Poelatria

Toda a poesia de Ferreira Gullar e todo o talento de Ana Martins Marques e Júlia de Carvalho Hansen

Bravo!
Revista Bravo!
3 min readJul 27, 2021

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Por Carlos Castelo

Ferreira Gullar. Um Ribamar que eu, filho de maranhense, gostaria tanto de ter conhecido. Nasceu no mesmo ano do meu pai, no mês de setembro. (Para uma vida de merda / nasci em 1930 / na rua dos prazeres). Felizmente, agora posso privar um pouco de sua intimidade lendo Toda Poesia, um livro que são dez livros. E que recoloca o nome do nosso bardo-mór de novo à baila. E não é apenas esse resenhador que vê qualidades excepcionais em Gullar.

Vinícius de Moraes afirmou que Poema Sujo foi “o mais importante poema escrito no Brasil (e não só no Brasil)”. Para Sérgio Buarque de Holanda, Gullar foi “o nosso único poeta maior dos tempos de hoje”. E acrescentou: “para a singularidade e importância da sua contribuição, só encontro de comparável, no Brasil, a prosa de Guimarães Rosa”.

Em Toda Poesia há um trecho da conversa de Gullar com o crítico de arte Ariel Jiménez, em que o poeta maranhense sintetiza bem a sua poesia:

“Não estou enganando ninguém, meus temas são a morte, a velhice, a fragilidade da vida, só que existe uma esperança, sempre procuro dar um sentido à vida, e digo isso à minha companheira, ao meu amigo, ao homem que passa na esquina. É da vida, enfim com todas as suas contradições, suas dores, seu absurdo, e também sua beleza e seu mistério, que faço minha poesia, dentro dos limites do possível, é claro.”

E, aqui em versos, ele expressa liricamente seu ponto de vista em Falar, que está em seu livro Em Alguma Parte Alguma.

FALAR

A poesia é, de fato, o fruto

de um silêncio que sou eu, sois vós,

por isso tenho que baixar a voz

porque, se falo alto, não me escuto.

A poesia é, na verdade, uma

fala ao revés da fala,

como um silêncio que o poeta exuma

do pó, a voz que jaz embaixo

do falar e no falar se cala.

Por isso o poeta tem que falar baixo

baixo quase sem fala em suma

mesmo que não se ouça coisa alguma.

+ POESIA

§ O famoso verso “Evoé, jovens artistas!”, de Chico Buarque, deveria ser modificado no campo da poesia. Ficaria: “Evoé, jovens poetas do sexo feminino!”.

Isto porque o surgimento de talentos no gênero é realmente fabuloso. Essa quinzena passei lendo os livros A Vida Submarina e Risque Esta Palavra, de Ana Martins Marques. As duas obras são de alto calibre poético. Pode-se dizer o Mesmo de Seiva Veneno ou Fruto, de Júlia de Carvalho Hansen. Não é à toa que poesia é um substantivo feminino.

§ Ainda no tema microconto, abordado na quinzena passada, leio Para a Próxima Mágica vou Precisar de Asas, de Alex Epstein. Em suas 111 histórias há pequenas preciosidades, como no nanoconto Último Guia para o Ato de Escrever:

“Inspire profundamente. Escreva até que a página branca fique azul.”

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