Marina Lima lança "Novas Famílias": "O mundo tá precisando que a gente se coloque"

Disco politizado tem participações de Letrux, Marcelo Jeneci e Silva e vai de São Paulo a Belém, passando pelo funk

Paula Carvalho
Revista Bravo!
15 min readMar 16, 2018

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Foto: Rogério Cavalcanti

Marina Lima tira sarro dos "coxinhas" e da “gente escrota e mesquinha” deste "paisinho" em Novas Famílias, disco novo que lança nesta sexta-feira, 16. Mais politizada que nunca, segundo ela, não há papo para saudosismo: suas influências são o mundo em que vive hoje — dúbio, pois, se de um lado há um avanço enorme da direita conservadora, existe também novas possibilidades de constituir famílias e direitos LGBTQ mais estabelecidos. Além disso, uma nova era nas relações entre mulheres: "Minha mãe me ensinou muita coisa. E eu não via minha mãe, mulher número um na minha vida, não via essa relação como uma competição, não tinha inveja dela. Eu tendia a admirar e confiar em outras mulheres, porque o exemplo que eu tive sempre foi muito positivo. Mas, naquela época, era o tempo inteiro era uma enfraquecendo a outra. E eu acho que isso mudou. Com uma consciência maior e uma renovação das gerações."

Para produzir o disco — lançado em formato independente, pela Pommelo — , chegou via Marcelo Jeneci (que também participa do álbum) a Dustan Gallas, que é guitarrista, baixista, tecladista, produtor e membro do Cidadão Instigado. Também chamou colaboradores como Arthur Kuntz (da Strobo), Letrux, que participa em Mãe Gentil (Arthur Kuntz/Marina Lima/Letícia Novaes), Silva, que é um dos coautores e participa de Mercosul.

Em São Paulo há 8 anos, Marina ainda se admira com a cidade, cita Gasolina, do Teto Preto, e Criolo em Juntas, vai a Belém em É Sexy É Gostoso, e, como faixa bônus, traz uma versão em estúdio de Pra Começar, até então só gravada ao vivo. Desta vez, duas das músicas (Só os Coxinhas e Juntas) são composições inéditas com Antonio Cicero, poeta e filósofo, irmão de Marina que toma posse nesta sexta na Academia Brasileira de Letras.

Os shows de Novas Famílias estreiam em São Paulo no dia 21 de abril, no Sesc Pompeia, e 5 de maio no Circo Voador, no Rio de Janeiro. A Bravo! encontrou Marina para conversar sobre o disco justamente no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. "É a primeira vez que uma mulher vem me entrevistar da Bravo!. Nunca tinha sido entrevistada por uma mulher da Bravo!. Tem uma coisa acontecendo. Tem mais mulheres instrumentistas, tem mais mulheres mostrando o trabalho autoral." Veja o papo.

Você diz que nunca se sentiu tão envolvida com o Brasil. Por isso a politização do disco?

É necessário. O mundo tá precisando que a gente se coloque. Seria melhor se a gente não precisasse fazer nada, só curtir a vida [risos]. Mas por essas e por outras que a gente agora vai ter que correr atrás do prejuízo e se colocar. Se a gente não se organizar minimamente, todo esse mundaréu de gente de direita no mundo todo vai fazer com que quem, como eu, quer um mundo mais livre, onde os direitos individuais importam, tenha a vida atrapalhada. Chega num limite. Se você não se colocar, vai perder a vida que quer ter.

Engraçado é que defendem certos direitos supostamente individuais, como “portar armas”, mas não o direto ao aborto, ou à legalização das drogas ou ao casamento gay.

É tudo muito egoísta. Eu estou falando de Estados Unidos, Brasil, que são sistemas que estão bem mal. Brasil pobre, péssimo, e Estados Unidos também, bem de direita com esse louco aí. Eles não olham pro próximo, pra uma ação coletiva. Se preocupam com poucos que têm dinheiro e que querem manter aquilo nem que seja a preço de bala. Entendeu? Não se preocupam com a comunidade, com os outros, com a pobreza.

Como é, depois de uma carreira tão longa e tendo um público tão amplo, se posicionar tão veementemente na política — por exemplo, falando dos “coxinhas” e da “gente escrota e mesquinha”? Como isso fica para o público?

