Poesias de um forasteiro

Repleto de referências em cultura pop, “Forte Apache” ressalta a beleza nas coisas simples da vida

Igor Zahir
Revista Bravo!
3 min readFeb 26, 2018

--

Marcelo Montenegro (Foto: Marcus Steinmeyer)

Antes de o leitor começar a ler o novo livro de Marcelo Montenegro, tenho algumas dicas para entrar no clima: coloque uma música folk pra ouvir baixinho (instrumental, caso a letra o distraia), deite-se numa rede ou no chão, à meia luz e com uma garrafa de vinho ao lado. Pronto, está criado o cenário perfeito para mergulhar nas páginas dessa obra, que reúne três livros — Orfanato Portátil (2003), Garagem Lírica (2012) e o inédito Forte Apache — em um único volume.

Para quem não tem tanto costume de ler poesias — faço mea culpa — o livro é provocante e envolvente, com alguns pontos fortes. Entre eles, as cenas banais, acontecimentos do dia a dia, que, como disse Chacal na orelha, são iluminadas pelo autor. Pensamentos de amor (e desamor), bebedeira, o trajeto com o filho até a escola, a mania de grifar frases ou dobrar páginas de livros, as memórias de um operador de luz, o dia da morte. Tudo vira tema de um texto delicado, sensível, e ao mesmo tempo debochado, boêmio. É impossível (e desnecessário) saber se Marcelo estava apaixonado ou tirando sarro ao escrever certos versos. Como disse Tadeu Sarmento, neste livro as coisas não parecem ser o que são. E é aí que reina o seu encanto.

Outro destaque são as referências pop que o poeta usa, praticamente em todas as páginas. Elizabeth Bishop, Itamar Assumpção, Philip Roth, T.S. Eliot, Federico Fellini, Waly Salomão, entre tantos que estão lá pelo meio. O mais bonito é que o autor lembra-se deles de dentro pra fora, e não apenas para pagar de cult. É visível o quanto aqueles nomes têm importância em sua obra. Tanto que, algo curioso aconteceu enquanto eu lia os primeiros blocos.

Como grande admirador da vida de Patti Smith, a cada três páginas a lembrança da cantora e escritora vinha à minha mente. A todo o momento me lembrei de Só Garotos, o best-seller onde Patti descreve seu inesquecível relacionamento com o fotógrafo Robert Mapplethorpe. Quando comecei a achar que era delírio da minha parte, me deparei justamente com uma menção à dupla. Que sensação fascinante ter em mãos um volume sobre poesia (gênero ao qual eu preciso dedicar mais atenção) e associá-lo a um dos livros de memórias mais belos que eu e o mundo já lemos. Me tornaria fã do autor só por esse motivo. Mas ele mostrou muito mais do que apenas afinidade com meus gostos pessoais.

Tenho o palpite de que suas referências culturais não seriam as mesmas se Montenegro não fosse tão envolvido com o meio musical. Além de ótimo escritor, ele apresenta um show, junto ao guitarrista Fabio Brum, com a leitura de seus poemas. Em um deles, vem a declaração explícita: “O fato é que sou fascinado por melodias. Considero a criação de uma melodia uma das capacidades mais brilhantes do ser humano — uma melodia linda é um milagre”. Se é um milagre, eu não sei. O que tive a certeza foi que, ao ler suas poesias, elas soaram como canções que marcam nossos momentos triviais. Dentro de cada uma delas, seria possível compor uma trilha sonora para as pequenas (e mais belas) coisas do cotidiano.

Não dá pra encerrar essa resenha de outra forma, que não seja exaltando o talento do escritor. Inclusive, é possível fazer isso através de trocadilhos com alguns dos seus trechos. Se os poetas moram dentro de seus poemas, talvez o autor desse livro more num almoxarifado de afetos. Ou num Sanatório Montenegro. Ou até mesmo num Forte Apache. Quem sabe, na verdade, ele seja um forasteiro, misterioso, como diria Patti Smith, “entre o caos e a frustração, cercado de canções inacabadas e poemas abandonados”. E aqui cabe uma citação de Só Garotos: “Ele não tinha certeza se era uma pessoa boa ou não. Se era altruísta. Se era demoníaco. Mas de uma coisa tinha certeza. Era um artista.”

______

Forte Apache, de Marcelo Montenegro. Companhia das Letras, 120 págs., R$ 39,90.

--

--

Igor Zahir
Revista Bravo!

Art advisor. Comentarista da rádio CBN. Crítico cultural. Colunista da Bravo!.