Cadernos de leituras

Durante minhas férias de julho li apenas um livro. Justamente o de um homenageado da Flip de quatro anos atrás: Millôr

Bravo!
Revista Bravo!
2 min readJul 24, 2018

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Millor Fernandes em foto de Daniela Dacorso

Por Carlos Castelo

Flip, quatro letras que todos cantam em verso e prosa. Isso sem falar na homenageada do ano, Hilda Hist, que está em todas as bocas literárias do Baixo Leblon à Vila Madalena.

Sim, é bom que façam-se panegíricos a autores como Hilda, nada contra, muito antes pelo contrário. Mas que não olvidem-se dela — e de todos os outros já laureados — depois que o último livreiro deixar a última barcaça em Paraty.

Durante minhas férias de julho li apenas um livro. Justamente o de um homenageado da Flip de quatro anos atrás: Millôr Fernandes.

Chama-se Essa Cara Não Me É Estranha e Outros Poemas (Boa Companhia).

Depois de degustar (termo batido, mas apropriado a este contexto) os versos millorianos, comecei a conjecturar: deviam promover mais um galardão ao guru do Méier em outra vindoura Flip. E olha que o jornalista nem se considerava poeta. Caso se achasse, deviam render-lhe louvores anualmente.

Deem-me razão lendo esta página, mais do que precisa, do bardo guanabarino.

POESIA MATEMÁTICA

Às folhas tantas

Do livro matemático

Um Quociente apaixonou-se

Um dia

Doidamente

Por uma Incógnita.

Olhou-a com seu olhar inumerável

E viu-a, do Ápice à Base.

Uma figura ímpar:

Olhos rombóides, boca trapezóide,

Corpo ortogonal, seios esferóides.

Fez da sua

Uma vida Paralela à dela

Até que se encontraram

No infinito.

“Quem és tu?” indagou ele

Com ânsia radical.

“Sou a soma do quadrado dos catetos.

Mas pode chamar-me de Hipotenusa.”

E de falarem descobriram que eram

— O que, em aritmética, corresponde

A almas irmãs

— Primos entre si.

E assim se amaram

Ao quadrado da velocidade da luz

Numa sexta potenciação

Traçando

Ao sabor do momento

E da paixão

Rectas, curvas, círculos e linhas sinusoidais.

Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas

E os exegetas do Universo Finito.

Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.

E, enfim, resolveram se casar

Constituir um lar.

Mais que um lar,

Uma Perpendicular.

Convidaram para padrinhos

O Poliedro e a Bissectriz.

E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro

Sonhando com uma felicidade

Integral

E diferencial.

E casaram-se e tiveram uma secante e três cones

Muito engraçadinhos.

E foram felizes

Até aquele dia

Em que tudo, afinal,

Vira monotonia.

Foi então que surgiu

O Máximo Divisor Comum

Frequentador de Círculos Concêntricos.

Viciosos.

Ofereceu-lhe, a ela,

Uma Grandeza Absoluta,

E reduziu-a a um Denominador Comum.

Ele, Quociente, percebeu

Que com ela não formava mais

Um Todo Uma Unidade.

Era o Triângulo.

Tanto chamado amoroso.

Desse problema ela era a fracção

Mais ordinária.

Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade

E tudo que era espúrio passou a ser

Moralidade

Como, aliás, em qualquer

Sociedade.

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