Vou te falar: eu não parto no meu trabalho a partir do público. Meu trabalho parte de mim mesma. Só que como eu sou uma pessoa muito pouco nostálgica, pouco saudosista, vivo muito o presente, o mundo contemporâneo. Estou muito ligada às coisas que estão acontecendo, isso me influencia. E aí eu lanço meu trabalho. E aí — tudo bem, eu sou uma pessoa mainstream. Muita gente se aborrece, não queria que eu fizesse isso, outras pessoas aderem, porque veem em mim algo que precisam ouvir. Isso ressoa conforme o mundo em que a gente tá vivendo. Mas pra mim também é assim. Eu vou atrair aquilo que me interessa no momento e perder aquilo que se desconectou de mim mesma. Fazer o quê?

É bem corajoso.

Eu não sei, porque sempre fui assim. É uma extensão da minha personalidade. Eu sempre corri risco e tal. Mas não porque eu adoro correr risco. É que sempre tinha alguma coisa que eu sentia que estava me tolhendo em algum momento. E eu tinha que ultrapassar aquilo. Então na realidade crises e dificuldades fazem você se superar e dar um passo adiante. Então, isso é o que eu espero de mim, entendeu? Não poderia ser diferente. Eu vou assim no decorrer da minha carreira em diferentes momentos. Por essa ou aquela razão, eu tomei posições — que estavam também explícitas na minha música. Não é que a música tenha que ser política, mas no meu caso é que a música é a minha política. É a minha expressão.

Como aconteceu a parceria com o Dustan Gallas?

Foi incrível. Eu cheguei nele através do Marcelo Jeneci. Eu moro aqui em São Paulo tem 8 anos. Uma das pessoas que eu conheci que fiquei mais impressionada foi o Jeneci. Quis compor com ele, acabamos não conseguindo, mas ficamos com uma ligação muito forte. E é uma pessoa que eu mostro o que faço, que me mostra, que eu solicito, que pergunto. A gente tá sempre se conectando. E ele me mandou um whatsapp falando: eu estive pensando, a pessoa que você podia estar ligada nesse momento, pro disco novo, é o Dustan Gallas. Procura esse cara. Você vai gostar dele. E eu procurei e tive uma empatia enorme com ele. Uma ligação musical espontânea, a comunicação foi muito fácil. Com um agravante positivo: o Dustan é da Parnaíba (no Piauí), que é a terra do meu pai. Até então eu só conhecida a família do meu pai de lá. Aí fui conhecer em São Paulo um sujeito da Parnaíba, que foi morar cedo em Fortaleza e escolheu São Paulo, e tivemos uma afinidade enorme. Foi uma coisa meio assim: era pra gente se conhecer mesmo. Não acredito em acaso. Tava escrito. E foi maravilhoso, foi mais fácil, ele entendia tudo. E traduzia e me ajudava, era uma potência. Ele é o produtor do disco comigo.

E as parcerias no disco?

A Letícia [Novaes, do Letrux] é minha amiga, conheço ela há algum tempo, quando ela ainda era do Letuce. Eu chamei ela pra fazer uma letra comigo. O Arthur [Kuntz, do Strobo] é de Belém. Por isso que eu falo também em novas famílias: tem uma coisa com o Brasil — Belém, Parnaíba, Rio Grande do Sul, Mercosul, Rio de Janeiro, São Paulo. O fato de ter vindo morar em São Paulo me aproximou do Brasil. Eu sendo carioca… o Rio é uma cidade deslumbrante. E ela te cega. E acaba que você fica voltada pro Rio, pro próprio umbigo. É uma coisa de cegar, quase Narciso. Você nasceu ali, e que cidade, que cidade… Você acredita naquilo. E acaba que não vê tanto. Pelo menos há 8 anos era isso. Por isso que eu saí. Precisava me misturar mais, sabe?

E você continua gostando de São Paulo, depois desses 8 anos?

Eu adoro morar aqui. Só não gosto da poluição. A gente pensa que ela não existe, mas é muito nociva para a saúde. E acho que o governo estadual faz muito pouco por isso. E acaba deixando a população doente.

E o que você costuma fazer em São Paulo?

Primeiro, é uma cidade muito grande. Tudo o que se quer tem aqui. Eu gosto de ter tudo na mão, de ter bons restaurantes, de ter alguns poucos e grandes amigos, que já estavam aqui antes, pessoas diferentes que eu fui conhecendo. Pessoas que eu pude escolher a partir do agora e que eu não conhecia antes. Teve todo um leque — não enorme, porque sou seletiva, meu temperamento é introspectivo — mas todo um leque de amigos que eu fiz aqui. E que eu pude escolher, que tinham a ver comigo. Renato [Gonçalves, pesquisador e colaborador da Bravo!], por exemplo. Pessoas assim. São Paulo me trouxe uma liberdade e uma sensação de poder recomeçar. Foi libertador, foi maravilhoso, fascinante pra mim. Me renovou. Ir ao cinema, sair com amigos, tomar um porre. E ver um coletivo novo… coisas que eu gosto.

