Danças confinadas

Durante o isolamento social, dançarinos de todo o mundo experimentam possibilidades para evitar a paralisia criativa e a ferrugem no corpo

Rafael Ventuna
Revista Bravo!
6 min readApr 29, 2020

--

IT Dansa reconfigura trechos de WHIM Fractured Fairytale para as telas © Instagram/ekman

Desde que foi criado, em 1982, o Dia Internacional da Dança terá uma celebração absolutamente inédita em 2020. A escolha do 29 de abril pelo Conselho Internacional da Dança da Unesco nunca fez tanto sentido. Pois, é a data de nascimento do francês Jean-Georges Noverre (1727–1810), que foi responsável por grandes transformações no balé.

No ano em que a reinvenção surge como um recém-criado passo de dança, a pandemia da Covid-19 se mostra implacável com dançarinos, bailarinos e coreógrafos, que se veem obrigados a dar continuidade em seus trabalhos apenas pela internet. E distantes fisicamente entre si.

Ao final deste artigo, há uma seleção de iniciativas on-line de artistas do Brasil e de outros países.

O movimento sincronizado e planetário de pessoas produzindo e se comunicando unicamente por meio de recursos digitais já é chamado de Efeito Zoom. Ganhou este nome em referência a um aplicativo de videochamadas, que agora está bem popular entre os profissionais da dança para a realização de ensaios, aulas, treinos e até mesmo criação e apresentação de coreografias.

Instagram, Facebook e YouTube têm sido plataformas para diversas ações que buscam reconectar artistas aos seus públicos e consolidar seus perfis nas diversas redes sociais como canais de difusão de conteúdos produzidos antes e durante a quarentena.

Portal MUD promove a ação #DanceEmCasa nas redes sociais

Danças nas telas
Para compreender melhor esta profusão de vídeos de dança que inundou a internet no primeiro mês de isolamento social, troquei umas ideias com a pesquisadora e curadora de mostras de videodanças Vanessa Hassegawa. Ela, que é uma referência no assunto “dança para as telas”, faz observações pontuais.

“É uma adaptação indigesta. Os corpos se ajustam à uma pequena lente e às telas de notebooks ou smartphones. Os aplausos dessa vez são views e likes”, avalia. “Estamos sob um cenário de pressão e de tristeza. Quem dança anseia pela manutenção de seus movimentos e da musculatura. Muitos têm produzido coreografias para a câmera em suas casas e compartilhado a necessidade de se expor, de explodir”.

Os formatos dos conteúdos são variados. Aulas, bate-papos, filmes, espetáculos gravados e ainda festivais totalmente on-line. Vanessa ressalta o recorte sócio-econômico do consumo de internet no Brasil que influencia na produção e fruição. “Segundo a Anatel, 83% do consumo de internet nas classes D e E é pelo acesso móvel e, portanto, um acesso limitado”.

Ela, assim como eu e talvez você que lê este artigo, teve a percepção do aumento exponencial das publicações de conteúdos dançados nas redes sociais. Que quase beira o desespero! “Os algoritmos me conduzem a uma enxurrada de possibilidades on-line de dança. Cada vez mais, a internet se transforma numa válvula propulsora de ansiedade, mas também é uma ponte generosa para desbravar as fronteiras da dança”.

Vanessa destaca a diferença na terminologia. Informa que no Brasil foi amplamente difundido o termo videodança, muito em razão das sucessivas edições do festival Dança em Foco e da tradução mais amigável à língua portuguesa.

Entretanto, com o termo screendance, cuja referência teórica da pesquisadora é o norte-americano Douglas Rosenberg, não ocorreu o mesmo. “Em tradução livre é dança-tela. Podemos usar o termo para se referir à dança gravada em qualquer tecnologia de imagem em movimento capaz de ser circulada em qualquer tela, inclusive na palma da mão, como é a dança que temos visto deslizar nos visores dos nossos celulares”, explica.

Deborah Colker libera acesso de vídeos com a íntegra de coreografias © Flávio Colker

Mais palcos
Embora o debate já seja um pouco antigo, ainda há quem defenda peremptoriamente que a dança nas telas não é dança. Vanessa não faz parte da ala conservadora e vislumbra uma ampliação do campo de atuação. “Acredito que a dança on-line é totalmente possível. Não há limite para a criação em dança para a tela. E a edição é a peça-chave para uma produção mais elaborada”.

Se os modos de produção serão temporários ou permanentes, o que de fato sabemos é que este momento impulsiona artistas da dança, em sua maioria, a finalmente se dedicarem ao desenvolvimento de outras possibilidades para a poética, expressão e difusão. Anteriormente, o confinamento dentro das salas de ensaios e das caixas pretas dos teatros, sobre palcos italianos revestidos de linóleo, também produziu limitações. Gerou ainda um distanciamento do público que sinalizava um menor interesse.

