O que assistir na 4ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo

Andrei Reina
Revista Bravo!
Published in
6 min readMar 14, 2017
Cena de “Avante, Marche!”, da companhia belga les ballets C de la B (Foto: Phile Deprez)

A Mostra Internacional de Teatro de São Paulo abre hoje (14) à noite com a apresentação da companhia belga les ballets C de la B, que faz a estreia sul-americana de Avante, Marche! para convidados no Theatro Municipal. Até o dia 21, dez espetáculos de diferentes países ocupam diversos palcos da cidade.

A programação inclui peças como a chilena Mateluna, de Guillermo Calderón, e a alemã Por Que o Sr. R. Enlouqueceu?, do grupo Münchner Kammerspiele, além de uma mostra do artista libanês Rabih Mroué. Trabalhos situados na fronteira do teatro também têm vez, como Para que o Céu Não Caia, espetáculo de dança de Lia Rodrigues indicado ao Prêmio Bravo!, e a performance Black Off da atriz e diretora sul-africana Ntando Cele, que satiriza a figura da “boa mulher branca”. O debate racial atravessa outras duas produções locais: A Missão em Fragmentos: 12 cenas de descolonização em legítima defesa, com direção de Eugênio Lima, e Branco: o cheiro do lírio e do formol, de Alexandre Dal Farra e Janaina Leite. Uma série de debates, seminários e encontros entre artistas e público completam a programação.

Para saber o que assistir na mostra, a Bravo! ouviu os destaques de algumas pessoas da área, que indicam o que é imperdível e no que vale ficar de olho. Nossos guias pela 4ª MITsp são a diretora, dramaturga e crítica de teatro Gabriela Mellão; a atriz-MC, diretora, slammer e pesquisadora Roberta Estrela D’Alva, da companhia de teatro hip hop Núcleo Bartolomeu de Depoimentos; e o crítico teatral Ruy Filho, que edita a revista Antro Positivo e é curador do Teatro do Centro da Terra.

Leia a seguir o que eles disseram:

Gabriela Mellão:

Cena de “Por Que o Sr. R. Enlouqueceu?”, do grupo alemão Münchner Kammerspiele (Foto: Ju Ostkreuz)

Apesar de mais enxuta em 2017 pelo corte orçamentário sofrido de aproximadamente 20%, a MIT não perde o posto de evento teatral internacional mais relevante da cidade de São Paulo. Antonio Araújo e sua equipe continuam apresentando espetáculos que primam por experimentação e ousadia, e são destaques recentes dos grandes festivais mundiais da atualidade. É o caso de Avante, Marche! da companhia belga les ballets C de la B. A peça pisa agora, pela primeira vez, em solo sul-americano e não pode ser denominada teatro, dança, música ou circo. É a mistura dessas linguagens, combinada segundo a habilidade singular do diretor Alain Platel de encontrar potência em fragilidades individuais, herança de sua experiência de início de carreira como psicólogo de crianças deficientes. Inspirado no filme homônimo de Fassbinder, o espetáculo Por que o Sr. R. Enlouqueceu? também se ressalta na programação. Criação da Münchner Kammerspiele, companhia de prestígio da cena alemã hoje, também encontra sua força no hibridismo de linguagem, na estética inovadora e na maneira inusual de pensar o trabalho de atuação — através do uso de máscaras e vozes pré-gravadas que robotizam o elenco e convidam o espectador a uma confrontação com sua própria humanidade. O libanês Rabin Mroué ganha mostra especial na programação este ano, composta por três espetáculos. Artista plural que acumula diferentes vertentes da criação teatral, ele faz uma mistura única de teatro político, documental e social em cena, criando obras críticas, de estruturas bastante simples, apelidadas por ele de palestras não-acadêmicas. Suas “conferências” percorrem o globo, já foram apresentadas inclusive no MOMA, em NY. Alimentam-se das guerras da atualidade, sobretudo a de seu país natal, levantando questões urgentes sobre a contemporaneidade, através de ângulos sempre originais.

