Escala chinesa

Primeira vez no Brasil, companhia de dança exibe perícia em movimentos e redefine a percepção sobre deficiências físicas

Rafael Ventuna
Revista Bravo!
4 min readNov 6, 2019

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Dança das Mil Mãos é cena muito aguardada em My Dream © CDPPAT

Na montagem original, Tai Lihua está à frente da fila que reúne 21 dançarinos chineses e surdos para a execução da coreografia que imortaliza a Bodhisattva Guan Yin, deusa da compaixão. No budismo, 42 mãos equivalem a mil mãos.

Vinda de um país de superlativos, a China Disabled People’s Performing Arts Troupe (CDPPAT) desembarca no Brasil com 20 dançarinos e seis músicos com deficiência auditiva e visual para apresentações no Rio de Janeiro e em São Paulo com o show intitulado My Dream.

Administrada pela estatal China Arts and Entertainment Group (CAEG), a companhia fundada em 1987 ganhou projeção principalmente pelas performances em cerimônias de Olimpíadas. Em 2007, também recebeu o título de Artista da Paz entregue pela Unesco.

Durante o deslocamento para a América do Sul, a CAEG, gestora da companhia que tem direção de Li Jinsheng e Zhang Jigang, explicou à Bravo! alguns detalhes — recheados de números — da sua atuação.

Que razões levaram à criação da CDPPAT?
Em 1987, cerca de 30 artistas com deficiências foram aprovados para participar da primeira edição do China Art Festival. Foi o início da CDPPAT. Só em 2000 que criamos o grande show de música e dança My Dream e elevamos tudo a um nível profissional. Desde então, passamos por 100 países e territórios. Nesta turnê, alcançaremos a marca de 103 com o Brasil, Uruguai e Argentina.

Qual o maior desafio para contratar artistas com deficiência?
Todos os artistas da companhia têm alguma deficiência auditiva ou visual. O que fazemos é que, para se tornarem profissionais, o treino começa desde a infância. Por isto, mantemos uma escola desde 2013, que depois da formação, podem atuar como artistas.

Por que demoraram tanto para vir ao Brasil?
Tem sido décadas na CAEG dedicadas à promoção da cultura chinesa. E uma das mais bem sucedidas é a parceria com a CDPPAT. My Dream se mostrou muito eficiente em criar um diálogo com o público de outros países. Acreditamos que vai abrir caminho para 12 Chinese Zodiacs, com a China Oriental Performing Arts Troupe, que representa melhor a essência da nossa cultura e está nos nossos planos de trazer em breve ao Brasil. Isto não diminui o caráter único da CDPPAT. Estamos seguros que os brasileiros também vão amar My Dream.

Como é a rotina de treinos?
De manhã, os artistas têm aulas no ensino regular. À tarde e à noite, praticam dança diariamente por quatro horas.

Por que a dança Mil Mãos se tornou tão famosa?
Ela é memorável não somente pela beleza, mas também por ser dançada por surdos. Como os dançarinos não ouvem, os diretores auxiliam para que eles sincronizem com a música. Zhang Jigang assina esta coreografia que faz referência à lenda da Bodhisattva Guan Yin, deusa da compaixão e misericórdia, que tem mil mãos. Ela havia dito que enquanto existir uma lágrima no mundo, não se tornaria buda. O resultado é esplêndido!

O que as Olimpíadas trouxeram à CDPPAT?
Em 2004, nos Jogos de Atenas, o mundo ficou maravilhado durante o China 8 Minutes. Foi a primeira vez da Mil Mãos em um palco internacional. Desde então, a cada ano são mais de 100 apresentações. Já nos Jogos Paraolímpicos de Pequim, em 2008, a CDPPAT, como artista da casa, participou das cerimônias de abertura e encerramento e de eventos no Olympic Art Festival. Tem mais! Em março de 2018, participou do encerramento das Olimpíadas de Inverno de Pyeongchang com a coreografia I’m Flying 2022, antecipando nossa participação em nos Jogos de Inverno de Pequim.

Afinal, qual é o “dream” dos artistas da CDPPAT?
Eles vêm de todas as partes da China. Sonham com arte apesar das deficiências. Amam a vida e olham para o futuro. E esperam levar ao mundo beleza e amor com sua forma única de realizar a arte com que tanto sonham.

Dançarinos realizam acrobacias em da em My Dream © CDPPAT

My Dream também tem muita música chinesa tradicional e dança folclórica, permeadas por coreografias de balé moderno e associadas à linguagem de sinais.

A superpopulosa China — que por três décadas fez vigorar a política do filho único — e crenças populares tornaram o país um lugar muito perigoso para um deficiente. Há uma estimativa de que, a cada ano, pelo menos 10 mil dos chamados “canfei” ainda sejam abandonados após o nascimento. Porque parte da população crê que a deficiência é uma maldição.

A CDPPAT, para além dos méritos artísticos, tem uma função social muito importante para contribuir na mudança da mentalidade daqueles que excluem os que não se encaixam em um padrão ideal de normalidade. Talvez este seja o maior sonho que a cada passo de dança se torna realidade.

My Dream. China Disabled People’s Performing Arts Troupe. São Paulo: 6 e 7 de novembro. Quarta e quinta, 21h. Teatro Opus (Shopping Villa -Lobos). R$ 50 a R$ 200. 14 anos. 90 min

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