Cem anos depois, Mário e Oswald de Andrade voltam a se esbarrar no CCSP

Andrei Reina
Revista Bravo!
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5 min readApr 25, 2017
Mário de Andrade em 1935/36 (foto de Benedito Junqueira) e Oswald de Andrade em 1954 (sem autoria)

Começa hoje no Centro Cultural São Paulo uma semana de atividades dedicada às trajetórias e aos legados de Mário e Oswald de Andrade. As duas figuras decisivas do modernismo paulista serão lembradas em palestras, exposições, mostras de cinema e teatro e debates. O responsável por abrir os trabalhos é o músico e professor José Miguel Wisnik com a conferência “Mário e Oswald — amor e inimizade”, às 20h. O time de conferencistas se completa com o compositor Tom Zé, que fala sobre a influência dos modernistas sobre a Tropicália, com base no disco Tropicália Lixo Lógico (2012); a cantora Iara Rennó, que apresenta sua Macunaó.peraí.matupí, adaptação livre do romance de Mário de Andrade; o estilista Ronaldo Fraga, que fala sobre o lugar que Mário de Andrade ocupou na sua formação; e o grupo de rap Elo da Corrente, que mostra composições baseadas na Missão de Pesquisas Folclóricas idealizada por Mário.

O evento marca o centenário do encontro entre Mário e Oswald de Andrade no prenhe de efemérides ano de 1917, cinco anos antes do pé na porta que eles e outros artistas e intelectuais dariam no provincianismo cultural brasileiro com a Semana de Arte Moderna. A amizade entre ambos, no entanto, também foi marcada por diferenças e por uma ruptura—datada de 4 de julho de 1929 em carta de Mário de Andrade a Tarsila do Amaral, já casada com Oswald. Nela, o autor sugere que o amigo deu “assistência” a alguma das “acusações, insultos, caçoadas” que se dirigiam contra ele à época—parte delas em função de sua sexualidade, assunto tabu até bem pouco tempo. A partir de então, Mário evitara Oswald, ainda que este vez ou outra tentasse uma reconciliação.

Uma dessas tentativas é narrada por Antonio Candido na sua “Digressão sentimental sobre Oswald de Andrade”, que teve um trecho incluído no catálogo do evento. Em 1943, Mário de Andrade e outros intelectuais se reuniram no escritório do jornalista Plínio Mello com o objetivo de criar a seção paulistana da Associação Brasileira de Escritores. “De repente entrou Oswald, todo de branco, e, ao ver quem estava ali, deu um vago bom-dia geral, enquanto Mário ficava impassível”, conta Candido. Todos ali desejavam que Mário se tornasse presidente da seção, o que ele recusou com um sonoro “não concordo e não aceito”. O desenlace, deixo por conta de Antonio Candido:

Oswald, tornando a falar, intercalou uma resposta no mesmo tom, insistindo no caso. E por aí também foram mais um pouco, nessa conversa indireta, como se o outro não estivesse presente, quando a certa altura Oswald soltou uma daquelas suas extraordinárias piadas e nós nos pusemos a rir. Mário tentou manter seriedade e ficar de fora; retesou o corpo, tremeu a boca, não aguentou e desandou também num riso amarrado, mas sacudido e intenso. Oswald, que ao fazer a piada olhara para ele como quem observa o efeito de um golpe calculado, manifestou o maior prazer, rindo com extraordinária jovialidade.

Estudos de Tarsila do Amaral de 1923

Esbarros

Os encontros e desencontros dessa amizade é o tema da intervenção cênica Esbarro, em que os atores José Rubens Chachá e Pascoal da Conceição, que também assina a direção e a dramaturgia, dão vida a Oswald e Mário. A performance é baseada em textos dos autores e conta com obras de Heitor Villa-Lobos e Hermínio Bello de Carvalho executadas ao vivo por dois músicos.

A intervenção servirá de abre-alas para duas mesas de debate. Na primeira delas, na quarta (26), os escritores Cristovão Tezza e Luiz Ruffato, com mediação da professora de teoria literária Iumna Maria Simon, discutem a influência dos modernistas em seus trabalhos e na literatura brasileira contemporânea. Na quinta (27), a conversa será entre os pesquisadores Eduardo Jardim, autor de Eu Sou Trezentos — Mário de Andrade, vida e obra, e Gênese Andrade, que coordena a nova edição das obras de Oswald de Andrade na Companhia das Letras. Haverá ainda um debate na sexta (28) sobre os ecos da literatura modernista em outras modalidades artísticas. O papo, mediado pela psicanalista Carmen Lucia Valladares, será entre a professora e curadora de dança Cássia Navas e o ator e diretor Cacá Carvalho, que interpretou o “herói de nossa gente” na célebre montagem de Macunaíma dirigida por Antunes Filho em 1978.

Modernismo em cena

O teatro estará presente, além dos debates, no palco e nas telas do CCSP. A atriz Vera Lamy, da Companhia do Feijão, apresenta Manuela, espetáculo em que, acompanhada pelo músico Lincoln Antonio, propõe um mergulho poético e musical na trajetória de Mário de Andrade sob o ponto de vista da sua máquina de escrever — batizada de Manuela em homenagem ao poeta Manuel Bandeira.

Grande Otelo em “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade, e Dina Sfat em “O Rei da Vela”, dirigido por Zé Celso

A clássica montagem de O Rei da Vela de Oswald de Andrade pelo Teatro Oficina poderá ser vista na projeção inédita em 16mm de uma combinação de cenas da peça dos anos 1960 com a sua versão dos anos 1980 — ambas dirigidas por José Celso Martinez Corrêa. A mostra de cinema ainda inclui filmes com influência direta do modernismo, como os de Joaquim Pedro de Andrade — e seus incontornáveis Macunaíma e O Homem do Pau-Brasil — e longas que foram objeto de crítica por Mário de Andrade nas páginas da revista Klaxon, como O Garoto, de Charles Chaplin, e Lírio Partido, de D.W. Griffith.

Exposições

Um conjunto de documentos, objetos históricos e obras, organizados na exposição MáriOswald, é outra via no esforço de compor um mosaico dos dois autores. Entre as peças exibidas, estão itens de acervos da Secretaria Municipal de Cultura e do próprio CCSP — cuja história é intimamente ligada à elaboração teórica e prática de Mário de Andrade no campo da cultura, como atestam a Discoteca Oneyda Alvarenga e a coleção da Missão de Pesquisas Folclóricas — , como o Arquivo Multimeios, idealizado por Maria Eugênia e Décio Pignatari, que abriga, entre outras coisas, os registros das montagens de O Rei da Vela de Zé Celso e do Macunaíma de Antunes Filho.

A instalação multimídia Antropogafia, concebida por Cássia Aranha, e um espaço de contação de histórias para crianças completa a programação do evento.

Semana MáriOswald — 100 anos de uma amizade

De 25 a 20 de abril. A exposição fica em cartaz até 30/7. As atividades têm entrada gratuita, salvo as sessões de cinema, que custam de R$ 2 a R$ 4. Confira a programação completa no site do CCSP.

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