Poelatria

Uma live com o tradutor, poeta e mais novo octagenário Leonardo Fróes

Bravo!
Revista Bravo!
2 min readApr 6, 2021

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Por Carlos Castelo

Leonardo Froés está fazendo 80 anos. Um poeta tão importante quanto as suas traduções de Faulkner, Swift, Lowry, O’Connor e tantos outros grandes nomes da literatura universal. Na semana passada marquei presença na live em sua homenagem promovida pela A Capivara Cultural. Ali, todos tiveram a oportunidade de ouvir, de viva voz, suas incríveis histórias e de formular perguntas.

Na abertura dos trabalhos, ele disse — de memória — os célebres versos de Mulheres de Milho.

Milhares de mulheres de milho

brotam do meu olho calado como espigas

fortes. No ar elas se endireitam

como folhudas criaturas carnosas

que ao vento se transmudam, de fêmeas,

em formosos penachos machos.

Acho graça na cruza; penso nisso

que é ser mulher a passo

de, sob a vertigem solar, virar confusa

hibridação. Abro-me. Brinco

de me dar. Rapto-me e opto-me

como se eu mesmo fosse me comer inteiro

enquanto as coisas simplesmente nascem.

Em seguida, seus tradutores declamaram o texto em inglês, francês, italiano e espanhol.

A certa altura, indaguei quando e como ele havia se tornado leitor. Revelou Froés que tudo começou, em sua infância, com o livro Aladdin. Depois, seu interesse pelas letras foi crescendo e, aos 15 anos, já tinha absorvido a obra completa de Machado de Assis.

Um das minhas obras favoritas de Leonardo Fróes é Sibilitz, em que ele transita em alguns momentos pela prosa poética. Numa das passagens da live, um participante quis saber o significado do título desse livro. Froés sorriu e disse: “Sibilitz? Eu não sei”.

Eis aí a liberdade do verdadeiro bardo: não é ele quem escreve, são as musas que o inscrevem.

Leia abaixo, uma das poesias de Sibilitz:

XISNADA

nos intervalos é que está a centelha

que acende por exemplo entre duas caras se olhando

num bar ou entre a cara terceira

que aparece derretidamente no espelho atual

do langor matinal de eu também estar a intervalos

como entre o de ter tomado café e puxado um carro

de pedras, em cujo chio prolongado eu percebo

essa mesma intuição de intervalo a que aludia

ao referir-me à hipótese das caras medindo-se

na simples casualidade de um encontro ou esbarro

ou mesmo de uma foda onde a compenetração é maior

e por isso a diluição inevitável e doce

já que é por esse intervalo do silêncio em comum

que ambos vazamos pelo olhar de nenhum

e assim desaparecemos como um lençol.

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