Cadernos de leituras

Uma seleção para rir: da autobiografia de Monty Python a uma seleta de humor judaico, passando por Jonathan Swift

Bravo!
Revista Bravo!
3 min readJan 9, 2018

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“Foi só um arranhão” disse o cavaleiro negro em “Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”

Por Carlos Castelo

Essa ideia daria uma boa tese de mestrado. O humor de qualidade, anterior ao Monty Phyton, era feito por artistas essencialmente intuitivos. Chaplin, Irmãos Marx, W.C. Fields, mais tarde Bob Hope, eram todos gênios da comédia, não há a menor dúvida. Mas não consigo imaginar Groucho — apesar de ser muito amigo de T.S. Eliot — circulando pelo campus de Harvard.

A trupe do Monty Phyton, ao contrário, veio de formações escolares refinadas. Cleese, Chapman e Idle estudaram Direito, Medicina e Literatura em Cambridge. Palin e Jones foram alunos de História e Literatura na prestimosa Oxford.

Isso explica muita coisa em relação ao tipo de humor que cada uma das gerações produziu. O curioso — e é daí que poderia sair minha tese — é que nas Letras ocorreu algo similar.

Se pinçarmos um Hemingway veremos que ele não têm a rigorosa formação acadêmica de seus sucessores contistas: por exemplo, o professor de escrita criativa Donald Barthelme ou o mestre universitário Bernard Malamud. Ernest tinha histórias para contar. Ponto, período.

Nos anos 1960, os novos arautos do humor inglês também vinham com ótimas premissas e assuntos. Só que aportaram com uma agenda muito próxima a que seus correspondentes pós-modernos na Literatura imprimiram: entre outras inovações, desconstruir a piada. Para tanto, sistematizaram a anedota num processo exaustivo de redação feita em grupo e, antes de encená-la, passavam-na por sessões intermináveis de ensaios.

O Monty foi para o humor o que a internet agora é para a publicidade. Antes, o que valia era apenas um anúncio impactante ou hilário. Depois da web passou-se a mensurar tudo, inclusive os resultados, e isso mudou tudo. A ingenuidade dos chistes faleceu após o parto do Monty Python. E, se ainda existe Chaves e Trapalhões, é apenas por uma bolha de nostalgia de determinada parcela do público.

Em 1980, numa viagem a Londres, trouxe na bagagem todos os livros e long-plays do anárquico grupo britânico. Dissequei aquele tesouro, junto aos colegas do grupo de humor paulistano Língua de Trapo, durante meses. Acabamos produzindo, bem antes dos Cassetas, Planetas e Portas dos Fundos, um trabalho inspirado na estética pythoniana — com traços do Les Luthiers, outra influência nossa. Só esquecemos de mensurar melhor os cachês e combinar o jogo com a Globo. Mas isso é outra história.

O que importa, em 2018, é que “habemus”, depois de quase 40 anos, uma autobiografia decente do Monty Python em português brasileiro: Monty Python — Uma Autobiografia Escrita por Monty Pyhton (Realejo Livros). E, quem sabe um dia, uma tese de mestrado sobre humor modernista “vis-à-vis” ao humor pós-modernista.

Seleta de humor nas férias

Durante o recesso de final de ano deleitei-me com meu tema do coração: os textos de e sobre humor. Por ordem de idade, o primeiro foi Epigramas — Catulo e Marcial (Editora Unicamp), escrito por Robson Tadeu Cesila. Trata-se de um estudo completíssimo sobre as diversas espécies ou subtipos desse gênero antiquíssimo de poesia e verve.

Em seguida veio Panfletos Satíricos (Topbooks), de Jonathan Swift. O autor de Viagens de Gulliver é tão fundamental que Voltaire disse sobre ele: “quanto mais leio suas obras, mais me envergonho das minhas”.

Por fim, me diverti bastante com Do Éden ao Divã —Humor Judaico” (Companhia das Letras), com organização de Moacyr Scliar, Patrícia Finzi e Eliahu Toker. Foi uma aula de como produzir humor de alto nível desde os tempos talmúdicos até o Woody Allen.

Em tempo

Ainda sobraram algumas horas nas férias para ler para a filha a excelente tradução de Aventuras de Alice no País das Maravilhas & Através do Espelho — Edição Comentada e Ilustrada (Zahar) feita por Maria Luiza X. de A. Borges.

Registro aqui também a prazeirosa leitura de Bipolar (Caminhos) do colega de revista Bula, o cronista Eberth Vêncio. Nesta coletânea de textos, Eberth revela a grande familiaridade que tem com nosso cotidiano e com um sem-número de temas da contemporaneidade, sempre com muita perspicácia e estilo.

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