Verbo afiado

A rapper paulistana Drik Barbosa, expoente das batalhas de rimas, lança clipe ao lado de Rincon Sapiência e trabalha em primeiro álbum solo após uma série de participações.

Eduardo Ribeiro
Revista Bravo!
9 min readMar 8, 2018

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Foto: Luciana Faria; stylist: Marina Santa Helena; beleza: Carol Romero

Drik Barbosa é daquelas minas que chegam botando banca. Promissora voz da nova música urbana brasileira, ela iniciou sua carreira com rimas de improvisos na Batalha do Santa Cruz, em São Paulo. Foi ali na calçada, perto da estação de metrô, em meio a experientes rimadores, que ela fez o nome, deixando fluir pelos seus ágeis, ferinos versos, a incontida gana de derrubar paradigmas. Nas batalhas, que começou a frequentar faz pouco mais de uma década, Drik virou a mesa pro lado da mulher, impôs o respeito, atraiu admiradores. Hoje, coleciona hits e participações especiais em sons e shows de grandes nomes do rap. Entre as mais notáveis colaborações, é irresistível citar as suas participações nas músicas “Aos Olhos de Uma Criança”, “Mandume” e “Avuá”, do Emicida, o amigo de quem ela um dia foi apenas fã.

Pesados e precisos, os versos da Drik a tornaram referência para uma crescente geração de jovens mulheres, ainda que a responsa de porta-voz a deixe um pouco desconfortável. Recentemente, ela lançou, via Lab Fantasma, o single e clipe da primeira música do EP Espelho. “Melanina”, que traz uma mensagem de autoestima, resulta da união de forças com Rincon Sapiência, autor de Galanga Livre, uma das melhores realizações do rap nacional no ano passado, e a MC Stefanie, inspiração do começo da carreira.

Enquanto promove o EP em 2018, Drik segue em estúdio trabalhando paralelamente em seu primeiro álbum, que virá com patrocínio de Natura Musical. Até o momento, a ideia é de que o trabalho, marcado para o ano que vem, se chame Herança. Por telefone, ela falou simpaticamente à Bravo! a respeito de tudo isso e um pouco mais. Acompanhe:

Bravo!: Como se deu a sua aproximação com o pessoal da Batalha do Santa Cruz?
Drik Barbosa: Eu moro bem perto, 15 minutos andando, de onde acontece a Batalha do Santa Cruz, e eu tinha 14 anos. Um amigo que morava na mesma vila que eu fazia beat box lá. Isso no final de 2006. Na época tinha tipo cinco pessoas na batalha [risos]. Aí ele falava: “tem uma batalha de rima perto do metrô, cola lá.” E a gente já gostava de rap, meus amigos e eu, então decidi ir até lá conhecer. Aí a gente foi num sábado, fiquei só de cantinho olhando, e depois passamos a frequentar. Era bem no começo, acho que era o primeiro ano da batalha. Fui duas vezes em 2006. Em meados de 2007, comecei a ir sempre e nunca mais parei. Até hoje vou.

Nessa época você já tinha o rap como um objetivo, já conhecia bem o estilo?
Eu gostava já de rap, não conhecia muito sobre o hip hop ainda, mas meus tios ouviam desde que eu era pequena. Não entendia tanto, mas gostava de como a música era. Aí fui crescendo e entendendo melhor. Mas eu já gostava de black music em geral. Sempre fui muito ligada a música, então, quando conheci a batalha, me apaixonei. Comecei a fazer freestyle lá, aprendi a improvisar e tal, e conheci mais sobre o hip hop.

Você sempre se destacou nas rimas pelo domínio da palavra, por saber mandar uns versos muito bem construídos em fração de segundos. Isso vem de uma familiaridade já adquirida com a prática da escrita?
Eu já escrevia, sim. Ninguém sabia, mas eu já escrevia [risos]. Eu pegava músicas de gringos, assim, do Usher, da Ciara, e escrevia a versão brasileira. Já gostava de compor. Não sabia tocar nenhum instrumento, então fazia em cima dessas músicas. Era uma coisa muito pra mim, mas já era uma forma de expressar o que sentia. Aí na batalha comecei a fazer improviso e pensei, “Poxa, se eu gosto de escrever sobre o que sinto, por quê não fazer rap?” Aí passei a escrever. Eu tinha um grupo com uns vizinhos e o meu primo, na vila onde moro, e a gente começou a gravar no PC, mostrar pros amigos, mas eu não tinha pretensão nenhuma de seguir carreira. Era porque eu gostava mesmo, me sentia feliz, leve, quando escrevia e cantava.

