Uma janela para a dramaturgia brasileira

Projeto Dramaturgias ocupa o Sesc Ipiranga com peças, oficinas, debates, feira de livros e maratona de entrevistas com autores

Andrei Reina
Revista Bravo!
5 min readJun 8, 2018

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Cena de “Cara de Cavalo”, de Pedro Kosovski (Foto: João Julio Mello)

“Não é que uma pessoa não goste de teatro, ela ainda não encontrou o teatro certo para ela”, disse certa vez Zé Celso a Ruy Filho. Para quem segue à procura, o Sesc Ipiranga, em São Paulo, abre hoje uma ampla janela para o que se produz no Brasil em dramaturgia, ofício que (ainda) estrutura parte expressiva das peças encenadas profissionalmente.

Ao longo do mês de junho, os espaços do centro cultural — um dos mais generosos com o teatro brasileiro contemporâneo na cidade — serão tomados por peças, oficinas de criação, mesas de debate e imersões artísticas, além de uma feira de livros teatrais e uma maratona de entrevistas com autores.

Segundo Tommy Ferrari Della Pietra, um dos curadores responsáveis pela programação, o projeto Dramaturgias “se configura como um painel da produção dramatúrgica brasileira contemporânea”, que pretende mostrar ao público uma seleção do que se tem escrito no país — e revelar as condições e procedimentos, menos visíveis, atrelados ao trabalho.

“É também a criação de um ambiente de encontro entre autores, editores, público e atores que atuam em um mesmo campo, formam um corpo forte hoje em dia, mas se encontram pouco em situações de trocas que extrapolem as apresentações das peças”, completa Pietra.

Sergio Roveri e Grace Passô

Maratona de entrevistas e oficinas de criação

Um dos destaques do projeto é a série de entrevistas conduzidas pela editora Isabel Diegues, pelo dramaturgo e professor de teatro José Fernando de Azevedo e pelo crítico Kil Abreu neste sábado e domingo (dias 9 e 10). Eles farão as mesmas perguntas — que vão do método de trabalho ao programa estético — a 12 dramaturgos, em seleção que inclui Grace Passô, Roberto Alvim, Francisco Carlos, Alexandre Dal Farra e Silvia Gomez. “Essas entrevistas serão gravadas e se tornarão um livro e uma série de podcasts”, conta Pietra.

As atividades de criação estão divididas entre “imersões dramatúrgicas”, sessões de trabalho com seis horas de duração, com Claudia Schapira (dia 8), Roberto Alvim (12) e Kiko Marques (15); “ateliês de escrita criativa”, encontros de dois ou três dias em que escritores como Samir Yazbek, Jé Oliveira e Sérgio Roveri expõem procedimentos e propõem exercícios aos alunos; e “ateliês de contato”, encontro de dramaturgos que, provocados pelo público, terão de produzir um pequeno texto. As duplas são formadas por Newton Moreno e Rudinei Borges (dia 9); Vinícius Calderoni e Jô Bilac (10); e Aldri Anunciação e Maria Shu (dia 15).

Aldri Anunciação, Silvia Gomez e Alexandre Dal Farra

Diversidade

“Procuramos trabalhar com autores e autoras atuantes hoje, ou seja, que estão criando e têm suas peças levadas à cena”, comenta Pietra. “Tivemos grande preocupação em proporcionar o encontro de autores e autoras que estão começando na arte do teatro com autores e autoras mais experientes.”

A escolha dos dramaturgos ilustra uma preocupação com a diversidade que vai além da diferença geracional, atestada pela presença de mulheres e negros na seleção. “Mesmo assim”, pondera Pietra, “sabemos que ainda estamos distantes de abrir o espaço necessário não apenas às autoras mulheres e autores negros mas também a autores trans”.

É nesta perspectiva que dois dos mais interessantes painéis de debate, que abordam as produções feminina e negra, são nomeados em tom propositivo. Na mesa “Por uma Dramaturgia de Mulheres” (dia 12), debaterão Angela Ribeiro, Dione Carlos e Silvia Gomez, enquanto Leda Maria Martins, Jhonny Salaberg e José Fernando de Azevedo compõem “Por uma Dramaturgia Negra” (16).

Francisco Carlos e Pedro Kosovski

Peças para ler

Como peças também se dão à leitura —seja na sala de ensaio, na praça pública ou no silêncio do quarto — uma feira de publicações com enfoque em teatro se espalha pela área de convivência do Sesc, de hoje a domingo. O objetivo, segundo Pietra, é “mostrar que, apesar de exígua, a publicação de textos teatrais é potente”, além de revelar “a possibilidade do teatro se disseminar nesse outro meio, a literatura”.

Cerca de 30 casas já confirmaram participação, entre editoras profissionais, como a 7Letras e a Cobogó — cuja diretora, Isabel Diegues, é responsável pela organização da feira — e grupos que se autopublicam, como o Galpão e o Folias D’Art.

E para ver

Entre as peças para serem vistas, o destaque é a pequena mostra de trabalhos de Francisco Carlos, encenador e dramaturgo amazonense que há anos empresta sua farta imaginação poética para abordar a formação histórica do Brasil, com especial atenção à experiência colonial.

Em um teatro convertido em instalação — inspirada nos jardins penetráveis de Helio Oiticica — Carlos apresentará quatro ações cênicas, do dia 14 ao 17: Ópera Espacial Kaiapó, Banquete Tupinambá/Bauhaus e os Índios, Relatos Efêmeros da França Antártica e Expedição dos Amantes da Máquina.

Antes, o dramaturgo carioca Pedro Kosovski faz a estreia paulistana de três de suas peças: Laio & Crísipo (de hoje a domingo), uma reimaginação do mito grego; Cara de Cavalo, texto ambientado na ditadura militar que recebe leitura cênica no dia 13; e Tripas, monólogo escrito por Pedro para o pai, o ator Ricardo Kosovski, e que entra em cartaz no dia 15.

Dramaturgias. A partir de hoje (8) no Sesc Ipiranga. Acompanhe a programação no site do centro cultural. Sesc Ipiranga: Rua Bom Pastor, 822 — Ipiranga — São Paulo.

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