Poelatria
Uma live com o tradutor, poeta e mais novo octagenário Leonardo Fróes
Por Carlos Castelo
Leonardo Froés está fazendo 80 anos. Um poeta tão importante quanto as suas traduções de Faulkner, Swift, Lowry, O’Connor e tantos outros grandes nomes da literatura universal. Na semana passada marquei presença na live em sua homenagem promovida pela A Capivara Cultural. Ali, todos tiveram a oportunidade de ouvir, de viva voz, suas incríveis histórias e de formular perguntas.
Na abertura dos trabalhos, ele disse — de memória — os célebres versos de Mulheres de Milho.
Milhares de mulheres de milho
brotam do meu olho calado como espigas
fortes. No ar elas se endireitam
como folhudas criaturas carnosas
que ao vento se transmudam, de fêmeas,
em formosos penachos machos.
Acho graça na cruza; penso nisso
que é ser mulher a passo
de, sob a vertigem solar, virar confusa
hibridação. Abro-me. Brinco
de me dar. Rapto-me e opto-me
como se eu mesmo fosse me comer inteiro
enquanto as coisas simplesmente nascem.
Em seguida, seus tradutores declamaram o texto em inglês, francês, italiano e espanhol.
A certa altura, indaguei quando e como ele havia se tornado leitor. Revelou Froés que tudo começou, em sua infância, com o livro Aladdin. Depois, seu interesse pelas letras foi crescendo e, aos 15 anos, já tinha absorvido a obra completa de Machado de Assis.
Um das minhas obras favoritas de Leonardo Fróes é Sibilitz, em que ele transita em alguns momentos pela prosa poética. Numa das passagens da live, um participante quis saber o significado do título desse livro. Froés sorriu e disse: “Sibilitz? Eu não sei”.
Eis aí a liberdade do verdadeiro bardo: não é ele quem escreve, são as musas que o inscrevem.
Leia abaixo, uma das poesias de Sibilitz:
XISNADA
nos intervalos é que está a centelha
que acende por exemplo entre duas caras se olhando
num bar ou entre a cara terceira
que aparece derretidamente no espelho atual
do langor matinal de eu também estar a intervalos
como entre o de ter tomado café e puxado um carro
de pedras, em cujo chio prolongado eu percebo
essa mesma intuição de intervalo a que aludia
ao referir-me à hipótese das caras medindo-se
na simples casualidade de um encontro ou esbarro
ou mesmo de uma foda onde a compenetração é maior
e por isso a diluição inevitável e doce
já que é por esse intervalo do silêncio em comum
que ambos vazamos pelo olhar de nenhum
e assim desaparecemos como um lençol.