Cadernos de leituras
Durante minhas férias de julho li apenas um livro. Justamente o de um homenageado da Flip de quatro anos atrás: Millôr
Por Carlos Castelo
Flip, quatro letras que todos cantam em verso e prosa. Isso sem falar na homenageada do ano, Hilda Hist, que está em todas as bocas literárias do Baixo Leblon à Vila Madalena.
Sim, é bom que façam-se panegíricos a autores como Hilda, nada contra, muito antes pelo contrário. Mas que não olvidem-se dela — e de todos os outros já laureados — depois que o último livreiro deixar a última barcaça em Paraty.
Durante minhas férias de julho li apenas um livro. Justamente o de um homenageado da Flip de quatro anos atrás: Millôr Fernandes.
Chama-se Essa Cara Não Me É Estranha e Outros Poemas (Boa Companhia).
Depois de degustar (termo batido, mas apropriado a este contexto) os versos millorianos, comecei a conjecturar: deviam promover mais um galardão ao guru do Méier em outra vindoura Flip. E olha que o jornalista nem se considerava poeta. Caso se achasse, deviam render-lhe louvores anualmente.
Deem-me razão lendo esta página, mais do que precisa, do bardo guanabarino.
POESIA MATEMÁTICA
Às folhas tantas
Do livro matemático
Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base.
Uma figura ímpar:
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo ortogonal, seios esferóides.
Fez da sua
Uma vida Paralela à dela
Até que se encontraram
No infinito.
“Quem és tu?” indagou ele
Com ânsia radical.
“Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode chamar-me de Hipotenusa.”
E de falarem descobriram que eram
— O que, em aritmética, corresponde
A almas irmãs
— Primos entre si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Rectas, curvas, círculos e linhas sinusoidais.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E, enfim, resolveram se casar
Constituir um lar.
Mais que um lar,
Uma Perpendicular.
Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissectriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.
E casaram-se e tiveram uma secante e três cones
Muito engraçadinhos.
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Frequentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais
Um Todo Uma Unidade.
Era o Triângulo.
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fracção
Mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
E tudo que era espúrio passou a ser
Moralidade
Como, aliás, em qualquer
Sociedade.