A dificuldade de se formar e manter plateias cativas para ver dança cênica, bem como o trabalho hercúleo de conseguir patrocínio, havia levado o campo da dança a uma grave crise antes mesmo da pandemia. Crise que foi agravada ainda mais pela interrupção das atividades presenciais do setor cultural. O que está fazendo eclodir campanhas para arrecadação de fundos, como o SOS Dança Cidade de São Paulo, e mobilizações de classe, como o Reunião Emergencial da Dança, da Bahia.

Quando se trata de dança contemporânea brasileira, o desafio é ainda maior. O pensamento hermético de uma estética vigente, sobretudo na região Sudeste, agora disputa na internet espaço com todas as outras danças e conteúdos. Chegou a vez desta dança mais conceitual acessar outros públicos e compreender o real espaço que ocupa no mundo.

Que o estouro da “bolha da sapatilha” dê início à uma nova fase mais criativa, mais interativa, mais colaborativa, mais conectada e muito mais dançante!

Pra dançar junto e ver on-line

Vanessa Hassegawa e Rafael Ventuna selecionam iniciativas on-line de artistas brasileiros e de outros países que celebram danças do ontem, do hoje e do amanhã.

Semana da Dança Fortaleza
Até 2 de maio, artistas da capital cearense, Itapipoca, Sobral, Cariri, Itapajé e Sertão Central desenvolvem programação on-line, com espetáculos, performances, palestras, lives e clips. Um momento para (re)conhecer a pujante cena da dança no Ceará.

Companhia de Dança Deborah Colker
A companhia carioca liberou o acesso à integra de seis coreografias do repertório. Se tiver com pouco tempo, escolha 4 x 4 e Cão sem Plumas, já que não está liberado o vídeo da coreografia Mix.

Dance em Casa
Produzido pelo Portal MUD e idealizado por Talita Bretas, a ação já reúne mais de 1.000 vídeos de pessoas dançando em casa. E dá um refresh na #DanceEmCasa que no Instagram tem mais de 11 mil publicações. Mas, é pela aba Marcados do Insta do projeto que se tem mais garantia de ver profissionais criando durante o isolamento. Como destaque, indicamos o vídeo da paulistana T.F Style Cia de Dança.

Itaú Cultural
Com resultado de selecionados já divulgado, o primeiro edital de emergência Arte como Respiro, selecionou 47 trabalhos da categoria Dança que vão ser exibidos em breve pelas plataformas digitais do centro cultural. Os trabalhos terão dois formatos: novas criações e espetáculos já gravados contextualizados com o período de isolamento.

Alexander Ekman
Com ou sem pandemia, acompanhar as produções do coreógrafo sueco é sempre um prazer. Não se pode deixar de destacar a publicação do vídeo realizado pela IT Dansa, de Barcelona, no qual os jovens bailarinos revisitam a coreografia WHIM Fractured Fairytale, que estreou em 2007. E se soma ao movimento Coronart, que denomina criações durante a quarentena.

Cia Jovem de Dança de Jundiaí
Com uma programação de aulas cuidadosamente organizada pelo diretor artístico Alex Soares, é possível por meio do aplicativo Zoom participar de turmas de balé, improvisação, yoga, entre outras modalidades. As vagas são limitadas e a ação já está na sexta semana.

São Paulo Companhia de Dança
Dentre os eixos de atuação da SPDC está a produção de registros e memória. Recomendamos fortemente todos os documentários realizados com artistas pioneiros na série Figuras da Dança.

Vai dar Videodança
Outra iniciativa do Ceará, vale a pena navegar pela proposta de festival de videodança idealizado pela dupla Allan Diniz e Dayana Ferreira, que estão bem interessados em criar diálogos entre dança e mídias digitais.

Ballet Ópera de Paris
O balé mais famoso da França publicou um vídeo que traz uma mensagem de esperança e muita dança e reforça o apelo mundial #FiqueEmCasa.

Nederlands Dans Theater
Sempre muito cuidadosa com suas produções audiovisuais, a companhia holandesa publicou o vídeo #QuarantineCreation para igualmente reforçar o apelo mundial #FiqueEmCasa.

Grupo Corpo
Espetáculos completos da companhia mineira podem ser assistidos no seu canal on demand no Vimeo. O valor para ter acesso é de US$ 5 para o período de 48 horas. Desde o começo da quarentena, a família Pederneiras libera gradativamente o acervo com acesso grátis. Até dia 3 de maio, é possível assistir na faixa O Corpo e Benguelê. A companhia também anunciou o início de uma série de atividades on-line com documentários, interações artísticas e desafios.

Quasar Cia de Dança
O icônico Divíduo da companhia goiana está no ar! Esta é sua chance de ver ou rever a cena do motoboy entregando uma pizza sem saber que estava em cena nesta peça que retrata a solidão urbana nas grandes cidades.

--

--