Os destaques da 7ª MITsp
Idealizador e diretor artístico da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, Antonio Araújo comenta os destaques da 7ª edição do evento, que começa na próxima quinta-feira
A Mostra Internacional de Teatro de São Paulo chega à sua 7ª edição na próxima quinta-feira (5) com a apresentação do espetáculo Multidão, da coreógrafa franco-austríaca Gisèle Vienne, no Auditório Ibirapuera. O artista em foco do ano é o ator, diretor e dramaturgo Tiago Rodrigues, um dos principais nomes do teatro contemporâneo em Portugal, onde dirige o Teatro Nacional D. Maria II. Produções de Ruanda, Chile, Índia e Reino Unido também estão contempladas.
Além oferecer ao público brasileiro uma janela para a produção internacional, a MITsp também propõe o caminho inverso. Através da Plataforma MITbr, programadores nacionais e internacionais são convidados a assistir trabalhos com potencial para circulação fora de seus estados e do país. Espetáculos de todas as regiões se inscreveram na convocatória, que teve seleção final dos curadores Grace Passô, Francis Wilker e Alejandro Ahmed.
Haverá ainda ações pedagógicas, como oficinas e rodas de conversa com artistas, um eixo de ações voltado para a visibilidade trans e o seminário Perspectivas Anticoloniais, que promove o encontro de intelectuais e ativistas, como Paulo Arantes e Ailton Krenak.
Para conhecer melhor a programação da MITsp, a Bravo! pediu ao encenador Antonio Araujo, idealizador e diretor artístico da mostra, que comentasse os destaques desta 7ª edição. Leia a seguir.
Gisèle Vienne
“A gente está começando a 7ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, a MITsp, e um dos destaques dessa edição é justamente o espetáculo de abertura, que é Multidão (Crowd), dirigido pela coreógrafa franco-austríaca Gisèle Vienne. Este é um trabalho que, juntamente com outro chamado Babaca (Jerk), de uma certa forma vão mostrar uma parte da obra da Gisèle, do universo dela. Esses dois me parecem trabalhos a serem vistos dentro da programação.”
Tiago Soares
“Na sequência eu destacaria o nosso artista em foco internacional, o Tiago Rodrigues. Também estamos trazendo dois espetáculos dele: By Heart, que vai ser no Teatro Faap, e O Sopro, no Teatro do Sesi. São dois trabalhos onde a questão da memória é trazida para o primeiro plano; essa ideia de uma memória como força de resistência. Hoje o Tiago talvez seja um dos principais encenadores da cena portuguesa. Há muito a MITsp queria trazê-lo e finalmente nessa edição nós conseguimos.”
João Fiadeiro
“Junto com o Tiago Rodrigues a gente tem outro português também muito importante, que é o João Fiadeiro, o nosso pedagogo em foco. Ele vai trazer um espetáculo que está entre a dança e a performance chamado O que Fazer Daqui para Trás. Pra gente é uma alegria muito grande ter o João Fiadeiro, um artista mais associado à dança, mas um artista múltiplo, que navega pela dança, performance, teatro. Como pedagogo em foco ele também vai fazer uma série de atividades — entrevista pública, workshop — sobre o método de trabalho dele, de uma composição em tempo real. É uma presença importante para nós.”
Foco francês
“Além disso, eu destacaria esse pequeno foco francês que a gente vai ter na Mostra. O primeiro trabalho, que eu acho bastante simbólico do diálogo que está acontecendo no país nesse momento, é o Contos Imorais — Parte 1: Casa Mãe, da Phia Ménard. É um trabalho que fala de maneira crítica desse retorno da barbárie que a gente está vivendo, não só aqui no Brasil. Além disso, a gente vai ter talvez um dos grandes nomes hoje da cena francesa, que é o Philippe Quesne, numa coprodução com a Münchner Kammerspiel (um dos principais teatros de Munique, na Alemanha) desse espetáculo chamado Farm Fatale. É um trabalho que — e esse é um dos focos da MITsp nessa edição — investiga outros formatos da cena contemporânea que não aqueles ligados ao teatro documentário. No caso do Farm Fatale, você tem um teatro que é, digamos, hiperteatral, onde você tem o uso das máscaras e de figurino com uma teatralidade muito exacerbada, além desse universo trash, pop, meio desencantado, meio melancólico. É um teatro que está muito nessa chave do patético.”
