Roupas Escultóricas

O artista plástico Iran do Espírito Santo juntou-se à sua irmã, a geógrafa e modelista Marta Espírito Santo e, a partir do pensamento plástico do artista — focado no código geométrico preciso, na intimidade com as dobras, inversões, com os tons neutros, compactos ou diáfanos — criou uma coleção de roupas.

Helena Bagnoli
Revista Bravo!
4 min readApr 12, 2018

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Foto: Mauro Restiffe

O Projeto Roupas materializa a parceria esporádica e de longa data dos irmãos, que não tiveram a intenção de desenvolver uma coleção de moda, mas sim criar peças práticas, usáveis, feita de maneira artesanal e sem o compromisso de atender aos ditames do estilismo tradicional e as regras do mercado, pelo contrário, a proposta é uma obra de experimentação, em processo, que se completa com o seu uso.

Iran desenvolveu as estampas, desenhou as peças e Marta as viabilizou, fazendo a modelagem, testando e definindo os tecidos.

As roupas estarão expostas no ateliê do artista até o dia 15 de abril. O registro das peças, reunidas em um catálogo, são do fotógrafo Mauro Restiffe.

Abaixo a conversa da Bravo! com Iran do Espírito Santo

Como nasceu a ideia do projeto Roupas?

Há algum tempo, Marta e eu queríamos fazer um trabalho conjunto. Já havíamos colaborado intermitentemente em algumas fases, desde a adolescência, mas foi desta vez que resolvemos fazer algo mais denso, nos dedicando inteiramente a um projeto comum. Alguns elementos do acaso, e também uma disponibilidade mútua, contribuíram para que tivéssemos essa iniciativa agora.

Você tem ligação com a moda, enquanto expressão de um jeito de estar no mundo?

Não particularmente — o que me interessa é bem mais o design em suas diversas modalidades –, moda, como tendência, não me interessa muito, e creio que posso também falar por Marta, que apesar de ter costurado desde a adolescência, também não se interessa muito por moda.

Por outro lado, vestir-se é um forma importante de comunicação, algo que intermedia nosso estar no mundo. Qualquer roupa traz significados, das mais despojadas e simples às mais elaboradas e ostensivas. Tudo comunica.

Foto: Mauro Restiffe

Como foram pensadas as estampas? Com quantos padrões diferentes você trabalhou?

As estampas partem diretamente de meus trabalhos — dos desenhos, pinturas e esculturas. Trabalhei com três padrões diferentes, alterando as cores e a relação de figura e fundo.

Como foi o processo de criação das peças? Foi a quatro mãos?

Sim, completamente. Eu fazia os desenhos, trazia as ideias, e Marta verificava a viabilidade deles, testando em peças pilotos os tipos de tecidos e as proporções, até chegar numa boa forma que fosse condizente com o corpo e o movimento.

O que une você e a Marta? ( além do fato de serem irmãos, claro)

Desde a infância sempre tivemos um grande interesse por arte em geral. Apesar de Marta ser geógrafa de formação e trabalhar com geologia, ela sempre teve interesse por estética e pelas artes, principalmente o cinema. Desde a adolescência, sempre trocamos essas experiências. Também desde a adolescência, temos uma afinidade política-ideológica que favorece a convivência. Creio que o Projeto Roupas esteja imbuído também de uma preocupação ética, tanto quanto estética, que traduz nossa forma de ver e estar no mundo.

Qual a intersecção desse trabalho com a sua produção de artes plásticas?

Afora a relação mais evidente, das estampas extraídas de meu trabalho, há uma frequência de procedimentos que estão ligados ao meu pensamento espacial e escultórico, como dobras, inversões e volumes originários de planificações, além da paleta de cores.

Foto: Mauro Restiffe

O que une a moda e as artes plásticas?

Há certamente o universo plástico, da visualidade, que é comum a ambas as práticas, mas creio que a moda atual não tenha muito a ver com artes plásticas, ou com arte contemporânea. Na verdade não me sinto muito qualificado a falar sobre isso, porque como disse antes, pouco acompanho a moda. A meu ver, alguns poucos designers, como Issey Miyake, desenvolvem um trabalho que embora seja utilitário, estão mais próximos da arte — são aqueles que menos seguem tendências e que pensam em forma e função de maneira mais livre e poética.

Qual foi a sua maior preocupação nesse trabalho?

Foi ter o mesmo rigor na concepção e produção que aplico aos meus trabalhos. Como é uma atividade muito nova para mim, isso foi bastante desafiador.

Além das roupas em si, uma parte importante desse projeto foi a colaboração de Mauro Restiffe, que fotografou para o catálogo, e Claudio Novaes, que fez programação visual. Anne Cerutti também trouxe uma grande colaboração através de sua experiência como figurinista, por ter tido um olhar externo de interpretação de nossas ideias.

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