Como você fala na música Juntas, citando Criolo, Mamba Negra.

É, a Mamba Negra eu fui assistir duas vezes e fiquei louca pela música Gasolina. Acabei conhecendo elas, tomamos um porre, a Laura [Diaz], eu, um monte de gente. São Paulo me trouxe o Dustan, o Arthur. São várias pessoas que eu não conheceria no Rio porque elas moram aqui. E foram fascinantes para o meu trabalho musical e para um enriquecimento artístico, maneira de ver o mundo, misturar com coisas que admiro, e também passar o que conheço pra eles. Uma troca maravilhosa pra mim.

Nessa música você também fala que o Rio se zangou de você ter vindo pra cá.

Não tem um “E quando eu me zango, Marina”? Eu sempre adorei isso [canta Dorival Caymmi]. Eu achava uma intimidade alguém falar que tinha se zangado. Aí eu resolvi brincar com o Rio, que é minha cidade, e eu sei de algumas pessoas que ficaram meio chateadas comigo. E fiz essa brincadeira. Como se o Rio fosse uma Marininha. Fica essa coisa de duelo, como se fosse time de futebol, eu acho uma loucura porque é tudo nosso. A junção de Rio e São Paulo só reforça o Brasil. É uma música em que eu brinco com o Rio e ao mesmo tempo reforço a necessidade da gente amar e torcer pelo Rio e por São Paulo.

Não sei qual está pior atualmente. Acho que o Rio.

O Rio tá pior. Agora, eu saí do Rio antes de tudo isso acontecer. Quando eu saí do Rio, o Cabral não era nem governador. Ele nem tinha tido o primeiro mandato, então não peguei nem o Cabral. Eu saí antes. Pra mim tava mal porque eu vivia num círculo vicioso, e aquilo não estava fazendo bem à minha criatividade. Eu quis sair. Quando eu saí até teve um boom. Eu torci, tomara que isso tudo oxigene o Rio. Mas, ao contrário, acabou acontecendo esse inferno todo, e agora pra completar um pastor, que não tem nada a ver com o Rio de Janeiro. É hora de reagir.

E uma intervenção militar, né?

Por isso que eu acho, por exemplo, a Paula Lavigne uma figura importante agora no Rio de Janeiro. Ela criou esse movimento das 342 Artes, esse movimento de levar exposições que o Crivella começou a barrar, o Procure Saber, que foi importante para fortalecer o direito autoral no Brasil. A gente chama ela de Mainha, né [risos]. Pelo menos tem a Paula lá pra tentar fazer com que o Rio não afunde. E não banque a ovelha de um pastor. E, na realidade, não foi que esse cara ganhou. É igual ao Trump. Foi a abstinência enorme. Na abstinência, prevalece isso. Porque todo mundo tá com horror a política. Mas se a gente não ajudar, pode cada vez se afundar mais. A gente está na mão dessas pessoas, por isso esse disco, por isso novas famílias.

O que você está esperando desse ano de eleição?

Eu tô preocupada com os candidatos. Tem que haver candidatos que consigam, inclusive, tempo de televisão. Porque hoje em dia tudo é muito midiático. E de lobby. É um país enorme, tem quem compre votos porque, se você está morrendo de sede, claro que vai votar naquela pessoa que te compra água. Hoje em dia no Brasil a religião tomou conta da educação. O Brasil não está mais com aqueles programas que tinham na época do Lula pra educação… O que substituiu foi a igreja. O povo é muito desesperançoso, ele quer se agarrar a alguma coisa, tem direito disso. Que seja um pastor ao menos. A religião tomou esse lugar, e eu estou muito preocupada. Nesse caso, se for pra ter alguém evangélico, que seja a Marina. Pelo menos tem um histórico político, que já disse que o Estado é laico. Eu também tenho uma simpatia enorme pelo Ciro Gomes, com todo o destempero dele. Acho que ele é um homem que ama o Brasil e é competente. Eu quero ver os candidatos, isso que me preocupa.

Foto: Rogerio Cavalcanti

Por outro lado, essa coisa das novas famílias é bem otimista.