Feminismo internacional
“Também temos o espetáculo Sábado Descontraído, criado pela ruandesa Dorothée Munyaneza. Ela é de Ruanda mas emigrou para a França, então é uma coprodução entre os dois países. Neste espetáculo ela fala sobre a questão da mulher no período do genocídio de Ruanda [ocorrido entre abril e julho de 1994], fazendo pontes com a atualidade. É um trabalho que traz para o primeiro plano essa questão da mulher tanto quanto Tenha Cuidado, um outro trabalho com o mesmo foco, em um outro país, no caso. É a primeira vez que a gente tem um espetáculo da Índia dentro da programação da MITsp. A Mallika Taneja, performer responsável pela criação de Tenha Cuidado — que fala exatamente sobre a questão da opressão da mulher na Índia hoje — também fará uma performance pública, onde ela faz um convite às mulheres de São Paulo para fazer uma marcha noturna pelas ruas da cidade, para ocupar a cidade nesse período noturno, o que em geral é negado para a mulher.”
Visibilidade trans
“Um outro trabalho que eu destacaria seria o Burgerz, da Travis Alabanza. Ela e a Phia Ménard são artistas trans da maior importância hoje e isto dialoga com outro foco da MITsp nessa edição, que é justamente sobre a questão trans. Burgerz é um trabalho que parte de uma história pessoal da Travis andando pela rua, [quando] foi jogado um hambúrguer contra ela — e não apenas o agressor fez isso, mas também as pessoas que estavam na rua naquele momento não reagiram, ninguém fez nada. Essa conivência com a transfobia é um tema do trabalho. Mas a gente vai ter outras atividades em torno dessa questão trans. Teremos um evento especial, comemorando os 10 anos da criação de O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu, com a apresentação original, criada pela Jo Clifford, que virá apresentar o trabalho aqui em São Paulo pela primeira vez. E, junto com isso, a apresentação da leitura que a Renata Carvalho fez do mesmo texto. Teremos essas duas montagens do mesmo texto, marcando a comemoração dos 10 anos e também na luta contra toda a censura que esse espetáculo recebeu especificamente. Do ponto de vista desse foco trans, teremos também um seminário sobre a pedagogia trans, que se chama Encontra da Pedagogia da Teatra.”
Companhia Bonobo
“Para concluir, também temos um espetáculo chileno chamado Tu Amarás, um trabalho bastante importante de uma das companhias de maior destaque no Chile hoje, que é a Companhia Bonobo. O trabalho ganhou um prêmio em Tóquio recentemente e tem circulado nos principais festivais do mundo. Então vai ser a possibilidade de ver esse trabalho, que eu acho que é importante nesse momento que a gente está vivendo porque fala sobre esse medo do outro, essa recusa do outro, essa dificuldade de a gente dialogar e se encontrar com aquele que é diferente de nós.”
Plataforma MITbr
“Para a MITbr, nós convidamos três curadores: a Grace Passô, o Francis Wilker e o Alejandro Ahmed. São (e isso foi pensado dessa maneira) curadores fora do eixo Rio-São Paulo que escolheram os trabalhos, entre os que se inscreveram. A MITsp faz uma convocatória para o Brasil inteiro e nós tivemos quase 800 espetáculos inscritos, de todos os estados brasileiros. Tem uma coisa que chama muito a atenção na escolha que eles fizeram, o fato de a gente ter uma representatividade nacional significativa. Temos espetáculos de várias regiões do Brasil que não estiveram em outras edições. Das três edições da MITbr é aquela com maior diversidade, do ponto de vista nacional. Além disso, são espetáculos que estão sempre na fronteira entre teatro, dança, performance. Quase todos estão nesse lugar. Vai neste sentido a escolha que foi feita da artista em foco brasileira, a Andréia Pires, também uma artista múltipla, que transita pela dança, pelo teatro, pela performance e pelo cinema — numa perspectiva da dança [pensada] como um modo de enfrentamento do que estamos vivendo no país hoje. Também compõe a MITbr uma outra artista em destaque na edição da Mostra, a Janaina Leite, que vai apresentar o Stabat Mater. A Janaina é a nossa pesquisadora em foco e é um nome em evidência dentro do eixo Olhares Críticos desta edição.”
7ª MITsp — Mostra Internacional de Teatro de São Paulo. De 5 a 15 de março, em diversos espaços da cidade. Confira a programação completa em mitsp.org/2020.