Tempero de vida

Em uma casa antiga de Caruaru, os produtores culturais Antonio Preggo e Yone Amorim promovem a Mesa Compartilhada como uma troca de sabores, risadas e energias

Igor Zahir
Revista Bravo!
4 min readSep 18, 2018

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A Mesa Compartilhada às quintas-feiras (Foto: Antonio Preggo e Yone Amorim)

Entrar na casa de Antonio Preggo e Yone Amorim, em Caruaru, no Agreste de Pernambuco, é esquecer por algumas horas toda a adrenalina que guia o ritmo da cidade grande. Se, do lado de fora daquela porta, as pessoas mal têm tempo de se encontrarem para uma refeição sem pressa, na residência do casal acontece um verdadeiro resgate desse momento toda quinta-feira, dia da Mesa Compartilhada. Além do saboroso menu vegetariano, o grupo em torno de seis ou sete pessoas por semana tem oportunidade de trocar experiências e ouvir as histórias dos anfitriões, personalidades conhecidas por toda a sociedade caruaruense.

Para falar sobre o envolvimento de Preggo e Yone no meio cultural, temos que remeter à década de 80, quando ele trabalhou na produção A Peleja do Bumba-meu-boi contra Vampiro do Meio-dia, de Lula Lourenço e Pedro Aarão, documentário ficcional que levou mais de cinco anos para ficar pronto. Naquele meio, Preggo se encantou com o vasto folclore local, como a rica poesia, banda de pífano, boi tira-teima, fogueiros, entre outras manifestações tradicionais da cidade.

Alguns anos depois, ele e Yone lançaram o projeto Arte nas Praças, em pontos estratégicos de Caruaru, com uma feira cultural em que dez artistas mostravam suas criações, e atrações musicais se apresentavam no palco. Mesmo com o sucesso decorrente, eles precisaram passar um tempo afastados daqueles trabalhos, tanto pela gravidez de Hugo, o primogênito, quanto por questões de sobrevivência. Começaram, então, a trabalhar com alimentação natural, preparando marmitas e entregando de moto — atividade exaustiva que deu lugar apenas à produção de pães artesanais.

Yone e Prego, os anfitriões, abrem sua casa para Bravo!

Apaixonado por produção, o casal começou a organizar eventos esportivos e lançou o jornal Curvas e Retas, que durou cerca de dez anos. No meio automobilístico, assumiram a direção do Autódromo Internacional Ayrton Senna durante duas gestões do então prefeito Tony Gel. Quando este saiu do governo municipal, Preggo deixou o emprego no autódromo, e se viu fragilizado, deprimido pela falta que aquela ocupação faria na sua vida. Foi ali que ele começou a aperfeiçoar e transformar a fotografia em profissão. Entre outras exposições, foi com a do Boi Tira-Teima que ele causou uma verdadeira apoteose no meio fotográfico em Caruaru, e desde então os convites foram chegando, ora para trabalhar em exposições encomendadas, ora para apresentar seu trabalho em outros lugares do Nordeste.

Gastro-senso-cultural

Paralelo a isso, surgiu em 2009 o Tempero Cultural, evento que eles fazem até hoje, e que atualmente leva entre 40 e 50 pessoas para a residência deles, em edições especiais que acontecem por temporadas. A de abril passado, por exemplo, teve causa sentimental: Yone e Preggo, juntos há mais de três décadas, oficializaram a união este ano, e a festa aconteceu no dia daquele Tempero, sem que os participantes soubessem o motivo maior do evento. Quando menos esperavam, a surpresa: os anfitriões adentraram o salão vestidos de noivos, e Caetano, o netinho de apenas 1 ano, fez o papel de pajem com um traje de bacamarteiro — outra figura típica da cultura caruaruense. Mais apropriado impossível!

Tudo na história (e na casa) de Yone e Preggo é assim: guiado por um motivo de existir. Nada parece fora do lugar, ainda que o local seja também o ateliê de trabalho de dois artistas. Aliás, apesar da residência ser antiga (tem mais de 65 anos e pertenceu à mãe da produtora) e conservar sua estrutura, cada centímetro com decoração kitsch parece ter vida. Quando o convidado entra, é recebido por uma trilha sonora inconfundível, que vai de Itamar Assumpção interpretando Ataulfo Alves, a Chico César ou Criolo em show da turnê Convoque seu Buda no Cabaret Sauvage, em Paris. O perfume, então, é dos deuses, mesclado pelos temperos e especiarias nas panelas, com os aromatizantes escolhidos por Yone — assumidamente obcecada por cheiros durante seu processo criativo.

As fotos do casal se misturam à objetos do artesanato local (Foto: Antonio Preggo)

Acostumados ao convívio com muitas pessoas, os dois começaram a sentir o lar vazio quando os filhos, Hugo, fotógrafo de 29 anos, e Júlia, publicitária, 24, foram morar em São Paulo. Dentro da cozinha, Yone teve a ideia da Mesa Compartilhada, que originalmente funcionaria naquele mesmo espaço. Mas, com tanta criatividade e aquela casa transpirando vida, eles decidiram usar a residência inteira. Na bela mesa, com a parede ao fundo repleta das fotos de Preggo, e um cardápio vegetariano que tem delícias como o nhoque de inhame com molho pesto e quibe de berinjela, e sobremesas como a banana da terra gratinada com mel de engenho e castanha do Pará, pode-se dizer que uma magia acontece.

Como eu disse no começo, participar da Mesa que acontece toda quinta-feira, há mais de 20 edições semanais, é abrir mão de marcar outros compromissos para as próximas horas. Para a anfitriã, a ideia é justamente resgatar a troca de conversas, de energias (e de ajudas, o que acontece involuntariamente ao nos deparamos perguntando se ela quer nossa colaboração para organizar algo no ambiente), de risadas relaxantes na hora do almoço em grupos pequenos, sem aquela afobação que nos faz perder os melhores momentos de uma refeição que deveria ser sagrada. Quando isso vem acompanhado das histórias de vida de Antonio Preggo e Yone Amorim, não há dúvidas de que a Mesa Compartilhada é uma legítima experiência sensorial, gastronômica e cultural em Caruaru.

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Igor Zahir
Revista Bravo!

Art advisor. Comentarista da rádio CBN. Crítico cultural. Colunista da Bravo!.