Os destaques da 7ª MITsp

Idealizador e diretor artístico da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, Antonio Araújo comenta os destaques da 7ª edição do evento, que começa na próxima quinta-feira

Andrei Reina
Revista Bravo!
7 min readFeb 28, 2020

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Cena da peça “Multidão”, de Gisèle Vienne (Foto: Estelle Hanania)

A Mostra Internacional de Teatro de São Paulo chega à sua 7ª edição na próxima quinta-feira (5) com a apresentação do espetáculo Multidão, da coreógrafa franco-austríaca Gisèle Vienne, no Auditório Ibirapuera. O artista em foco do ano é o ator, diretor e dramaturgo Tiago Rodrigues, um dos principais nomes do teatro contemporâneo em Portugal, onde dirige o Teatro Nacional D. Maria II. Produções de Ruanda, Chile, Índia e Reino Unido também estão contempladas.

Além oferecer ao público brasileiro uma janela para a produção internacional, a MITsp também propõe o caminho inverso. Através da Plataforma MITbr, programadores nacionais e internacionais são convidados a assistir trabalhos com potencial para circulação fora de seus estados e do país. Espetáculos de todas as regiões se inscreveram na convocatória, que teve seleção final dos curadores Grace Passô, Francis Wilker e Alejandro Ahmed.

Haverá ainda ações pedagógicas, como oficinas e rodas de conversa com artistas, um eixo de ações voltado para a visibilidade trans e o seminário Perspectivas Anticoloniais, que promove o encontro de intelectuais e ativistas, como Paulo Arantes e Ailton Krenak.

Para conhecer melhor a programação da MITsp, a Bravo! pediu ao encenador Antonio Araujo, idealizador e diretor artístico da mostra, que comentasse os destaques desta 7ª edição. Leia a seguir.

“Jerk”, de Gisèle Vienne (Foto: Mathilde Darel)

Gisèle Vienne

“A gente está começando a 7ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, a MITsp, e um dos destaques dessa edição é justamente o espetáculo de abertura, que é Multidão (Crowd), dirigido pela coreógrafa franco-austríaca Gisèle Vienne. Este é um trabalho que, juntamente com outro chamado Babaca (Jerk), de uma certa forma vão mostrar uma parte da obra da Gisèle, do universo dela. Esses dois me parecem trabalhos a serem vistos dentro da programação.”

“By Heart”, de Tiago Soares (Foto: Magda Bizarro)

Tiago Soares

“Na sequência eu destacaria o nosso artista em foco internacional, o Tiago Rodrigues. Também estamos trazendo dois espetáculos dele: By Heart, que vai ser no Teatro Faap, e O Sopro, no Teatro do Sesi. São dois trabalhos onde a questão da memória é trazida para o primeiro plano; essa ideia de uma memória como força de resistência. Hoje o Tiago talvez seja um dos principais encenadores da cena portuguesa. Há muito a MITsp queria trazê-lo e finalmente nessa edição nós conseguimos.”

“O que Fazer Daqui para Trás”, de João Fiadeiro (Foto: Patricia Almeida)

João Fiadeiro

“Junto com o Tiago Rodrigues a gente tem outro português também muito importante, que é o João Fiadeiro, o nosso pedagogo em foco. Ele vai trazer um espetáculo que está entre a dança e a performance chamado O que Fazer Daqui para Trás. Pra gente é uma alegria muito grande ter o João Fiadeiro, um artista mais associado à dança, mas um artista múltiplo, que navega pela dança, performance, teatro. Como pedagogo em foco ele também vai fazer uma série de atividades — entrevista pública, workshop — sobre o método de trabalho dele, de uma composição em tempo real. É uma presença importante para nós.”

“Farm Fatale”, de Philippe Quesne (Foto: Martin Argyroglo)

Foco francês

“Além disso, eu destacaria esse pequeno foco francês que a gente vai ter na Mostra. O primeiro trabalho, que eu acho bastante simbólico do diálogo que está acontecendo no país nesse momento, é o Contos Imorais — Parte 1: Casa Mãe, da Phia Ménard. É um trabalho que fala de maneira crítica desse retorno da barbárie que a gente está vivendo, não só aqui no Brasil. Além disso, a gente vai ter talvez um dos grandes nomes hoje da cena francesa, que é o Philippe Quesne, numa coprodução com a Münchner Kammerspiel (um dos principais teatros de Munique, na Alemanha) desse espetáculo chamado Farm Fatale. É um trabalho que — e esse é um dos focos da MITsp nessa edição — investiga outros formatos da cena contemporânea que não aqueles ligados ao teatro documentário. No caso do Farm Fatale, você tem um teatro que é, digamos, hiperteatral, onde você tem o uso das máscaras e de figurino com uma teatralidade muito exacerbada, além desse universo trash, pop, meio desencantado, meio melancólico. É um teatro que está muito nessa chave do patético.”

