“Reviramos as músicas do avesso até chegar no verso”

Trupe Chá de Boldo lança disco com arranjos para canções de artistas amigos como Alzira E e André Abujamra; veja entrevista

Paula Carvalho
Revista Bravo!
4 min readJun 26, 2017

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Ciça Góes, Felipe Botelho, Gustavo Cabelo, Gustavo Galo, Guto Nogueira, Julia Valiengo, Leila Pereira, Marcos Ferraz, Pedro Gongom, Rafael Werblowsky, Cuca Ferreira, Remi Chatain, Filipe Nader, Tomás Bastos são a Trupe. Foto: Divulgação

A Trupe Chá de Boldo está de disco novo. Desta vez, a banda de “democracia radical” sem líderes partiu de uma questão frequente: “afinal, o que a banda toca?” — e a resposta é: artistas amigos contemporâneos, que fazem música independente. São 10 versões de canções de nomes como Alzira E, Tatá Aeroplano, Iara Rennó, Marcelo Segreto, Negro Leo, além de uma inédita, composta por Peri Pane e ArrudA.

Os arranjos são desconstruções completas. O funk Fiu Fiu, da Filarmônica de Pasárgada, virou um coro de vozes; a bonita Entre o Mangue e o Mar passou de quase um fado (na versão de Fabiana Cozza, do disco Partir) para uma versão com um naipe de metais e guitarras. O grupo convida a reouvirmos (ou conhecermos) algumas pérolas contemporâneas. Veja abaixo uma entrevista com a Bravo! sobre o disco.

Qual foi o critério de escolha das músicas do disco? Veem alguma
relação entre elas?

Em 2016, a Trupe Chá de Boldo completou dez anos de existência, e ao longo desses anos convivemos e trocamos com muitos artistas. A partir disso listamos alguns compositores que participaram de nossos shows ou de nossos discos. Infelizmente, alguns nomes ficaram de fora, mas podemos dizer que o principal critério foi a escolha dos compositores. As músicas vieram depois junto com um processo de muita pesquisa, escuta e drinks. É a nossa história com esses artistas que traçam a relação entre as músicas. A amizade é a linha condutora do Verso.

Como é reinterpretar a obra de artistas que são próximos de vocês? Como eles receberam as versões?

Rearranjar uma música é uma responsabilidade imensa. É muito mais difícil do que levantar uma música do zero. Ao longo do processo procuramos nos distanciar dos arranjos originais. Reviramos as músicas do avesso até chegar no verso. E chegamos em lugares surpreendentes tanto para nós mesmos quanto para os compositores.

Ouça verso pelo link: https://open.spotify.com/album/3nqA06r51KnsBSnzOcsH5k

Existe uma intenção de reforçar a cena independente paulista ou que
atua em São Paulo?

Não tivemos essa intenção. Na verdade, não entendemos muito bem isso que chamam de “cena”. Se nosso disco de alguma forma fortalecer a música independente ficaremos felizes. Mas não temos essa pretensão. Longe disso. Hoje vários artistas considerados de sucesso comercial também produzem de maneira independente. Somos mais do que independentes. A gente produz, faz, inventa de um jeito gostoso. É isso.

Por que o nome verso?

Àquela altura, já tínhamos terminado as gravações. Era um disco de versões. Compositores queridos, canções importantes. Composições afiadas. Era isto que fazia daquilo um conjunto — observando naquele primeiro relance. Não íamos prensar em cd. Discutíamos se prensar fazia sentido hoje. E com estes pensamentos de canto, um dia compondo um outro verso, de repente alguém com uma caneta na mão reparou simplesmente no papel que estava na frente. Dobramos — com direito ao duplo sentido. Dobramos a composição — o encarte pintou ali, um papel dobrado envolvendo o disco. (Teríamos então que prensar um disco). Capa e verso feitas da mesma folha de papel. A prensa era ali um ato necessário. É o verso do som. O verso, lato sensu, é um ato necessário. No som, a versão continha, espelhava e devolvia o original. Chagamos no espelho, que é a o exercício da versão. Na espada, que é o exercício do verso. E na sequência disto nos deparamos de volta com aquelas as canções reunidas para o disco, que coincidentemente ou não, jorravam oposições-verso: cabeça-peito, árvore-edifício (Negro Leo), mangue-mar (Alzira E/arrudA), jardim-capim (Gero Camilo/Tata Fernandes), casa-desamor (Pélico), oração-carnaval (Léo Cavalcanti), e várias, várias outras….

Como foi o processo de produção, que pela primeira vez é assinado
por vocês? Como lidar com essa “democracia radical” na hora de criar
um disco?

Sim, essa é a primeira vez que assinamos a produção sozinhos. Nos
outros trabalhos sempre assinamos juntos de um produtor: Alfredo Belo
(Bárbaro 2010) e Gustavo Ruiz (Nave Manha 2012 e Presente 2015). Essa relação com o produtor nunca passou pela autoridade, pelo contrário, ambos são pessoas muito generosas que propunham e escutavam muito a vontade de cada um. Aprendemos muito com eles, e gostamos muito deles, mas agora achamos que era o momento de ficarmos soltos no mundo. Essa democracia radical nos acompanha desde o início da banda. Nunca tivemos hierarquia, chefe ou líder. Em alguns momentos essa horizontalidade faz com que certas decisões demorem para serem tomadas, mas as coisas seguem ganhando forma e chegamos no resultado final. É claro que cada um tem sua vontade, e se pudesse mudaria uma coisa ou outra no disco, assim como foram os trabalhos anteriores. Somos banda sem líder, e isso é uma delícia!

Shows de lançamento de verso
Belo Horizonte — 30/6 — A Autêntica
São Paulo — 7/7 — Sesc Pompeia

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Paula Carvalho
Revista Bravo!

jornalista, doutoranda em sociologia na usp. quase tudo em torno de som 🎛 pra mandar mensagem: paula.cncarvalho@gmail.com