Várias coisas aconteceram, houve vários avanços. Em questões de direitos LGBT, negros, mulheres, população trans. Tem uma conscientização de grupos que eram minorias, que têm menos poder aquisitivo, as pessoas se uniram mais e conseguiram avanços. Então novas famílias são formadas. Antigamente, um casal gay só podia ficar eternamente namorado. Era quase uma relação infantil, porque não podia crescer além disso. Hoje em dia uma relação gay pode evoluir para terem plano de saúde, herança, para adotarem crianças. A relação se solidifica, amadurece, tem um lugar na sociedade. Torna-se um cidadão. Essas coisas criaram novas possibilidades, de novas famílias. E isso é bacana, me alegra, me impulsiona, me anima.

E, no disco, tem uma linha que vai de Pra Começar [de 1986] até Novas Famílias.

Uma amiga que quero muito bem, a Monique Gardenberg, uma cineasta muito inteligente e batalhadora, me ligou pra falar que tinha gostado do disco e dizer que achou impressionante eu ter regravado Pra Começar, que é tão atual. De novo a gente está tendo que falar “não à Pátria, família e religião”, não a essa coisa fanática da direita — que agora é Movimento Brasil Livre –, e que aparece cada vez com uma sigla diferente. Querendo tirar a liberdade individual, se meter na censura. Essa música era importante neste momento. Foi até o Renato [Gonçalves] que me sugeriu. Ele lembrou que só tinha uma gravações ao vivo [desde o Todas Ao Vivo]. Por que não fazer uma gravação de estúdio, com a banda? E aí ficou como uma faixa bônus.

Fez todo o sentido e faz uma linha histórica no disco.

Pois é, acho bacana essa coisa de comprar uma música, baixar uma música só, tem gente que tem menos grana. Mas como artista, quando você faz o disco, toda a ordem tem um sentido. Tem um encadeamento. É bom quando alguém pode ouvir as músicas como você encadeou. É que nem um livro, que tem vários capítulos. Já pensou comprar só o capítulo 8? Você pode até entrar em contato com algo do artista, mas não com a depuração, o pensamento. Eu gosto da coisa de ordem.

Nisso o disco faz todo o sentido, começa no Rio e em São Paulo, vai chegando no Norte, depois tem a coisa do Mercosul.

Acaba no Mercosul.

É um disco independente?

Sim, lançado pela Pommelo, é uma distribuidora. Pommelo é um selo independente que lança Tulipa [Ruiz], já lançou Anelis [Assumpção], Criolo. É da Helô Aydar. É um selo interessante que faz muita coisa. É a primeira vez com ela.

Você está bem mais próxima dessa cena independente de São Paulo.

É o que eu quero pro meu trabalho. Eu sempre gostei disso. Antigamente, o formato era outro, havia gravadora e tudo isso. Era bom, era legal, mas naquela época. Tem artistas que continuam nessa — Caetano [Veloso], por exemplo, está ligado a tudo o que acontece politicamente, mas até hoje lança o disco pela Universal, ele tem uma estrutura de gravadora. Isso não é uma raiz comum. Até o Chico [Buarque] está na Biscoito Fino, que é independente. O Caetano é de uma gravadora dessas antigas. Acho ele admirável, estar numa major, e tal.

Mas você gosta mais desse modelo atual?

Hoje em dia, pra mim, é o que funciona. Antigo não funcionaria mais. Mas vou te falar qual é a vantagem de gravadora desse tipo multinacional, feito Universal, Sony: é que elas pagam rádio. Pra tocar. Até hoje tem essa coisa de pagar rádio. Algumas não, mas a maioria é com jabá. Então essas majors — não o trabalho de todo mundo — mas o de um Caetano, uma Ivete [Sangalo], pagam. E se não pagar, pode tocar como pode não tocar. Essa é a grande vantagem dessas multinacionais. E nas gravadoras independentes, o trabalho é mais suado. Mas o mérito é mais da coragem da rádio, da boa índole da rádio, do valor do trabalho, do nosso esforço, entendeu? Tem um lado bacana. As coisas tão mudando — tá tudo mudando. Não tem nenhum segredo que estou escondendo. Mas o mundo progressista, esse mundo quer mais chance pra todos, não tem grana pra pagar jabá, não tem os espertalhões. Tá mudando devagar. De novo, essas pessoas que estão no poder, esses egoístas, estão com os dias contados. Eu sou otimista. Foi me dado esse tempo pra viver, sabe? Eu falo as coisas que acredito, e não quero perder meu entusiasmo. Porque a tristeza não leva a nada. Isso eu aprendi com a vida.

