Walter Carvalho investiga uso de planos em “Um filme de cinema”

Novo longa do diretor e fotógrafo que atuou em diversos clássicos nacionais entrevista cineastas pelo mundo

Paula Carvalho
Revista Bravo!
4 min readAug 26, 2017

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Walter Carvalho. Foto: Divulgação

Quando filmava Madame Satã com Karim Aïnouz no sertão paraibano, Walter Carvalho se deparou com uma cena "de chorar" na cidade de Boqueirão: um cinema em ruínas, com projetor, bobina e carretel ainda montados para exibição, porém cheios de teias de aranhas e caixas de marimbondos, cadeiras com cupins e portas encerradas com tapumes. Dali o diretor começou a filmar — de trás para frente — o que seria o seu Filme de Cinema: séries de entrevistas com diretores como Béla Tarr, Gus Van Sant, Jia Zhangke, Ken Loach, Lucrecia Martel, Andrzej Wajda, entre outros, em que esmiúça a arte de fazer cinema.

Quando um plano acaba? Por que um plano entra no filme? Quando se corta o plano? Por que filmar? São algumas das perguntas que os cineastas respondem no documentário que está em cartaz nos cinemas. A ideia, revela Walter, a princípio, era a de usar takes não utilizados na montagem final dos filmes e costurá-los: "Eu ia pegar um plano do Central do Brasil, um do Carandiru, um do Madame Satã, um do Terra Estrangeira, um do Amarelo Manga, enfim. E criar uma história entre eles. Porque no trabalho como fotógrafo eu comecei a perceber que tinha uma coisa que acontecia com frequência: havia um plano que o diretor queria muito fazer, se investia naquele plano, há sempre uma energia depositada naquilo. Quando se realizava era uma emoção da equipe e tal. E aí quando eu ia finalizar, marcar a luz do filme, o plano não estava".

Os diretores Jia Zhangke, José Padilha, Ken Loach, Lucrecia Martel e Béla Tarr são alguns dos entrevistados. Fotos: Divulgação

O projeto, no entanto, era inviável. Quando um filme é finalizado, a maior parte das cenas que não entraram é incinerada, ou descartada. Não existia cinemateca ou espaço suficiente nas produtoras para armazenar os rolos de filmes naquela época, ou eles eram impossíveis de localizar. Daí, Walter começou a filmar conversas com diretores que admirava sobre essas questões.

As conversas viajam o mundo: desde o chinês Jia Zhangke à argentina Lucrecia Martel, passando por diretores de filmes mais "pesados" como Béla Tarr e engajados como Ken Loach. O filme deve chamar a atenção dos cinéfilos: as respostas ensinam muito sobre como pensar a atividade de direção, além de demonstrar a paixão de todos os participantes pelo cinema.

Chama a atenção a dedicação de Walter a contar a história sobre a projeção, mas a parábola pode ser vista quase como uma sentença de morte: com o estabelecimento definitivo da filmagem e projeção digitais e a competição com as plataformas de streaming, o filme rememora um universo que está mais para saudosos. Mas não há saudosismo. "Eu vejo o Netflix com otimismo. Até porque fui o primeiro fotógrafo do cinema brasileiro que fotografou uma novela das oito da Globo, que foi Renascer. Numa época em que as pessoas tinham muito preconceito com televisão. Hoje todo mundo do cinema vai fazer televisão, ela está dentro do cinema assim como o cinema está dentro da televisão. Hoje a câmera que grava é a mesma que filma", diz. A sua única ressalva diz respeito ao estilo: "Eu só não posso permitir que a tecnologia se sobressaia à minha linguagem. Porque a tecnologia eu compro, eu leio nos manuais, a linguagem não. A linguagem é a própria vida, está entre nós. Eu não posso submeter a minha capacidade criativa à tecnologia, eu tenho que inverter, trazer a tecnologia a meu serviço, como uma ferramenta". Em tempos de guerra em Cannes, vale a lição da boa convivência.

Um Filme de Cinema

Documentário; Cor; DCP; 111'; Brasil — 2015
Direção e roteiro: WALTER CARVALHO
Empresa Produtora: REPÚBLICA PUREZA FILMES
Produção: MARCELLO LUDWIG MAIA
Fotografia: LULA CARVALHO, PABLO BAIÃO
Montagem: ISABEL CASTRO
Música: GUILHERME VAZ, MARCO ANTONIO GUIMARÃES
Distribuição: ArtHouse

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Paula Carvalho
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jornalista, doutoranda em sociologia na usp. quase tudo em torno de som 🎛 pra mandar mensagem: paula.cncarvalho@gmail.com