“Sábado Descontraído”, de Dorothée Munyaneza (Foto: José Caldeira)

Feminismo internacional

“Também temos o espetáculo Sábado Descontraído, criado pela ruandesa Dorothée Munyaneza. Ela é de Ruanda mas emigrou para a França, então é uma coprodução entre os dois países. Neste espetáculo ela fala sobre a questão da mulher no período do genocídio de Ruanda [ocorrido entre abril e julho de 1994], fazendo pontes com a atualidade. É um trabalho que traz para o primeiro plano essa questão da mulher tanto quanto Tenha Cuidado, um outro trabalho com o mesmo foco, em um outro país, no caso. É a primeira vez que a gente tem um espetáculo da Índia dentro da programação da MITsp. A Mallika Taneja, performer responsável pela criação de Tenha Cuidado — que fala exatamente sobre a questão da opressão da mulher na Índia hoje — também fará uma performance pública, onde ela faz um convite às mulheres de São Paulo para fazer uma marcha noturna pelas ruas da cidade, para ocupar a cidade nesse período noturno, o que em geral é negado para a mulher.”

“Burgerz”, de Travis Alabanza (Foto: Dorothea Tuch)

Visibilidade trans

“Um outro trabalho que eu destacaria seria o Burgerz, da Travis Alabanza. Ela e a Phia Ménard são artistas trans da maior importância hoje e isto dialoga com outro foco da MITsp nessa edição, que é justamente sobre a questão trans. Burgerz é um trabalho que parte de uma história pessoal da Travis andando pela rua, [quando] foi jogado um hambúrguer contra ela — e não apenas o agressor fez isso, mas também as pessoas que estavam na rua naquele momento não reagiram, ninguém fez nada. Essa conivência com a transfobia é um tema do trabalho. Mas a gente vai ter outras atividades em torno dessa questão trans. Teremos um evento especial, comemorando os 10 anos da criação de O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu, com a apresentação original, criada pela Jo Clifford, que virá apresentar o trabalho aqui em São Paulo pela primeira vez. E, junto com isso, a apresentação da leitura que a Renata Carvalho fez do mesmo texto. Teremos essas duas montagens do mesmo texto, marcando a comemoração dos 10 anos e também na luta contra toda a censura que esse espetáculo recebeu especificamente. Do ponto de vista desse foco trans, teremos também um seminário sobre a pedagogia trans, que se chama Encontra da Pedagogia da Teatra.”

“Tu Amarás”, da Cia. Bonobo (Foto: Marcuse Xaverius)

Companhia Bonobo

“Para concluir, também temos um espetáculo chileno chamado Tu Amarás, um trabalho bastante importante de uma das companhias de maior destaque no Chile hoje, que é a Companhia Bonobo. O trabalho ganhou um prêmio em Tóquio recentemente e tem circulado nos principais festivais do mundo. Então vai ser a possibilidade de ver esse trabalho, que eu acho que é importante nesse momento que a gente está vivendo porque fala sobre esse medo do outro, essa recusa do outro, essa dificuldade de a gente dialogar e se encontrar com aquele que é diferente de nós.”

“Fortaleza 2040”, de Andréia Pires (Foto: Renato Mangolin)

Plataforma MITbr

“Para a MITbr, nós convidamos três curadores: a Grace Passô, o Francis Wilker e o Alejandro Ahmed. São (e isso foi pensado dessa maneira) curadores fora do eixo Rio-São Paulo que escolheram os trabalhos, entre os que se inscreveram. A MITsp faz uma convocatória para o Brasil inteiro e nós tivemos quase 800 espetáculos inscritos, de todos os estados brasileiros. Tem uma coisa que chama muito a atenção na escolha que eles fizeram, o fato de a gente ter uma representatividade nacional significativa. Temos espetáculos de várias regiões do Brasil que não estiveram em outras edições. Das três edições da MITbr é aquela com maior diversidade, do ponto de vista nacional. Além disso, são espetáculos que estão sempre na fronteira entre teatro, dança, performance. Quase todos estão nesse lugar. Vai neste sentido a escolha que foi feita da artista em foco brasileira, a Andréia Pires, também uma artista múltipla, que transita pela dança, pelo teatro, pela performance e pelo cinema — numa perspectiva da dança [pensada] como um modo de enfrentamento do que estamos vivendo no país hoje. Também compõe a MITbr uma outra artista em destaque na edição da Mostra, a Janaina Leite, que vai apresentar o Stabat Mater. A Janaina é a nossa pesquisadora em foco e é um nome em evidência dentro do eixo Olhares Críticos desta edição.”

7ª MITsp — Mostra Internacional de Teatro de São Paulo. De 5 a 15 de março, em diversos espaços da cidade. Confira a programação completa em mitsp.org/2020.

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