Nesses seus mais de 40 anos de carreira, você já deve ter visto várias situações da mulher no mercado da música. Como você está vendo a nossa situação hoje? Melhorou, é diferente?

Acho que melhorou porque o mundo melhorou. Tem uma geração nova também tão interessante, tão em outra, tão pé no chão, tão independente disso tudo. Acho que está melhor sim. Tem menos preconceito, as mulheres estão ocupando mais espaços. Não o bastante ainda. Você é jornalista de uma revista chamada Bravo!. É a primeira vez que uma mulher vem me entrevistar da Bravo!. Nunca tinha sido entrevistada por uma mulher da Bravo!. Tem uma coisa acontecendo. Tem mais mulheres instrumentistas, tem mais mulheres mostrando o trabalho autoral. Acho importante tocar. Por que que as mulheres não podem tocar um instrumento? É tão bom tocar. Você compõe melhor. Agora, grandes cantoras não precisam fazer nada. Cantoras são sereias. Quem canta bem, aquilo já basta. Tem que ter muita responsabilidade com isso, porém. Porque se não você fica hipnotizando alguém e o leva à morte (risos). Tem muitas possibilidades com a sua voz. Quanto mais a gente aprender a tocar, melhor.

Achei legal que você chamou a Maria Beraldo, por exemplo, no disco.

Ela é o máximo. Ela toca lindo o clarinete e é uma mulher muito interessante, acho graça. Sigo ela no Instagram e tem uma geração de pessoas com personalidade própria, não parecem gado, olhando o mundo de uma maneira… com cuidado mas com poesia. É uma pessoa dessas. Dustan. Eu. O mundo precisa. Escrevi hoje no meu Instagram, falei que eu queria viver num mundo mais justo e delicado conosco. Uma das coisas bacanas de nós mulheres, mesmo a mais proativa, a mais colocada, ela tem uma delicadeza, sabe? E isso está faltando nesse momento tão bélico. Tem três artistas brasileiras que admiro muito. Cada qual no seu quadrado, cada qual com sua mensagem, com sua maneira, mas que acho que são tão importantes para dar dignidade a nós artistas mulheres. Fernanda Montenegro, Rita Lee e Maria Bethânia. São três mulheres foda, que dá orgulho de tê-las no Brasil. Não tenho nada a ver com a carreira de nenhuma das três, mas são as mulheres que eu mais admiro. Olha o que a gente pode ser. Cada uma escolhe uma coisa, vai nessa trilha e não tem pra ninguém.

Vi que você fala também no Instagram que é uma época em que as mulheres se ajudam, são parceiras.

É. Olha, eu tenho 62 anos. Você é duas ou três gerações depois da minha. Eu nasci numa família muito bacana, politizada e bacana, nada repressora. Meu pai e minha mãe eram ótimos e tal. Mas eu percebia que havia o tempo inteiro e uma rivalidade, era muito difícil uma mulher torcer pela outra. Estavam sempre competindo, entendeu? Achava aquilo chato, porque eu adorava minha mãe, por exemplo. Minha mãe me ensinou muita coisa. E eu não via minha mãe, mulher número um na minha vida, não via essa relação como uma competição, não tinha inveja dela. Eu tendia a admirar e confiar em outras mulheres, porque o exemplo que eu tive sempre foi muito positivo. Então eu fui encontrando uma pessoas pelo caminho… porcos espinhos, sabe? Cada reação… que você não vê nos homens. Mas nisso os homens são tão sábios. Eles são muito mais unidos, eles praticam jogos, fazem time, eles se unem. Só chegam a rivalizar numa situação muito extrema. Por isso que eles conseguem tanto. E as mulheres, naquela época, o tempo inteiro era uma enfraquecendo a outra. E eu acho que isso mudou. Com uma consciência maior e uma renovação das gerações. Que nasceram sem esse ranço, que já conseguem ver as mulheres como companheiras, como cúmplices. Graças a Deus. Tudo mudou, as coisas não ficam de um jeito só. Como o mundo não é parado, está em movimento, tudo se move e as forças retrógradas também se mexem. Então o mundo é um organismo vivo, está em constante movimento. Nunca você pode achar que terminou. Tem sempre alguma coisa que você pode fazer pra melhorar, entendeu?

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Paula Carvalho
Revista Bravo!

jornalista, doutoranda em sociologia na usp. quase tudo em torno de som 🎛 pra mandar mensagem: paula.cncarvalho@gmail.com