Cadernos de leituras

Já ouviu falar da influência da sátira luciânica em Machado de Assis?

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Revista Bravo!
2 min readJul 17, 2018

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O escritor Luciano de Samósata, cuja atividade se deu no governo romano de Marco Aurélio, no século 2.

Por Carlos Castelo

Folheando recentemente um ensaio pesquei uma expressão que desconhecia: “a influência da sátira luciânica na obra de Machado de Assis”. (Ou ainda a chamada sátira menipeia).

Explico. Trata-se de uma forma de sátira em prosa, caracterizada pela crítica às atitudes mentais em vez de a indivíduos específicos. Outras características seriam as diferentes formas de paródia e crítica aos mitos da cultura tradicional. Foi criada por Menipo, escritor grego antigo cujas obras não mais existem entre nós, mas foi principalmente mantida por Luciano de Samósata — daí a tal influência luciânica em M.de A. mencionada no ensaio que li.

As atitudes mentais típicas ridicularizadas pelas sátiras menipeias são os “pedantes, os sectários, os excêntricos, os arrivistas, os moralistas, os entusiastas, os rapaces e os incompetentes, que são tratados como doenças do intelecto”. Esse gênero é muito importante para o teórico Bakhtin, que o considera uma das origens do romance polifônico praticado, entre outros, por Dostoiévski. A sátira menipeia teria influenciado vários autores posteriores, como Rabelais, Erasmo de Roterdã, Voltaire, dentre outros.

Muitos críticos apontam Memórias Póstumas de Brás Cubas como modelo de sátira menipeia no romance brasileiro. E não só essa monumental obra, mas ainda Esaú e Jacó e Memorial de Aires.

E eu que achava que o Joaquim Maria só tinha sido influenciado principalmente por Goethe, Shakespeare e Laurence Sterne. Que nada, o Bruxo foi beber na fonte de um autor do século 2. Que, aliás, anda muito mal representado em termos de edições aqui na Botocúndia do Sul.

Consegui comprar num sebo Os Amigos da Mentira (Fino Traço), mas não foi lá muito reconfortante a leitura. Em especial a adaptação do texto para os dias hodiernos. Na tentativa de atualizar o linguajar de Luciano de Samósata, o livrinho ficou parecendo-se a um infanto-juvenil da Ruth Rocha.

Tentei ler Diálogo dos Mortos, do mesmo Luciano. Como vinha tendo dificuldades em encontrá-lo nas livrarias tradicionais, solicitei um PDF ou exemplar à Palas Athena Editora. Infelizmente não obtive retorno até o presente momento. Terminei acessando trechos do livro numa biblioteca para poder comprovar a importância dele nos tons e maneiras de Esaú e Jacó — que estou lendo e comparando nesse momento.

De fato, já consegui notar a participação de inúmeros elementos da sátira menipeia em M. de A. Creio que estão inclusive no conto O Alienista (que relerei em breve para me certificar 100%).

O bom dos clássicos é isso: você notar como estão, ali naquele mesmo balaio, tantos outros clássicos.

Viva, Machado!

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