No olho do furacão
A jovem fotógrafa Isabella Lanave vem despontando na fotografia com trabalhos em coletivos como o R.U.A. e ensaios pessoais
Foram 10 minutos de choro. As lágrimas escorreram entre o subir e o descer do palco no Museu da Imagem e do Som em São Paulo, em maio de 2017. Isabella Lanave recebeu a incumbência de apresentar, no mesmo tempo que durou seu choro, o projeto que vinha desenvolvendo sobre sua mãe, Fátima. Antes de subir ao palco tinha recebido uma mensagem que carregou ainda mais a apresentação: sua mãe receberia, nos próximos dias, alta da clínica psiquiátrica em que estava internada. Foi assim, do alto de seus vinte e três anos, que ela subiu ao palco do auditório lotado e falou, chorou e marcou sua trajetória como fotógrafa.
Natural de Curitiba, Paraná, Isabella se formou em jornalismo em 2016. A fotografia a acompanhou durante a graduação e, mesmo antes do final dela, já era seu principal interesse e meio de expressão. Nos últimos dois anos a sua carreira cresceu em proporções invejáveis, em um ritmo difícil de acompanhar. Trajetória que começa no R.U.A. Foto Coletivo, uma experiência inicial de vendas de pautas e de trabalho em grupo, caminhando ao lado de diversos grupos de fotografia de rua que prosperaram desde as marcantes manifestações de 2013. Deste período, Isabella carrega os primeiros aprendizados da vida como fotógrafa profissional, ainda com os dois pés no fotojornalismo.
Além do R.U.A., uma outra organização é marcante na carreira de Isabella: a YVY Mulheres da Imagem. Foi graças a um convite de Marizilda Cruppe — figura que constantemente aparece em momentos essenciais na vida da fotógrafa — que Isabella entrou para a rede de mulheres criadoras e se viu acolhida, entendendo que seus desafios e dificuldades são compartilhados, que há a necessidade de uma organização e de um espaço para troca e crescimento das mulheres no campo da fotografia.
“A YVY apareceu em um momento muito importante na minha vida, em 2016, e abriu um nova porta na minha cabeça. Eu estava começando o trabalho com a minha mãe, começando a me entender como mulher, pensando no feminismo e como tudo isso marcaria minha produção. Foi a primeira vez que eu participei de um grupo só com mulheres e entendi que as questões que me afligiam eram compartilhadas, isso tirou minha vergonha de expor estes problemas, me deu um respaldo a mais para continuar produzindo de maneira mais forte e independente.”
Foi em um encontro da YVY, aliás, que surgiu o convite para os dez minutos catárticos no palco do Maio Fotografia no MIS. Mônica Maia, curadora e uma das sócias da DOC Galeria, fez o convite e, posteriormente, levou uma imensa imagem de Fátima para as exposições da Mostra SP de Fotografia de 2017. Além dos já mencionados eventos, as imagens de Isabella tem circulado por veículos dos mais interessantes: ela foi apontada como umas das 34 fotojornalistas mulheres a serem seguidas pela TIME, foi publicada na Vice ao lado de Alessandra Sanguinetti, uma de suas grandes referências, e em 2018 concorre a uma das vagas na JOOP Swart Masterclass, uma dos eventos de maior prestígio para jovens fotojornalistas.
Em meio a este sem-fim de acontecimentos, Isabella encontra, passo a passo, sua maneira de apresentar o mundo, os temas que a interessam e a maneira de lidar com estes. A proximidade de suas imagens, a liberdade em suas composições e um entendimento cada vez mais plural da fotografia a permitem criar além das pautas de jornalismo, produzindo ensaios cada vez mais sólidos.
“Fica cada vez mais claro para mim que os temas que eu tenho buscado nos últimos dois anos lidam, primordialmente, com questões de gênero e de saúde mental. Tanto o trabalho feito com a minha mãe quanto outros menores ou ainda em desenvolvimento lidam com estas questões diretamente e sinto que estes são temas que irão me acompanhar por algum tempo.”
Fátima, ensaio que leva o nome da mãe da fotógrafa, é um dos grandes projetos de sua carreira até aqui. De início, o trabalho seria sobre a relação da fotógrafa com sua família, seu encontros e desencontros, mas aos poucos Isabella percebeu que as imagens gravitavam em torno de sua mãe e de seu transtorno bipolar. Assim a produção foi ganhando contornos mais precisos e liberdade para criar cenas que representassem o estado de espírito da mãe e os efeitos destas transformações na sua relação com a filha.
Do ensaio, chama a atenção o apuro, a proximidade das imagens e a percepção de que a cada foto construída pela dupla fotógrafa-fotografada a relação ganha novos caminhos, novas forças e um entendimento mais próximo, buscando uma relação menos turbulenta. Assim voltamos ao olho do furacão, aos dez minutos de apresentação e lágrimas que são, no entendimento da própria fotógrafa, seu grande ponto de virada até aqui. Com Fátima sempre presente, Isabella vai traçando seus caminhos na fotografia, com um reconhecimento extremo, rápido e mais do que merecido. Isabella entende de maneira cada vez mais clara que a fotografia é uma maneira de lidar com suas questões mais íntimas, suas relações com as pessoas e o espaço à sua volta, uma maneira de encontrar aceitação. Neste período intenso de desenvolvimento, suas fotografias ganham uma assinatura cada vez mais presente, uma liberdade de criação viva e a noção de que esta trajetória está começando, com um caminho dos mais promissores à sua frente.