Roberta Estrela D’Alva:

Cena de “Black Off”, de Ntando Cele (Foto: Janosch Abel)

Assim como em outros grandes festivais ao redor do mundo, as questões raciais e de gênero tem ganhado terreno a cada ano na MIT e 2017 parece ser o ano em que esse espaço se ampliou. Para mim, a presença imperdível é a da socióloga e professora norte-americana Patricia Collins, hoje uma das principais referências mundiais nos estudos sobre feminismo, gênero e raça. Ela participa junto com a filósofa Djamila Ribeiro (também referência no assunto no Brasil) da mesa “Feminismo Negro: conhecimento e autodeterminação”. Dos espetáculos brasileiros, estreiam A Missão em Fragmentos: 12 cenas de descolonização em legítima defesa, com direção de Eugênio Lima e 15 performers negrxs em cena, e Branco: o cheiro do lírio e do formol, com direção de Alexandre Dal Farra e Janaina Leite. Ambos são projetos de alto risco em suas propostas de radicalização de pontos de vista sobre a colonização, a negritude e a branquitude. Da África do Sul, vem Black Off, com direção e atuação de Ntando Cele. Esse espetáculo me traz uma curiosidade especial não só pelo tema e pela aproximação com o tipo de trabalho que desenvolvo com o spoken word, mas também pela experiência de uma atriz que se auto-dirige.

Ruy Filho:

Cena de “Mateluna”, de Gullermo Calderón (Foto: Felipe Fredes)

Foi Zé Celso quem me disse uma vez: “não é que uma pessoa não goste de teatro, ela ainda não encontrou o teatro certo para ela”. O teatro certamente depende disso, desse apaixonamento subjetivo e intransferível. Portanto, cabe às mostras e festivais ampliar o espectro de experiências, a fim de oferecer maior chance ao teatro de encontrar seu par. Desde a primeira edição, a MITsp se volta a compor um panorama plural, no qual espetáculos com distintas linguagens compõem eixos específicos. Em sua quarta edição, não é diferente. Neles, alguns artistas e trabalhos se destacam. Representando a forte tendência da última década por uma cena documental, Rabih Mroué apresenta três obras: Revolução em Pixels, Tão Pouco Tempo e Cavalgando Nuvens. Com amplo destaque na cena internacional, o artista libanês discursa sobre política e intimidade com a mesma precisão. Por Que o Sr. R. Enlouqueceu?, a partir do filme de Fassbinder, apresenta ao Brasil uma das mais importantes diretoras da nova cena alemã. Susanne Kennedy, que também participa de uma conversa com o público no Instituto Goethe, assumiu na temporada atual a co-direção artística do lendário Volksbühne Berlin. Sua pesquisa por novas formas de representação do indivíduo amplia o teatro ao contexto performativo dentro de universos próprios das artes visuais. Alain Platel é certamente um dos mais provocativos e inteligentes criadores contemporâneos. Avante, Marche!, do les ballets C de la B foi aclamado pela crítica internacional como um dos seus melhores trabalhos recentes. A companhia já se apresentou em São Paulo e continua como uma interessante novidade. Quem pôde assistir na primeira edição o espetáculo Escola, de Guillermo Calderón, certamente estará ansioso para ver Mateluna, sua continuação. De forma simples, a potência de sua pesquisa resulta na profundidade com que abordas questões políticas complexas e na assertividade das palavras. Por fim, dois brasileiros devem caber nas listas dos desejos: a consagrada coreógrafa Lia Rodrigues, com Para que o Céu não Caia, e o jovem casal Alexandre Dal Farra e Janaína Leite, com Branco: o cheiro do lírio e do formol. Ambos entrarão em cartaz na sequência, o que facilita a todos a corrida por ingressos. Lia, ainda, apresentará seu espetáculo no Festival de Curitiba.

Ingressos

Muitas das peças da MITsp já estão esgotadas, mas todos os teatros, com a exceção das unidades do Sesc, reservam 10% dos ingressos de cada apresentação para serem vendidos no dia. Black Off tem entrada gratuita, mas é recomendável chegar cedo para garantir lugar. Os detalhes sobre locais e bilheterias você encontra no site da mostra.

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