Capa do single de “Melanina”.

Das idas pra assistir até começar a participar, quanto tempo levou?
Lá na batalha, comecei em 2010. Foi depois de muito frequentar.

E as suas participações na batalha chamaram a atenção de Emicida e mais uma galera, né? Como chegaram os primeiros convites pra fazer vocal em sons de outros rappers?
Como eu fazia freestyle cantando e rimando, os meninos achavam legal. Aí um amigo me chamou pra cantar um refrão numa música dele. A partir desse primeiro convite, começaram a surgir outros, de amigos da batalha mesmo, e é por isso que o que eu mais tenho gravado são participações.

É verdade. Acha que foi um caminho mais pé no chão do que chegar logo de cara com um disco gravado?
Foi uma forma de eu entender se era isso o que queria mesmo fazer. O primeiro som que lancei foi em 2010, ele nem existe mais na internet [risos], mas eu o gravei no estúdio do CCJ [Centro Cultural da Juventude], que era gratuito. A música se chamava “Vem de Mim”.

Mas por que você tirou a música do ar?
Eu tirei porque não gostei de como ficou gravado. Depois lancei as outras, “Pra Eternizar”, “Não é Mais Você”, e fui lançando meus singles, tudo picadinho, porque não sabia se ia fazer só música mesmo. Foi estando no palco com os caras que me convidavam pra cantar que percebi que podia fazer aquilo também. As pessoas se identificaram, pediam pra fazer mais músicas. Aí comecei a fazer shows solo também.

Dos caras do rap que te deram estímulo no começo, quem foi especialmente importante?
O Marcelo Gugu. Eu participei de quatro ou cinco faixas do primeiro disco dele. Marcelo Gugu é um MC incrível, e é um dos fundadores da Batalha do Santa Cruz. Então, pra mim foi super importante trabalhar com ele porque ele foi uma das minhas referências pra fazer rap. E eu aprendi sobre o hip hop ouvindo ele falar sobre o hip hop. Foi muito significativo. Teve vários outros ao longo do tempo. Fiz muita música com quem eu sou muito fã e ouvia indo trabalhar, é muito gratificante.

Algumas meninas já te veem como uma porta-voz ou algo assim?
As minas chegam em mim e falam que eu as represento dessa forma, que a minha música faz bem pra elas, dá motivação pra elas, e eu fico muito feliz com isso, porque o primeiro intuito é realmente falar o que eu sinto, penso. Depois que vem a parte de quem se identifica ou não. Até porque, só fazer música pra que outras pessoas se sintam representadas, sem ter uma verdade sua ali primeiro, não faz muito sentido. Então fico feliz por ser a minha verdade e estar ajudando outras pessoas a contar a verdade delas, motivando. É que porta-voz é uma coisa muito forte. Mas sinto, sim, que é um momento super importante, principalmente para nós, mulheres pretas. É bom a gente poder falar sobre isso de uma forma mais direta. Através da música e da internet, chegar nessas meninas e mulheres. É uma responsa muito grande, porque eu sinto isso, sabe? Sinto nos olhos delas, nos shows, que minha música está chegando ali no coração, isso é maravilhoso.

Que outras mulheres do hip hop nacional você considera que estejam fortalecendo esse discurso?
Sou suspeita pra falar porque faço parte do projeto, mas são mulheres do rap e do r’n’b que me inspiram absurdamente: as cantoras e MCs do Rimas & Melodias. É um coletivo, na verdade, e a gente também está sentindo isso, que estamos representando de alguma forma as mulheres dentro da música, dentro do rap, do r’n’b, da música preta. Mas tem muitas outras de quem sou super fã, que me ajudaram a me encontrar. Daqui de São Paulo tem a Lívia Cruz, uma das primeiras MCs que eu conheci, junto com a Stephany (Rimas & Melodias), a Cris SNJ, que é incrível, a Tati Botelho, pesadíssima, tem a força da quebra nos versos dela. Graças a Deus tem muita mulher aqui em São Paulo… a MC Sofia, que é uma menina, incrível, é o futuro do rap…

