Cadernos de leituras

Uma redescoberta pessoal de David Foster Wallace a partir de um filme ruim da Netflix

Bravo!
Revista Bravo!
2 min readAug 7, 2018

--

Carlos Castelo

Fazia um bom tempo que eu não lia nada do David Foster Wallace. Muita gente sabe que ele era viciado em assistir televisão. E não é que retomei o Wallace por causa do Netflix?

Tudo começou quando bati os olhos no filme The End of The Tour, de James Ponsoldt, lançado em 2015. Ele estava entre os mais novos do streaming e decidi assisti-lo. Dizia a sinopse: “Este drama reconta a entrevista de cinco dias de David Lipsky, repórter da Rolling Stone, com o famoso escritor David Foster Wallace”.

É claro que uma hora e 45 minutos não vão acrescentar grandes novidades sobre a biografia de ninguém, mas, em meio a tantas produções coreanas, indianas e sobre a vida de Pablo Escobar, contar com algo relacionado a um grande artista já é minimamente compensador.

Não sou crítico de cinema, nem mesmo de literatura. Por isso, só digo que achei o filme ruim e ponto. Não irei além dessa simplória observação. No entanto, ele foi o gatilho que me levou a iniciar a heroica leitura de Graça Infinita (Companhia das Letras) — heroica, explico melhor, por que o catatau possui mais de 1079 páginas, sem contar o alentado setor de notas de rodapé.

Ainda estou longe do final, mas já deu para sacar que o livro é um pancadão. Leiam o que diz o seu tradutor para a língua portuguesa, Caetano Galindo:

…o foguetório verbal, a infinidade de vozes e de personagens, a imaginação sem fim e, muito especialmente, aquele jeito meio bizarro de ele escrever uma prosa cheia de interrupções autoconscientes, cheia de apartes, bifurcações, dúvidas, ramificações múltiplas, correções e arrependimentos eternos, que parecia, para muitos críticos, representar bem demais o que poderia ser a “voz” interna da sua geração. O barulho do mundo que a gente interioriza e verbaliza quase sem querer. O som de uma geração criada num mundo entupido de informação, que encontrava ali o sujeito capaz de transformar aquele ruído permanente numa forma de arte, em prosa literária encantadora exatamente à medida que era incômoda, exatamente à medida que nos mostrava coisas que a gente não queria ver, de um jeito absolutamente delicioso”.

O que dá pena é notar que as pessoas continuam interessando-se mais pelo suicídio de Wallace, em 2008, do que por Graça Infinita. Por outro lado, do jeito que ele se desdobrava para entender a si mesmo, para entender os outros, para entender como cada um de nós pode tentar entender os outros etc, capaz de ter explicado isso nas páginas de sua obra-prima. Quando eu chegar lá, prometo que conto aqui.

--

--