Exposição homenageia centenário de individual pioneira de Anita Malfatti

Andrei Reina
Revista Bravo!
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6 min readFeb 6, 2017
”Tropical”, c.1916.

Há 100 anos atrás, uma jovem pintora de São Paulo dava o pontapé inicial rumo à invenção de uma arte moderna no Brasil. Então com 28 anos, Anita Malfatti apresentava em sua Exposição de Pintura Moderna uma reunião de trabalhos inéditos ao conservador público paulista. O modo como experimentava a relação entre figura e fundo, atrelado à pinceladas livres, iam de encontro às características da pintura acadêmica, presa a regras de composição e padrão de gosto fixos. Nos retratos, paisagens e gravuras expostos, a artista incorporava em seu trabalho o repertório adquirido em viagens a Berlim e a Nova York, onde travou contato com diversas denominações da efervescente arte moderna daquele início de século XX, sobretudo o expressionismo.

A exposição empolgou alguns artistas e intelectuais, como aqueles que logo depois cerrariam fileiras com Malfatti na Semana de Arte Moderna, em 1922 — evento cujo caminho fora pavimentado justamente pela Exposição de Anita. Em ambos os casos, o que estava em jogo era a desprovincianização da arte brasileira, em um processo radical de renovação estética. Mas a polêmica, derivada da novidade que traziam seus trabalhos, também lhe causou dores de cabeça, como a devolução de quadros vendidos após a publicação de uma crítica negativa escrita por Monteiro Lobato no jornal O Estado de S. Paulo.

“Grupo dos Cinco”, 1922.

O centenário deste capítulo crucial da história da arte no Brasil será lembrado, partir desta terça-feira (7), em uma exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo. A retrospectiva Anita Malfatti: 100 anos de arte moderna traz uma visão de conjunto sobre a obra da pintora, percorrendo mais de cinco décadas de sua produção em quase 70 trabalhos. Distribuídos em diferentes períodos criativos, mostram, por exemplo, os retratos familiares que caracterizaram seu trabalho nos anos 1920 e a representação de festas populares que fez nos anos 1940. Segundo Regina Teixeira de Barros, curadora da mostra, o objetivo é o de revelar “uma artista que colaborou para a construção de uma história da arte brasileira em diversos momentos, não apenas em 1917”.

Modernidade dupla

Paralelamente à exposição de Anita Malfatti, o MAM celebra os 70 anos de abertura da Galeria Domus. O espaço teve vida curta, somando apenas 5 anos de funcionamento na capital paulista, mas marcou o final da década de 1940 ao expor obras de vários dos principais nomes da pintura moderna brasileira do período. O mercado de arte moderna em São Paulo: 1947–51 tem curadoria de José Armando Pereira da Silva e reúne trabalhos de, entre outros, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Alfredo Volpi — todos do acervo do museu.

“Academia XI”, c.1917; “O Homem de Sete Cores”, 1915–16; “O secretário da escola ou Retrato de Bailey”, 1915-16.

A Bravo! bateu um papo com Regina Teixeira de Barros, curadora de Anita Malfatti: 100 anos de arte moderna. Ela falou sobre a importância da pintora modernista e o que orientou a exposição no MAM.

O ano de 1917 foi palco de grandes turbulências e mudanças políticas, tanto no Brasil como no mundo. Como você acha que a individual de Anita Malfatti se conecta com aquele tempo?

O início do século XX foi um período de grandes transformações políticas, sociais, culturais. Nos anos em que Anita viveu em Berlim (1910–1914), a cidade tinha se tornado o epicentro do expressionismo alemão, abrigando membros da Ponte e da Nova Secessão, sediando lançamentos de revistas e galerias de vanguarda, e apresentando exposições de impressionistas franceses, expressionistas nórdicos e futuristas italianos. Em seguida, quando Anita viaja a Nova York (1915–1916), a cidade fervia com as novidades apresentadas no Armory Show (1912), e na atualizadíssima Galeria 291, de Alfred Stieglitz. Os ismos — cubismo, expressionismo, futurismo — ressoavam em Nova York e, mais uma vez, Anita se encontrava no lugar e no momento precisos em que a arte transgredia, e a vida moderna transcorria de maneira intensa. Anita trouxe um pouco dessas vivências para a provinciana São Paulo de 1917, que até então só havia sediado exposições de arte acadêmica.

Qual é a importância da Exposição de Pintura Moderna — Anita Malfatti, de 1917, para a arte brasileira?

Essa foi a primeira exposição de arte moderna realizada no país. Foi portanto um divisor de águas na história da arte brasileira.

A exposição no MAM em homenagem a Anita não é uma reedição da individual de 1917, mas tem obras de diversos períodos da artista. Quais critérios utilizou pra selecionar as obras?

A ideia foi apresentar Anita Malfatti como uma artista que colaborou para a construção de uma história da arte brasileira em diversos momentos, não apenas em 1917. A mostra tem início com um importante conjunto de retratos e paisagens expressionistas exibidos em 1917, que causaram grande impacto no então tradicional meio paulistano, transformando-o de maneira irreversível. Destacam-se ainda desse período inicial os desenhos a pastel e carvão, muitos dos quais a artista evitou expor em 1917, possivelmente por considerá-los demasiado provocativos. A esse segmento seguem-se outros menos conhecidos, mas nos quais Malfatti se mostrou igualmente radical, entre os quais as pinturas realizadas na década de 1920, caracterizadas por um drástico retorno à ordem. Na década de 1930, Anita pintou, sobretudo, retratos de familiares, amigos, intelectuais e membros da elite paulistana, com tons sóbrios e pinceladas estudadas. Na década de 1940 incorporou a seu repertório de imagens procissões e festas populares, também representados nesta exposição. A mostra encerra-se com paisagens produzidas no final da vida, organizadas por meio de uma sucessão de imagens que congestionam o espaço pictórico, resultando em trabalhos aparentemente naïf, reveladores de uma continuada ousadia.

Cem anos depois, ainda se tem a percepção de que as mulheres têm menos espaço que os homens no mundo das artes. O que você acha que mudou de lá pra cá? O que ficou?

Muita coisa mudou de lá para cá. Os 100 anos que nos distanciam da exposição de 1917 nos obriga a olhar para o modernismo de uma maneira mais ampla, não considerando apenas os “anos loucos” da década de 1920 e a busca de renovações formais. O modernismo também inclui uma fase de retorno à ordem, nas décadas de 1930 e 1940, que temos dificuldades de compreender, justamente porque as transformações formais não têm o mesmo impacto. Portanto, podemos dizer [que] uma das mudanças mais importantes é a revisão pela qual a narrativa da história da arte vem passando.

O que ficou? A percepção de que as mulheres continuam tendo menos espaço que os homens no mundo das artes!

Anita Malfatti: 100 Anos de Arte Moderna

Abertura: 7/2, a partir das 20h. Exposição: 8/2 a 30/04. Terça a domingo, das 10h às 18h. Ingressos: R$6 (grátis aos sábados).

MAM: Av. Pedro Álvares Cabral, s/n° — Parque Ibirapuera (Portão 3)— São Paulo.

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