Nesta semana saiu “Melanina”, o seu primeiro single e clipe do EP Espelho, com participação do Rincon Sapiência, né. Bem legal. Tem uma mensagem de luta, mas também de curtição.
Independente da nossa correria do dia a dia, do tanto que temos que trabalhar, principalmente nós, mulheres e homens negros, precisamos e merecemos nos divertir. O Rincon também traz essa mensagem de autoestima nas letras e frequenta a festa Discopédia, que inspirou a letra e o vídeo, assim como eu, e sabe da importância dos DJs e do vinil. Por isso eu quis trazer ele para esse som, porque achei que ia combinar com a vibe. No fim das contas, essa música é sobre o orgulho de ser preto.

Além das faixas para esse EP, você tem conteúdo para um álbum?
Sim, mas a ideia é que o álbum venha em 2019. Este ano vamos promover o EP e entrar em estúdio pra gravar o álbum. Talvez o nome do meu álbum seja Herança, mas não tenho certeza. É o que tem mais sentido dentro do que eu quero fazer. Mas é capaz que, no meio do caminho, criando as músicas, eu possa ir pra outro lado. De qualquer modo, a temática vai circular em torno disso. A herança de ser preta, mulher, humana, enfim. Tenho alguns versos escritos, mas a gente ainda vai começar, de fato, a trabalhar nas músicas, criar as produções, que vão ser com o Felipe Vassão. Vamos praticamente criar do zero. Tenho já a ideia de como quero, as referências de beats, então de alguma forma já começou. Vai ter participações incríveis, pessoas de que gosto muito, mas nem esse pessoal sabe ainda [risos]. Quem me acompanha na vida já deve imaginar que receberá um convite meu [risos].

O que você tem escutado que não seja rap?
Eu sou bem eclética, gosto de arrocha, de axé, de tudo.

Desse “de tudo”, o que te influencia criativamente?
Olha, me influencia muito, principalmente na parte do canto, a soufull house, que também é música preta, mas não segue a mesma linha do rap. Escuto muito r’n’b, me influencia na criação de melodias e tal, é uma referência. Não só musical, mas temática também. E, mesmo conhecendo ele pessoalmente, ainda escuto muito Emicida… ele e o Kamau, que foram minhas primeiras referências, além do Rashid.

E no campo das ideias, quais são as suas referências no momento?
A Djamila Ribeiro, com certeza. Tudo o que essa mulher fala, meu Deus do céu, parece que ela lê meus pensamentos! Ela fala muito sobre ser mulher preta, sobre feminismo negro, mas de uma forma que a gente entende. Ela usa palavras simples para chegar em mais pessoas. E ela é muito incrível, muito pesada. Gosto muito também de ver documentários e ler biografias de artistas, pra saber como eles criam, de onde vem a influência deles. Sou doente pela Beyoncé, porque a gente foi condicionada a pensar que não merece ter dinheiro, coisas materiais, e isso é totalmente errado. Isso é o que querem que a gente pense, principalmente nós que somos de quebrada, pretos e tal, então é muito incrível existir alguém que realmente não tem medo de conquistar as coisas e tem orgulho das conquistas. O Emicida é uma referência pra mim nessa questão também, de ser um artista que não tem medo. Ele criou uma marca de roupa incrível, entrou onde nunca havia desfilado uma marca independente. A gente precisa de dinheiro pra tudo, pra comer, por que ter vergonha de conquistar as coisas? E pra nós é sempre fruto de trabalho, temos sempre que trabalhar o triplo. Queremos conforto, queremos ajudar a nossa família, ter segurança financeira pra ter as coisas. Como vou fazer um show se não tenho grana pra pegar um metrô? Não é questão de ostentação. Tem que ir pra cima mesmo, por que eles têm e a gente não pode?

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Eduardo Ribeiro
Revista Bravo!

Editor @ Estadão Publishing House. Jornalista desde 2004, comecei no Grupo Estado. Passei pela MTV, Agora São Paulo, R7, VICE e Metro.