias aéreas verbais, e pouco no que se refere a tiradinhas jocosas e sátiras mordazes. Não há humor baseado em funções corporais em Kafka, nem insinuações sexuais, nem tentativas estilizadas de se rebelar transgredindo as convenções. Nem comédia pastelão pynchonesca com cascas de banana ou adenoides fora de controle. Nem priapismo rothiano, metaparódia barthiana ou lamúrias à moda de Woody Allen. Não há sinal algum das viradas tum-tum-pá dos seriados cômicos modernos; tampouco crianças precoces, avós desbocados ou colegas de trabalho cinicamente insurgentes. Talvez o mais discrepante de tudo sejam as figuras de autoridade de Kafka, jamais meros bufões vazios prontos para serem ridicularizados, mas sempre ao mesmo “tempo absurdas, assustadoras e tristes, como o Tenente de Na Colônia Penal”.

Este é um trecho do ensaio Alguns Comentários Sobre a Graça de Kafka dos Quais Provavelmente não se Omitiu o Bastante. Está no livro de David Foster Wallace chamado Ficando Longe do Fato de Já Estar Meio Que Longe de Tudo.

Como podem ver, nessa quinzena cansei um pouco da ficção e foquei em ensaios. Até para tentar descobrir como um sujeito tão engraçado como D. F. Wallace acabou se matando.

O autor de Graça Infinita é sempre muito inspirador, e o texto sobre Kafka é um clássico do gênero. Nele, Wallace tenta provar a seus estudantes que K. é engraçado. Os alunos foram treinados para “ver piadas como entretenimento e entretenimento como conforto”, diz ele. “A comédia em Kafka também é sempre tragédia, e essa tragédia também é sempre uma imensa e reverente alegria.”

Concluo que seria muito útil e saudável se nossos humoristas e comediantes de stand-up dessem uma boa lida nesse material.

Animei-me com a leitura de David Foster Wallace e logo abracei os quatros volumes da coleção Ensaios Brasileiros Contemporâneos, editados pela Funarte.

O trabalho, dirigido por Francisco Bosco, é notável. Divide-se em ensaios sobre Música, Cidades, Problemas de Gênero e Indisciplinares. Vem suprir a necessidade do leitor brasileiro de textos críticos, já que aqui ainda não contávamos com antologias selecionando essa produção contemporânea de maneira abrangente e sistemática.

Os tomos trazem o pensamento de José Miguel Wisnik, Flo Menezes, Heloisa Buarque de Hollanda, Antonio Risério, Contardo Calligaris, Bernardo Carvalho e uma plêiade de outros grandes pensadores nacionais.

Além desses quatro livros, a coleção terá outros cinco volumes: Artes Visuais, Filosofia, Literatura, Política e Psicanálise (ainda sem data de lançamento), totalizando cerca de quatro mil páginas, quase 300 autores, 28 editores, além de consultores contratados para o trabalho de pesquisa, seleção e apresentação.

Literalmente, um trabalho de peso.

LIVROS RECEBIDOS / COMPRADOS + Ficando Longe do Fato de Já Estar Meio Que Longe de Tudo. David Foster Wallace (Companhia das Letras) + Ensaios Brasileiros Contemporâneos (Funarte).

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