práxis/filosofia no ensino médio
A Antinomia da Sala de Aula

A nós cabe provocar uma pequena vertigem que chacoalha o aluno. Empurrá-lo a fim de que não tenha mais medo

Caio Sarack
revista Capitu
4 min readOct 21, 2016

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Capa do material didático de filosofia, curso de ética, Redefor/Unesp | imagem: Cassimano

O professor é antes de tudo um esperançoso, mas é preciso entender essa esperança… "É a última que morre…" Não sei ao certo, mas certamente é a última a ser enterrada. Sou professor de filosofia do Ensino Médio há três anos numa escola particular de alto padrão, sou o que costuma se chamar de professor-exceção que não conhece empiricamente quais as dificuldades básicas da maioria dos meus colegas, mas posso, a partir da minha perspectiva, tentar traçar um modelo do embate filosofia-instituição, ou melhor, filosofia-educação. Claro, sempre bom lembrar, que no caso particular e frágil da disciplina de filosofia.

É importante termos em mente que todo professor de filosofia precisa lidar com duas limitações: o hiperestímulo a que são submetidos seus alunos cotidianamente e, para manter o recurso do prefixo, o hipoestímulo de só uma aula semanal. Temos uma contradição performática do que é filosofia e seu ensino no ciclo básico, o que nos leva a dois caminhos estereotipados, mas úteis para fins pedagógicos: a filosofia como sistema de pensamento particular e, por isso, com complexidade e dinâmica próprias; ou como espaço de debate ético, em que o aluno possa se ver perante pares conceituais como certo-errado, justo-injusto, isto é, à ética de maneira geral. A primeira opção faz mais sentido, a meu ver, porque o ambiente do questionamento ético precisa de consistência intelectual para não desbancar na barbárie pragmática ou moralismo; estratégia escolhida, as táticas são feitas no corpo a corpo, cada sala de aula é uma trincheira diferente e similar.

Custa-nos compreender como a educação de filosofia pode sugerir aos alunos um vínculo entre os saberes que desde muito cedo desaparece, ou ainda descrever a violência dessas fissuras entre eles, e como essa ações são emergências políticas e técnicas de um tempo histórico… que também gestam sua contraposição

Como conto com uma liberdade, ou melhor, uma espécie de negligência salutar por conta da dificuldade dos vestibulares em aplicarem nossos conteúdos de maneira realmente consistente — pelo caráter próprio à filosofia autêntica (aqui me permito certo purismo inconsequente e retórico) —, tenho a possibilidade de construir o curso de maneira personalizada. Aqui duas coisas devem sempre ser consideradas e relembradas: a escola em que dou aulas é de tipo humanista, isto é, tem como princípio a construção de um repertório cultural plural (mesmo que estereotipado e/ou controverso esse conceito) e os alunos têm condições objetivas para estudar e dedicarem-se. Dito isto, posso tratar, com a pretensão de tocar aquele “modelo do embate filosofia-educação”, de uma espécie de experiência que estrutura a atividade de todo professor de filosofia.

[Nota-se aqui o impulso em criar universais, generalizações típicas]

Ao mesmo tempo em que o “receptor” de nossas aulas deve constar não como preocupação, mas sim ser a própria ocupação do professor, existe alguma resistência do próprio conteúdo a qualquer planificação: o acesso, muitas vezes, traz o seu enfraquecimento e até mesmo uma compreensão distorcida do sistema a ser exposto. A nós cabe provocar um certo experimento de um pensamento arquitetônico, uma pequena vertigem que chacoalha o aluno que nos acompanha, não é dar-lhes instrumentos, mas sim empurrá-lo a fim de que não tenha mais medo. Portanto, é preciso, de certa forma, amedrontá-lo, demonstrar a grandeza e extensão da filosofia para que — senão o estudo regular como um todo seja posto em dúvida — pelo menos a disciplina apareça com certa particularidade: um espanto.

Os trabalhos de mais fôlego parecem ser mais úteis nessa tarefa; o trabalho é tanto do aluno quanto do professor, dar desafios “espantosos” que o impeçam de chegar ao campo de expectativa do professor (mesmo que ele seja abertíssimo) de forma imediata, isto é, que o aluno precise continuamente procurar recursos para esclarecer alguns percalços que você, como versado, já espera, e outros não. Mas como toda experiência, está necessariamente fadada à razão do experimento.

É difícil, na releitura deste texto, não encontrar muitos sinais de otimismo. No entanto, não há como negar certa esperança rediviva quando se fala de educação básica… se a aposta deve ser na não repetição da barbárie ou na potência característica da natalidade, se deve ser um ensino de tipo rousseauista ou de debate ético, não se sabe. Pensar a educação de filosofia no ensino médio é pensar na sua irreversível derrota, não há como reconhecer o rigor e experiência acadêmicos que nossos departamentos especialí(zadi)ssimos nos ensinam, no entanto não há também como prescindir disso, é nesta erudição que se enraízam todos os caminhos que serão abertos por sua mediação enquanto professor. Existem limites, então, que são intrínsecos à interação filosofia e educação institucionalizada. O procedimento da própria escola de hoje e suas mais rizomáticas variações (isto geralmente nas escolas particulares, pelo motivo óbvio que já lhes vem à mente) é uma sucessão objetiva de fracassos, não porque esta ou aquela tendência são falseamentos ou ideologias perversas, mas pela dinâmica que o conhecimento assume desde o século passado, diagnosticada em todos os espectros — para citar dois exemplos: Hayek e seu “uso do conhecimento na sociedade”, e Adorno, com sua “educação e emancipação” do indivíduo mesmo que à maneira kantiana. Custa-nos compreender como a educação de filosofia pode sugerir aos alunos um vínculo entre os saberes que desde muito cedo desaparece, ou ainda descrever a violência das fissuras entre eles, e como essa ações — no campo do ensinar e do aprender — são emergências políticas e técnicas de um tempo histórico… que também gestam sua contraposição.

Caio Sarack é editor de Tapume. Graduado e mestrando em filosofia pela USP e professor de ensino médio no Colégio Sidarta.

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